sábado, 3 de novembro de 2018

Macroscópio – E agora o que será da Europa sem a sua “Mutti”? (tradução: mãe em alemão, ou seja, Angela Merkel)

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Absorvidos que estivemos com as eleições brasileiras, e com o chuveirinho de pequenas novidades relativas aos Orçamento de Estado de 2019 que nem chegaram a causar comoção de maior, acabámos por dar pouca atenção ao fim de uma era – a de Angela Merkel. Bem sei que a chanceler que os alemães tratam muitas vezes por “mutti” (mãe) ainda continua como chanceler e quer permanecer no lugar até 2021. Para já só sai da liderança do seu partido, a CDU, depois de mais um desaire eleitoral, agora no Hesse, um dos estados mais ricos e prósperos da Alemanha. Para procurar compensar esse défice de atenção reuni neste Macroscópio alguns textos que ajudam a enquadrar esta saída de cena e a ter uma ideia do vazio que se cria no coração da União Europeia. 
 
Começando pela informação essencial, ela foi bem sintetizada por Cátio Bruno num especial do Observador, O fim de uma era. Há vida depois de Merkel?Nesse texto explicam-se não só as circunstâncias da sua saída como se apresentam de forma breve os três candidatos que se perfilam à sucessão. Isto para além de se introduzir o problema europeu: “Uma Alemanha pós-Merkel, com nova ida às urnas, é um cenário totalmente imprevisível. E se a chanceler pode deixar assim o país à deriva, também a Europa pode ficar um pouco perdida. Com Emmanuel Macron a registar índices de impopularidade recorde, o eixo franco-alemão da UE fica desgastado e empurra quaisquer decisões de monta para mais tarde. “Nada irá acontecer até ao final do ano e provavelmente nada irá acontecer até às eleições europeias”, prevê Rappolt. “Há um risco de paralisia a nível europeu.”
 
A questão europeia é precisamente aquela de que se ocupou Teresa de Sousa numa análise no Público, A Europa arrisca-se a mais um compasso de espera, onde recorda a forma como geriu as diferentes crises europeias e como o Velho Continente se foi habituando a ela. Sendo assim, agora “Merkel deixa um vazio de liderança que será muito difícil de preencher. Num quadro em que a Europa não tem aliados na defesa de uma ordem internacional assente na cooperação e no multilateralismo e em que o Presidente dos Estados Unidos, pela primeira vez desde a II Guerra, não mexerá um dedo para preservar a integração europeia.” 
 
Finalmente, no seu registo entre o informativo e o analítico, a The Economist desta semana, em This is the end, depois de recapitular como se chegou a esta situação, especula sobre a possibilidade da chanceler cumprir o seu mandato até ao fim: “Can Mrs Merkel carry on? That depends on whether she can work with the cdu’s next party leader, and whether her spd coalition partners can—unlikely if the new cdu party leader is a right-winger. Meanwhile, outside Germany liberals are already mourning the upcoming loss of the “leader of the free world”—never a title she liked. Germany’s foreign policy is more than just one person. But as a seasoned negotiator able to bang heads together, Mrs Merkel will be greatly missed.”
 
Outro texto interessante, quer pelo balanço que faz ao longo reinado da chanceler, quer pelas previsões que arrisca, é o Josef Joffe no Politico, The long, painful end of Angela Merkel. Nele se deixa uma nota pessimista sobre a possibilidade de se manter no poder até 2021: “Whenever the lead wolf is as wounded as is Merkel, the pack will sniff out opportunities to pounce. They might bring her down tomorrow or at the party convention in December. Or she might survive against the odds until 2021. Either way, the age of Merkel is over. Like her towering Christian Democratic predecessors, Konrad Adenauer and Helmut Kohl, she has stayed on too long, missing that magic moment when she could have walked offstage in a blaze of glory. Now, she will slink off amid the mendacious accolades of those who once feted or feared her.”

                                                               ©Financial Times
 
Esta ideia de que mesmo a mulher que tinha sempre dito que gostava de sair sem ser em desgraça não conseguiu evitar um fim relativamente triste também está bem presente na análise de Philip Stephensno Financial Times, Angela Merkel’s departure will not salve Germany’s angst: “Things end badly when politicians overstay their welcome. It happened to Ms Merkel’s predecessors Konrad Adenauer and Helmut Kohl. Her decision to surrender the party leadership in December is an admission that 13 years as chancellor has been too long, as well as an effort to depart with dignity. Her intention to remain as chancellor until 2021 looks like one of those things leaders feel they have to say but do not really believe. If the centre-right CDU and CSU have taken a battering, support for their Social Democratic party partners in the grand coalition is in freefall.” 
 
Mas a parte que me pareceu mais original nesta análise foi o paralelo que nele se estabelece com o Reino Unido do final da década de 1950, quando Harold Macmillan disse que nunca as coisas tinham estado tão bem, uma frase que se lhe colou e à sua derrota política, quando na verdade ele tinha acrescentado que, se as coisas nunca tinham estado tão bem – o que era verdade –, a opinião pública receava que essa situação não fosse sustentável. De certa forma o mesmo se passará hoje na rica e próspera Alemanha, defende Philip Stephens: “Too good to last. Success suffused with doubt. Macmillan would have recognised Germany’s present temper. The other day I heard an elder statesman remark that the country had never been so prosperous. And yet. Chancellor Angela Merkel’s coalition was unloved, the public mood was fractious and politics was splintering. Germans struggled to recognise their good fortune.”
 
