O Macroscópio regressa hoje depois de uma semana (mais um Santo António) de descanso, e muito poderia ser recuperado do que se passou nestes dias, do Congresso do PS à singulares comemorações do 10 de Junho, mas numa altura em que todos os televisores à minha volta só retransmitem imagens do Euro 2016 – e da nossa selecção –, esta newsletter vai por outro caminho. Segue por Orlando e pelo massacre aí ocorrido num bar gay. Suspeito que nos vamos lembrar mais dele do que da generalidade dos outros eventos destes dias.
Sabemos o que se passou, mas vale a pena reflectir um pouco sobre as reacções que o ataque provocou. Porque a sua diversidade, porventura contraste, é um sinal dos tempos. Por isso começo exactamente por este ponto, com a ajuda de uma análise de Margaret Wente no Globe and Mail do Canadá: How Orlando divides America. Depois de recordar que a 11 de Setembro os Estados Unidos reagiram a uma só voz na sua consternação e solidariedade, sublinhou que esse ambiente parece hoje fazer parte de um outro tempo, um outro século. Em concreto: “Orlando was different. The bodies were scarcely cold by the time the shouting began. On the Sunday talk shows, people sounded as if they were talking about two entirely different events. “ISIS VS. US” blared the headline in the New York Post on Monday, invoking the spectre of a global jihad. The Daily News blamed guns. “Thanks, NRA,” it shrilled. In the immediate aftermath, Donald Trump blamed radical Islam but refused to mention the word “guns.” Barack Obama blamed guns and terror but couldn’t bring himself to mention the words radical Islam.”
O Washington Post concordava: The new norm: When tragedy hits, Americans stand divided. E sublinhava: “Three of the most contentious questions in American culture and politics — gay rights, gun control and terrorism — collided in a horrific way in an Orlando nightclub early Sunday.” Mais: “Not since 9/11 has a moment like this brought the nation together, and that evaporated quickly. Since then, calamity seems only to drive the left and the right further apart, while faith in the nation’s institutions deteriorates further. Across the ideological and partisan divide, it no longer seems possible to even explore — much less agree upon — causes and solutions. So the response has been muddled, even while the next tragedy looms.”
Esta divisão teve uma tradução muito clara na forma diferente como os dois candidatos presidenciais reagiram ao ataque, algo que a The Economist sintetiza em Sense and nonsense: Clinton and Trump make clashing speeches after Orlando attack. Eis o que conclui a revista: “Might Mr Trump succeed as a unifier of anxious America? As it happens there is no reason to think that Mr Trump is anti-gay. (…) What is more, Americans are deeply disenchanted with the foreign policy record of Mr Obama and his team, including Mrs Clinton, his first secretary of state. So there should be an opportunity there. But in a crisis, he has chosen—once again—to appeal to fear, suspicion and prejudice. Islamic extremism is a very real threat. Mrs Clinton has work to do to reassure millions of frightened Americans that she knows how to fight it. But Mr Trump is offering impractical policies that would harm America if enacted, by driving away precisely those Muslim allies best placed to help.”´
No Financial Times Gideon Rachman desenvolveu mais esta linha de argumentação, escrevendo que Orlando massacre will aid Donald Trump’s campaign of fear. Ao ponto de a exploração das emoções poder influenciar o decurso de uma campanha em que Hillary Clinton é claramente favorita: “Many have added the qualification that a major terrorist attack could change the momentum of the campaign. The vote is still five months away, so it is too soon to judge whether the Orlando killings will permanently change the election. But Mr Trump is the candidate of fear and anger. And both emotions are now soaring in the wake of the massacre at the Pulse nightclub.”
Claro que o ponto de aplicação das medidas a tomar terá sempre de ter como ponto de consenso mínimo, o que se demonstra estar cada vez mais longe de acontecer. Tomemos a abrir o tema do controle da venda de armas de fogo. O New York Times procurou suportar a defesa de mais limitações na venda de armas num trabalho graficamente poderoso: How They Got Their Guns. Nele recordam-se alguns dos mais recentes massacres, mostrando as armas que neles foram utilizadas e a forma como foram compradas. E mostrava-se que “A vast majority of guns used in 16 recent mass shootings, including two guns believed to be used in the Orlando attack, were bought legally and with a federal background check. At least eight gunmen had criminal histories or documented mental health problems that did not prevent them from obtaining their weapons.”
