Desta vez as sondagens não se enganaram e não houver surpresas. Os democratas conquistaram mesmo a Câmara dos Representantes e aumentaram o número de governadores. Os republicanos conservaram o Senado onde, em princípio, também terão reforçado a sua maioria. O que significa um quadro novo para a América, que o Presidente Trump terá de governar na segunda metade do seu mandato enfrentando uma maioria hostil na câmara baixa do Congresso, a responsável pela iniciativa legislativa (uma viragem que mesmo assim não o impediu de demitir logo no dia seguinte o procurador-geral Jeff Sessions...). Uma vitória da democracia? Um país dividido? Um governo bloqueado? Houve leituras para todos os gostos, assim como interessantes antecipações do que poderá ser a corrida presidencial de 2020 se Trump se recandidatar. Nesta newsletter não vou alongar-me muito, pois é imenso o oceano de artigos que poderia recomendar, apenas deixar-vos algumas pistas para terem a informação fundamental (caso ainda não a tenham) e meia dúzia de leitura mais originais.
Relativamente aos resultados das eleições intercalares de terça-feira, Cátia Bruno resumiu bem, no Observador, em O travo amargo da vitória democrata, por que razão ninguém pode gritar vitória a plenos pulmões: “Afinal de contas, o resultado pode, de facto, ser encarado como uma vitória para Trump e para os republicanos ou nem por isso? Bom, tudo depende das lentes que se colocam. A História das intercalares mostra-nos que alguns Presidentes tiveram derrotas pesadas, como Ronald Reagan em 1986, quando perdeu o controlo do Senado para os democratas (a Câmara dos Representantes já era azul a essa altura). Bill Clinton, em 1994, foi ainda mais esmagado, numa eleição que ficou conhecida como a “Revolução Republicana”, devido à perda de controlo dos democratas das duas câmaras. Por outro lado, em 2002, George W. Bush viu o seu partido aumentar o número de representantes e senadores, podendo assim cantar vitória. Desta vez, nada é assim tão óbvio. Mas uma coisa é inegável: apesar de tudo, Trump já não terá a vida tão facilitada para governar. O que não invalida outro ponto: o de que a “onda azul” democrata que alguns previam também não se confirmou.”
Ainda sobre o que se destacou naquela noite eleitoral, João de Almeida Dias contou-nos em Mulheres, gays, negros: as vitórias históricas como entrou para o Congresso gente que habitualmente era inelegível. Já Rita Dinis, e continuo no Observador, sintetizou em "Um grande dia para democracia"? Os editoriais dos três principais diários dos Estados Unidos, o New York Times (os democratas têm “a oportunidade de mostrar que há uma maneira melhor de legislar que não seja reduzir impostos para os mais ricos e ameaçar todos os outros” — mas para o conseguirem têm de “saber escolher as suas batalhas políticas”), o Washington Post (que considerou “agora, o sistema constitucional tem uma nova hipótese de funcionar da forma exata em que foi pensado”, com um poder legislativo de cor diferente do poder legislativo, favorecendo os freios e contrapesos imaginados pelos autores da Constituição) e o Wall Street Journal (não foi a “onda azul” que podia ter sido, mas as perdas do partido republicano foram ondulação bastante para “frustrar a presidência de Trump”).
A terminar este bloco mais informativo um conjunto de mapas que permitem ver “várias Américas” e que foi preparado pela BBC – US mid-term election results 2018: Maps, charts and analysis–, mas que também tem um gráfico muito revelador sobre a queda da abstenção, ou o aumento da participação eleitoral, gráfico que reproduzo acima. Foi o melhor resultado numas intercalares de 1970, o que é impressionante e mostra como os eleitores se mobilizaram e, ao contrário de algumas previsões, não desistiram da democracia.
Passando agora à análise peço desculpa pela imodéstia mas não posso deixar de começar por recomendar, dos órgãos de informação portugueses, o mais recente episódio do Conversas à Quinta, a troca de impressões semanal entre Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto que eu modero no Observador. Em Como fica a América de Trump depois da vitória dos democratas? faz-se uma leitura muito informada dos resultados e do seu significado, antecipa-se a forma como tanto democratas como republicanos poderão lidar com eles e traçam-se vários cenários para o que poderá vir a ser a estratégia de Trump agora que tem pela frente uma Câmara dos Representantes dominada pela oposição democrata. Repito, sem modéstia: vale mesmo a pena ouvir (no site, no Facebook ou em podcast).
