terça-feira, 15 de dezembro de 2015

FRENTE CONTRA A CORRUPÇÃO


A informação é um bem social imprescindível – foi por falta dela que os Estados Unidos sofreram o 11 de Setembro, o maior atentado terrorista da história. O Estado democrático e o dever de ofício levam o jornalista e o promotor à condição de predadores dos agentes públicos infiéis – um fuça e o outro jurisdiciona – com a diferença de que o salário do promotor é pago pelos contribuintes, que não visam ao lucro. Já o jornalista presta serviço para empresários que só pensam em dinheiro. O promotor desonesto pode perder o emprego para sempre, mas se o repórter pegar um jabá, por exemplo, corre o risco de ficar desempregado temporariamente porque essa é uma prerrogativa do veículo onde trabalha. Ou seja, no caso do jornalista, a relação patrão-empregado não passa pelo crivo da moralidade.

É por essas e outras razões que defendo, ardentemente, a autorregulação da profissão de jornalista, seja através de um conselho ou ordem, para o autocontrole da conduta ética e profissional da categoria, através de instrumentos que vão além de meros preceitos éticos. É humilhante uma classe de intelectuais como a nossa, responsável por tão nobre missão, não ter competência para se organizar na forma de uma instituição como a dos advogados ou médicos, por exemplo, que possuem instrumentos próprios para o controle dos registos profissionais. Não admito que o controle de registo profissional do jornalista continue sendo feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego, se temos plenas condições de ter o seu domínio de forma mais eficiente e competente.


Lavando a roupa suja, temos que considerar que boa parte dos jornalistas peca por falta de qualificação ou de carácter – ou dos dois juntos. A falta de carácter não tem cura (e nem ensinamentos, como pensava Sócrates), mas qualificar é possível. Por isso sugiro à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e demais entidades representativas da classe que realizem um encontro nacional da categoria para consciencializá-la sobre o seu real papel na fiscalização dos agentes públicos e orientá-la sobre meios e métodos de actuação – os critérios de conduta ética e a importância da imprensa como guardiã do património público. O mote do encontro seria o verdadeiro papel da imprensa diante do aumento da corrupção no país. Como convidados, teríamos a participação de representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Polícia, do Tribunal de Contas e do Poder Legislativo e Executivo.

Venda de espaço
 Moral da história, o que estava ruim, piorou ainda mais. Até porque existem os jornais pontuais, que surgem em época de eleição para dar apoio a este ou aquele candidato. São panfletos que não deveriam ter nenhum crédito, mas são formadores de opinião – e o pior: por traz de cada um desses jornais tem sempre um jornalista fazendo bico para sobreviver.

Sei que a forma com a qual a imprensa nanica fiscaliza os agentes públicos no interior é altamente favorável à corrupção porque a maioria destes veículos depende de verbas públicas para sobreviver. Vende espaço e opinião em troca de favores. Esta relação incestuosa anula a imprensa e faz do jornalista um contribuinte passivo da corrupção. Ora, é compreensível que o dono de um jornal do interior dependa de verbas públicas para custear o seu veículo, mas ele não pode se anular por completo. Tem, no mínimo, que cumprir a sua obrigação de informar o público sobre todos os fatos políticos que ocorrem na cidade porque é função do jornalismo nos regimes democráticos fiscalizar os poderes públicos e privados e assegurar a transparência das relações políticas, económicas e sociais.

O jornalismo declaratório
Por conta disso, a imprensa e a mídia são, às vezes, cognominadas de o Quarto Poder, aquele que é responsável pela fiscalização dos poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim sendo, é obrigação do jornalista fazer a cobertura sistematicamente do Poder Legislativo, comparecendo a todas as reuniões ordinárias e extraordinárias para levar ao público o que rola nos seus bastidores e com isso fiscalizar o Poder Executivo, que sem o Legislativo não faz nada. É preciso, ainda, ter profundo conhecimento do seu Regimento Interno e da Lei Orgânica do Município.

Recomenda-se que o material obtido nos debates públicos vá para o mix de reportagem, onde deve ser publicado com isenção, ficando as impressões jornalísticas para a secção de opinião. Com isso, o jornal cumpre o seu papel pela concisão do fato relatado. Este tipo de trabalho sério normalmente é reconhecido pelas autoridades, até porque o bom jornalista é aquele que se impõe pelo respeito e a seriedade de seu trabalho. O segredo é se informar bem para informar melhor ainda.

Vale lembrar que as coberturas dos poderes legislativos são exauridas ao final das reuniões porque este é um poder representativo de todos os interesses políticos e colectivos. Dentro desta Casa estão os representantes do povo, dos partidos políticos, do prefeito e de todos os demais segmentos da sociedade, de forma que se a fala de um vereador ou de um deputado ofender alguma autoridade, lá estará, com certeza, o representante legal deste para fazer a sua defesa. Se isso não ocorre, não é problema do repórter. Funciona assim. É o que chamamos de jornalismo declaratório – um fala e outro se defende, através de um debate democrático e salutar. O jornalista, neste caso, é mero mediador de factos.

Relação estritamente profissional
Outra atenção especial deve ser dada às licitações públicas que, por lei, são publicadas na imprensa oficial. O repórter precisa conhecer a lei que rege as licitações públicas, ler os editais e checar os aditivos, que não podem passar de 25% do valor da obra ou do serviço a ser prestado. É sabido que as principais irregularidades detectadas pelos Tribunais de Contas nas prestações de contas dos municípios estão nas licitações, movimentação de pessoal e no sector de compras, procedimentos esses que não passam pelo Legislativo. Portanto, é necessário ao repórter ficar atento a tudo isso porque o tamanho do dinheiro público que vai para o ralo depende do tamanho da omissão jornalística. Até porque, é sempre bom lembrar, o poder judiciário trabalha por provocação. Por isso é importante ao jornalista actuar em parceria com o Ministério Público, que tem poderes para, entre outras coisas, mover uma acção cível pública contra um prefeito ou vereadores por crime de improbidade administrativa.

A eficiência jornalística tem tudo a ver com a conduta pessoal do jornalista. Portanto, o ideal é que o repórter evite qualquer relação que venha mais tarde a criar constrangimentos para o livre exercício da profissão. O repórter não deve ter nenhuma relação de amizade com políticos e demais autoridades que fazem parte de seu contexto profissional. Evitar ao máximo possível as informalidades, não aceitar nada que venha a comprometer o seu trabalho, como favores ou agrados, e não fazer parte dos segredos profissionais e/ou particulares de agentes públicos que ostentam poderes porque isso compromete a relação profissional. Eu não vou a festa de político, não lhe peço favores, não os aceito e nem dou margem para que eles me tratem como amigo. A nossa relação tem que ser estritamente profissional, de respeito mútuo, para que possamos ser cépticos, críticos e independentes, como dever ser um bom jornalista.

Agindo desta forma qualificada e ética iremos, com certeza, contribuir muito para a redução da corrupção no país.

[José Cleves é jornalista, Belo Horizonte, MG]

NB: Artigo adaptado considerando o assunto em si, e o interesse público do mesmo. Os leitores o que têm para dizer sobre o assunto? Enviem-nos as vossas opiniões para e-mail: editorlitoralcentro@gmail.com

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