O século XIX foi o tempo em que a arte decidiu se olhar no espelho. Um espelho quebrado, porque de um lado se via o sonho e do outro a realidade. O Romantismo e o Realismo não eram apenas estilos literários ou artísticos. Foram modos de sentir o mundo, dois rostos de uma mesma inquietação humana.
O Romantismo nasceu do desencanto que se seguiu à Revolução Francesa. O homem, cansado da razão iluminista e das promessas do progresso, voltou-se para dentro de si. Quis reencontrar a alma que a máquina começava a roubar. A natureza se tornou o refúgio e o amor, a religião secreta. Cada poeta via no luar um oráculo e na saudade, um destino. Almeida Garrett e Alexandre Herculano abriram em Portugal as portas dessa sensibilidade nova. Garrett escreveu Camões e Frei Luís de Sousa como quem tenta redescobrir o sentimento português. Herculano procurou na História a moral que o presente parecia ter perdido. Ambos acreditavam que um povo sem memória não tinha futuro.
Curiosamente, foi também no Romantismo que surgiram os primeiros sinais da modernidade que o destruiriam. A imprensa crescia, o livro se tornava acessível e o público, mais exigente. A emoção começava a ser substituída pela observação. O mundo deixava de ser um cenário para se tornar um laboratório.
Daí nasceu o Realismo. O escritor não quis mais chorar, quis entender. A literatura passou a funcionar como um espelho que não perdoa. Em Portugal, Eça de Queirós fez disso uma arte. Em Os Maias ou O Crime do Padre Amaro , mostrou um país de aparências, onde a fé se mistura com o interesse e o amor com o tédio. Não havia mais heróis românticos, mas pessoas comuns, presas ao cotidiano. O Realismo nasceu da curiosidade científica e da vontade de desmontar as ilusões herdadas.
O curioso é que ambos, românticos e realistas, buscavam a verdade. Só que um acreditava encontrá-la na alma e o outro, nos fatos. O Romantismo é o coração falando, o Realismo é o olhar que analisa. No fundo, são duas metades da mesma humanidade.
O século XIX foi essa encruzilhada. O vapor das fábricas se confundia com a névoa dos sonhos. O progresso avançava, mas deixava atrás de si uma nostalgia imensa. Cada avanço técnico parecia exigir um sacrifício sentimental. Entre o entusiasmo pelas locomotivas e a melancolia dos poetas, nasceu o homem moderno.
Hoje, quando olhamos para aquele século, percebemos que o Romantismo e o Realismo não se anularam. Eles continuam a viver dentro de nós. Todos os dias escolhemos entre idealizar e entender, entre sentir e explicar. É o velho conflito do século XIX que ainda habita o século XXI.
*Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor

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