Nos jornais portugueses referência ainda a Jorge Almeida Fernandes que, no Público, em Trump e as duas Américas, destaca que “a radicalização foi uma armadilha para os democratas. É Trump quem melhor sabe explorar a polarização”. E acrescenta: “aradicalização política agrava a polarização social. Um inquérito do Pew Research Center, de Novembro de 2017, revela a intensidade da radicalização das elites dos dois partidos. As suas “vanguardas”, os militantes mais fiéis e influentes, vêm ambas do topo da pirâmide social, da elite social e cultural americana. E são quem mais fortemente recusa a coexistência com “o outro”.
Este texto dá-me passagem para a primeira referência que seleccionei da imprensa norte-americana, o texto de Bret Stephens no New York Times, The Midterm Results Are a Warning to the Democrats, e que aborda precisamente os limites da vitória dos democratas: “The 28-seat swing that gave Democrats control of the House wasn’t even half the 63 seats Republicans won in 2010. Yet even that shellacking (to use Barack Obama’s word) did nothing to help Mitt Romney’s chances two years later.” Ou seja, a vitória republicana em 2010 não abriu o caminho a uma vitória republicana em 2012, pelo que uma vitória democrata em 2018 não abre necessariamente o caminho a uma vitória democrata em 2020: “Intellectual honesty ought to compel us to admit that we achieved precisely the opposite of what we intended. Trumpism is more entrenched today than ever. The result of the midterms means, if nothing else, that the president survived his first major political test more than adequately. And unless Democrats change, he should be seen as the odds-on favorite to win in 2020. To repeat: I’d hate to see that happen. I want Trump, and Trumpism, to lose. But if the Resistance party doesn’t find a way to become a shrewder, humbler opposition party, that’s not going to happen. The day Democrats take charge in the House would be a good opportunity to stop manning imaginary barricades, and start building real bridges to the other America.”
Este é um tema desenvolvido por inúmeros analistas, de perspectivas muito diferentes, umas mais políticas como a que citei acima, outras mais centradas nas matemáticas eleitorais e nas contas do colégio eleitoral que elege o Presidente, tema de que ocupa o estatista Nate Silver em The 2018 Map Looked A Lot Like 2012 … And That Got Me Thinking About 2020, no seu FiveThirthyEigth. Olhando para os estados que Hillary perdeu, e para os estados onde agora os democratas chegaram à frente, ele nota que pode haver duas estratégias diferentes para ganhar em 2020, não obrigatoriamente compagináveis:“What is clear, though, is the importance of Pennsylvania, Wisconsin and Michigan (although you could also add Minnesota to the mix). Win all three of them — let’s call them the Northern Path — and Democrats don’t need Florida, assuming that they hold the other states. Lose all three, and even Florida wouldn’t be enough. Instead, they’d have to win Florida plus at least one of North Carolina, Arizona, Texas and Georgia as part of what you might call a Sun Belt Strategy.” Ou seja, “Getting stuck in between the Northern Path and the Sun Belt Strategy is a big risk for Democrats: where their Electoral College problems become most acute.”
É interessante também ver como um estratega político reconhecido, o republicano Karl Rove, o homem que ajudou a eleger George W. Bush, considera que esta eleição mostra que os dois partidos têm sérios problemas a resolver. No Wall Street Journal, em Both Parties Win—and Lose, escreve que “Both parties end this midterm with big problems to work on. For Democrats, left-wing policy nostrums not only cost them winnable races but also hardened feelings among middle-class voters that today’s Democratic Party—of Bernie, Elizabeth and Alexandria—isn’t for them. Similarly, Republican complacency about defections among college-educated suburbanites, particularly women, and independents’ first-in-a-decade decision not to vote Republican in a midterm could consign the GOP to a long period in the political wilderness if it isn’t careful.”