                                                                    ©Spectator

Mas se esta análise é generosa no que se refere ao balanço dos anos Merkel, há quem seja bastante crítico, e olhando para o seu legado com lentes bem diversas, É o caso de Douglas Murray, da Spectator, que em Angela Merkel is on her way out – and so is her vision for the EU se distancia muito criticamente do europeísmo da chanceler: “Today there is simply no one on the scene capable of acting as the queen or emperor of that project, as Merkel has done for the past decade. That is due, in no small part, to the decisions she took and the hardness and hubris with which she acted when she held the most powerful position in Europe. The Merkel project had created a EU that had unachievable ambitions, seeking to govern countries with long histories of independence, and was fundamentally un-European in that it sought to impose uniformity upon the most gloriously diverse set of countries on earth.”
 
No polo oposto encontramos analistas como Jan-Werner Mueller (auto do livro “O que é o populismo?”), que na Foreign Policy, em Angela Merkel Failed, defende que “The German chancellor survived by avoiding politics whenever possible—and history won't judge her kindly for it.” Eis uma passagem substantiva do seu argumento: “As the German political scientist Philip Manow has argued, she was less a chancellor with a strong party behind her than a president, or sometimes even something like a civil servant-in-chief, floating above parties in an era when a succession of crises—starting with the financial crisis—made concentration of power in the executive more legitimate. Contrary to the cliche that strong political leaders must be charismatic, she often appeared passive or even impersonal. She once suggested to German citizens that they should re-elect her because, “You know me.” In actual fact, most Germans will feel precisely the opposite: They see Merkel as an eminently reliable and highly analytical civil servant, but not as a politician who has ever systematically staked out a vision for the country.
 
Contudo, mesmo enfraquecida e mesmo tendo estas características, entre os europeístas há quem veja no desligamento entre o papel de chanceler e as responsabilidades de líder da CDU uma oportunidade para completar certas reformas mais federalistas que têm encontrado resistência na opinião pública alemã. É pelo menos isso que defende Matthew Karnitschnig em Why Europe still needs Merkel: “Some observers believe Merkel, once absolved of her party obligations, will have a freer hand to finally cut a deal with French President Emmanuel Macron on a banking union, including the contentious issue of deposit insurance. The two agreed to a road map over the summer during a meeting at the chancellor’s official country residence, Meseberg, but little has happened since. Even if Merkel (or her successor as chancellor) would find it difficult to push the reforms through the German parliament, she could make a strong statement by going ahead anyway, betting that by the time the measures come up for a vote the political constellation will have changed.”\

 
Claro está que muito dependerá de quem for o próximo líder da CDU, valendo a pena conhecer melhor aquele que no passado foi um dos principais rivais de Merkel e agora está a tentar regressar: Friedrich Merz. Há uma boa descrição deste político no Financial Times, em  Merkel rival attempts political comeback with CDU leadership bid, um texto onde se defende que, se ele triunfar, pode realmente implicar uma guinada na orientação do maior partido alemão: “If he does, it could mark a turning point for one of Europe’s most successful right-of-centre parties. A conservative with strong views on immigration and national identity, Mr Merz could pull the CDU in a new direction, with big implications for domestic politics and Germany’s role in Europe.” Ou seja, “A Merz victory would trigger a political earthquake in Berlin.”
 
Não sei até que ponto isso sucederá uma vez que Friedrich Merz é um dos primeiros subscritores de um manifesto publicado no Handelsblatt, We are deeply concerned about the future of Europe and Germany, manifesto esse que pelo seu conteúdo (“As nationalism threatens the European peace project, six leading German thinkers penned an open letter on how to save it.”) e pelos outros primeiros subscritores (um antigo ministro das finanças, Hans Eichel, o filósofo Jürgen Habermas, um antigo líder do estado do Hesse, o economisto chefe do Handelsblatt, Bert Rürup e uma antiga ministra da justiça e da economia, Brigitte Zypries), parece completamente mainstream (mais informação aqui: europa-jetzt@gmx.de.).
 
Antes de fechar apenas uma nota para referir que se o resultado da CDU no Hesse foi mau, o do SPD foi porventura pior, mas como nos conta o mesmo Handelsblatt e, After Hesse, a gloomy outlook for Germany’s SPD, os sociais-democratas parecem presos numa armadilha politica sem escapatória fácil: “Ms. Nahles remains marked by her leftist Jusos background. But she is leading an SPD permanently compromised by its long years in a grand coalition with Ms. Merkel’s Christian Democrats, while her own centralizing tendency hasn’t helped. While some CDU members complain about the chancellor’s turning their party into Social Democrats, it is the SPD that has lost the most in this process.”
 
Seja lá como for não deixa de ser paradoxal que tantos que tanto criticaram a chanceler chorem hoje pela sua partida, e que aquela que agora é popular no estrangeiro se tenha tornado impopular no seu próprio país. Assim se acrescenta um pouco mais de incerteza aos mundo em que vivemos, pelo que só posso desejarmos bom fim-de-semana, com descanso e boas leituras. 

 
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