Um argumento contrário foi defendido no New York Daily News:In wake of Orlando, gays should arm themselves: Otherwise, in gun-free zones like the Pulse nightclub, we're sitting ducks to maniacs and terrorists. O autor, que se assumiu como gay, considerou que locais “livres de armas” são convites a assassinos como o de Orlando: “Legally designated gun-free zones are invitations to killers. They get to rack up kills among defenseless victims without any effective opposition. There is a reason that they seek out such places: Everyone has been disarmed and rendered defenseless by the gun-control movement.”
Este debate é porventura demasiado americano para os leitores do Macroscópio, pelo que é interessante passar a outro: o das motivações do assassino. E, aqui, mais do que debater se estamos apenas perante um “lobo solitário” seduzido pelo Estado Islâmico, questionar a relação entre a cultura islâmica e a homofobia, mesmo em sociedades abertas e tolerantes como as nossas. Para a activista somali Ayaan Hirsi Ali essa relação é evidente. EmIslam’s Jihad Against Homosexuals defende que “The rise of modern Islamic extremism has worsened an institutionalized Muslim homophobia”. Vale a pena reproduzir os quatro pontos da sua preposição:
1. Muslim homophobia is institutionalized. Islamic law as derived from scripture, and as evolved over several centuries, not only condemns but prescribes cruel and unusual punishments for homosexuality.
2. Many Muslim-majority countries have laws that criminalize and punish homosexuals in line with Islamic law.
3. It is thus not surprising that the attitudes of Muslims in Muslim-majority countries are homophobic and that many people from those countries take those attitudes with them when they migrate to the West.
4. The rise of modern Islamic extremism has worsened the intolerance toward homosexuality. Extremists don’t just commit violence against LGBT people. They also spread the prejudice globally by preaching that homosexuality is a disease and a crime.
Em Islamismo y homosexualidad: hacia el delito de lesa humanidad, publicado no El Español, Paco Ramírez e Samir Bargachi reforçam esta linha de argumentação: “En general en todos los países de mayoría musulmana, se persigue la homosexualidad legalmente y se penaliza severamente. En total son 10 países y zonas los que castigan con la pena de muerte los actos homosexuales: Afganistán, Arabia Saudí, Irán, Mauritania, Pakistán, Sudán, Yemen y algunos estados del norte de Nigeria y algunas zonas del sur de Somalia. En otros países, la homosexualidad puede ser castigada con cadena perpetua o duras penas de prisión, añadiendo a ello el estigma social y el rechazo mayoritario de su entorno y su comunidad. Si a todo ello añadimos las torturas, los malos tratos por parte de policía y en prisión, incluso hasta castigos físicos como latigazos en plena plaza pública para escarnio social, podemos hacernos una idea de este paisaje nada halagüeño para gays y lesbianas en estos países.”
Mas mesmo tendo presente a tendência para a homofobia entre os extremistas islâmicos, é importante perceber que este ataque não foi apenas um ataque de ódio tendo como alvo apenas a comunidade LBGT. Isso mesmo sublinha, em The Scope of the Orlando Carnage, Frank Bruni, do New York Times: “The threat isn’t only to L.G.B.T. Americans, as past acts of terror have shown and as everyone today must recognize. All Americans are under attack, and not exclusively because of whom we drink, dance or sleep with, but because of our bedrock belief that we should not be subservient to any one ideology or any one religion. That offends and inflames the zealots of the world.”
A fechar uma referência importante à reflexão de Rui Ramos sobre o facto de a Jihad continuar a atrair muçulmanos nascidos na Europa Ocidental ou mesmo nos Estados Unidos, como era o caso de Omar Mateen. No Observador, em Jihadi cool, ele defende que para este tipo de extremistas “a guerra santa não é a experiência religiosa da tradição, mas a possibilidade de encarnar o matador do jogo de vídeo, o vilão do filme de super-heróis, o mauzão do gangsta rap. A jihad proporciona-lhes selfies imponentes, e não é por acaso que os jihadistas ocidentais deixam rastos tão grandes nas redes sociais.” Daí a sua sugestão: “Como se combate o jihadi cool? Não é argumentando: é privando-o de coolness. É associando o jihadismo à impotência e à futilidade. Por isso, a sua derrota militar é fundamental.”
Depois de Orlando, temos mais motivos de preocupação. Pelo que aconteceu e pelo que não vai acontecer, tal o conflito de visões e interpretações. Possam também os leitores do Macroscópio ler e reflectir.
Até amanhã.
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