Duas notas ainda, uma para 5 Midterm Lessons for American Democracy, a newsletter do New York Times The Interpreter, de Max Fisher e Amanda Taub, e que são, respectivamente, as seguintes:
1.The U.S. avoided a legitimacy crisis, which was a real risk
2.The risk of future legitimacy crises may have grown
3.Social polarization is likely to get worse
4.The Latin Americanization of U.S. democracy may slow in some ways, accelerate in others
5.Mostly good, if mixed, signals for global democracy
Do último ponto destaco esta passagem, para dar um toque de optimismo: “The electoral system more or less worked, which is good in that a major democratic failure in the United States would’ve sapped faith in democracy and given something of a green light to populists and nationalists seeking to roll things back incrementally . (...) For now, the peaceful passing of yet another American election might provide a small but much-needed bit of encouragement to beleaguered democracies everywhere.”
©The Economist
A outra referência é para o editorial da The Economist e é menos oprimista, pois para aquela revista The mid-terms produce a divided government for a divided country. Mais concretamente “A recipe for gridlock, poor governance and disenchantment with the political system”. O bloqueio actual poderá mesmo perdurar por muito tempo,não apenas até às próximas eleições de 2020, o que não é bom: “This equilibrium may be stable, but it is damaging for the country and for both parties. For the Republicans, the danger is a long-term one. For now, they hold the White House and have an increased majority in the Senate. But in a two-party system, a party that prevails while consistently failing to capture a majority of votes will one day find it is no longer seen as exercising power legitimately by a majority of voters. For the Democrats, the challenge is immediate. They may rail against a system that disadvantages them in structural ways, but cannot change that system until they can work out how to win within it. Running up vast vote shares in New York and California is all very well, but on its own will not deliver a governing majority. What is the way out of this impasse? The main onus is now on the Democrats. For their own good, not to mention the country’s, they have to find ways to appeal in America’s heartland.”
Podia ficar por aqui, e sobre as eleições intercalares americanas nada mais acrescento por hoje. Mas como vamos de fim-de-semana queria recomendar-vos um texto interessante e surpreendente, da The Atlantic: The Real Lesson of My Debate With Steve Bannon, de David Frum. O que se passou é que aquele colunista aceitou debater com o estratega da campanha de Trump num encontro em Toronto, este foi objecto de vários boicotes mas acabou por se realizar, o debate foi vivo e o resultado final digamos que surpreendente, mas não vou antecipá-lo. Vale a pena ler a descrição e a defesa que David Frum faz do debate aberto de ideias: “Integral to the liberal project, again in the broad sense of the word liberal, is confidence in the power of reason. Words and arguments can overbear ignorance and prejudice. Over the long term, words and arguments can even overcome oppression and violence. That’s why liberals in the broad sense are so uniquely horrified by official lying: How can reason prevail unless words connect to reality? How can we argue against people who will spread fictions, if serviceable to them, without a qualm? Illiberals and anti-liberals, on the other hand, appreciate the dark energy of human irrationality—not merely as a fact of our nature to be negotiated, but as a potent political resource. People do not think; they feel. They do not believe what is true; they regard as true that which they wish to believe. A lie that affirms us will gain more credence than a truth that challenges us.”
Como leitura complementar podem também encontar na The Tablet o relato de David Weitzner, sintomaticamente intitulado I Chose to Spend Shabbat With Steve Bannon. Isto porque ele foi a esse debate precisamente por achar que se deve combater Bannon com ideias e palavras e não com boicotes: “Theirs was a left-wing populism that sought to force me to choose between my identity and agency as a Jewish person and grandchild of Holocaust survivors and my belief in the power of debate. I needed to be in that particular room on this particular night for the cathartic release of seeing a fellow Jew look someone as powerful and dangerous as Bannon directly in the eyes, reference the upcoming 80thanniversary of Kristallnacht and affirm a liberal morality. Perhaps we take it for granted now but Jews have not always had this power in the face of illiberal threats.”
Como parece que vem aí vento e chuva, abriguem-se, agasalhem-se, tenham as melhores as leituras e o melhor dos fins de semana. E não se esqueçam de celebrar o São Martinho no domingo.
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