Fazer jornalismo que informe sem
desvirtuar ou destruir a verdade dos factos, mas sobretudo fazer jornalismo que
ajude a cultivar, formar e enriquecer a inteligência humana é tarefa difícil
que obriga a uma reflexão contínua, a um debruçar permanente sobre os
acontecimentos diários, sabendo tirar deles as conclusões essenciais e lições
decorrentes.
O jornalismo de ideias exige uma crítica
sensata e lúcida daquilo que observamos, sem esquecer a exigência duma autocrítica severa e constante que castigue a desonestidade, a injustiça, os preconceitos falsos ou absurdos que para aí pululam. Fazer jornalismo sério e
construtivo exige o inconformismo de levantar a voz para combater, quando a
verdade o exigir, uma obediência servil a homens, ideias ou escola, de combater
factores que uma sociedade gasta, incapaz e enferma.
Um
jornalista sério não pode adoptar uma posição de conformismo, um alheamento ao
fluir dos acontecimentos, que directa ou indirectamente atinge a elevação ou
decadência moral e social da humanidade.
O jornalista de ideias tem de viver
intensamente os acontecimentos, dar-lhes alma e a sua carne, libertar-se do
mundo dos lugares comuns e fugir à posição cómoda do neutralismo, que não faz
ondas para não criar problemas.
O jornalista sério deve subestimar ou
até desprezar as efemérides tentadoras e sensacionais, cujo conhecimento de
nada serve ou até prejudica, para buscar o âmago dos problemas válidos, motivos
de interesse e de actuação do espírito, deve procurar dignificar o jornal onde
exerce um posto de vigia como intérprete e interventor consciente.
O jornalista deve ser um educador, e
educar não é agitar paixões, não é alimentar uma morbidez que existe assolapada
no íntimo da alma humana; é levar o homem menos lido, cujo padrão de cultura é
muitas vezes apenas o seu jornal, a estruturar uma orgânica mental em que venha
ao de cima a supremacia dum raciocínio equilibrado. Perante uma imensidade de
asserções e suas consequências decorrentes, inspiradas tantas vezes pelos mais
altos sentimentos ou pelas mais sórdidas intenções, o jornalista terá de emitir
os seus juízos de valor, desprendido de simpatias pessoais ou de inimizades
irredutíveis, terá de recalcar os seus impulsos ou as suas inclinações
preferidas. Os seus juízos de valor serão a norma que milhares de pessoas irão
adoptar, entregues a uma preguiça mental que os leva a raciocinar pela cabeça
dos outros, sobretudo que admitem e aceitam tudo o que se diz e escreve no seu
jornal.
Eis por que reputamos a profissão de jornalista
como uma das mais sérias e relevantes na vida humana. Mas nem tudo são rosas
nesta profissão tão sedutora. Não se nasce jornalista. Um bom jornalista não se
improvisa. Tem de sentir um fogo sagrado a correr nas veias. Tem de saber
ensinar algo ao sábio e ser compreendido pelo ignorante. Necessita duma
preparação adequada ao seu difícil múnus. Escrever num jornal é uma arte e, por
vezes, também será uma ciência. O jornalista tem de ser profundo nos
conhecimentos de ordem geral, na humanidade, na dedicação, no colectivismo, no espírito de sacrifício, no exemplo da sua vida quotidiana porque o jornal é um
homem público.
Todos têm os olhos postos nele sem que
ele se aperceba. Eu diria até que o jornalismo é uma espécie de sacerdócio na
medida em que exige uma mística de combate, um elevado espírito de sacrifício e
uma disponibilidade sem reservas, já que o jornalista não tem calendário, nem
relógio, nem domingo ou dia santificado. Às vezes, nem tempo para ver crescer
os filhos ou para lhes fazer uma carícia mais demorada. É um autêntico
contra-relógio sem calendário a sua vida.
Ora, uma profissão assim que exige tanto
dos seus membros e tamanha repercussão tem na vida dos povos, ainda não foi
encarada entre nós com aquele sentido de justiça e espírito de interesse que
ela bem merece.
A Universidade portuguesa ainda não
abriu a porta aos jornalistas formados na escola da vida, mas os jornais é que
estão a estender a mão aos universitários que manifestam interesse por esta
apaixonante carreira.
A França, neste campo, leva uns cem anos
de avanço sobre nós. A Escola Superior de Jornalismo de Paris foi fundada em
1899. A nossa vizinha Espanha possui já algumas Escolas de Jornalismo, há mais
de meio século. Precisamos dum jornalismo remoçado, pleno de entusiasmo, de experiência vivida no terreno, do sentido do pertinente, do útil e do construtivo, pleno de actualidade e frescura psicológica.
Paul Bourget falou, um dia, no sagrado
dom de escrever. Ninguém como o jornalista tem de pôr ao serviço da comunidade
humana este sagrado dom.
Segundo Chifley, um bom artigo é o que
ensina alguma coisa ao mais sábio e que é compreendido pelo mais ignorante.
O bom jornalista tem de ter poder de
criação e possuir espírito de observação e imaginação. Tem de conhecer e depois
realizar, mas realizar escrevendo nem para todos, com entusiasmo e vivacidade.
Ser jornalista por devoção é uma das
mais belas carreiras da humanidade. Dialogar diariamente com milhares de almas
e, na verdade, um prazer, mas é também um prazer que tem os seus riscos. O
genuíno jornalista, faz todos os dias um exame perante o júri mais exigente: a
massa heterogénea de uma multidão ledora que é feita de reacções as mais
diversas.
Dêmos ao jornalista as condições
necessárias para manter quotidianamente o seu diálogo franco, aberto, útil e
construtivo com os homens e a vida.
Assim dentro desta visão teremos um
jornalismo a sério, que pressupõe e exige uma preparação não menos séria e a
observância escrupulosa dum código de deontologia que, se não passa do papel, deveria
existir na consciência de cada um que se preze de ser tratado como tal,
incluindo aqueles cuja designação lhes é atribuída como colaboradores, os quais
não estão isentos de responsabilidades integrais.
J. Carlos
(Jornalista)
Obs: O presente artigo foi publicado no
jornal Diário de Aveiro na edição datada do dia 29/12/2001. É transcrito e
postado sem qualquer alteração de conteúdo. O jornalismo que se pratica hoje, é
um jornalismo distante, preconceituoso, promiscuo, amarrado a interesses com ligações
ao puro capital.
Com mais de 26 anos de jornalista, não
me revejo nesta espécie de jornalismo que hoje nos é oferecido, principal razão
da perda brutal de leitores, incluindo aqueles que nunca dispensavam o seu
jornal logo pela manhã cedo, o qual lhe fazia companhia ao tomar um café.
Desvaneceu-se esse hábito salutar.
A liberdade de imprensa é um dos grandes
baluartes da liberdade e da democracia e nunca, mas, nunca deve ser restringida
por forças ou governos despóticas, como temos vindo a assistir por este mundo
fora. Quem elimina fisicamente jornalistas ou bloqueia a missão de informar,
não é a favor da liberdade nem da democracia, ainda que diga que sim.
O jornalista tem que saber ouvir. «Se a
dignidade humana significa alguma coisa para você – escreve Donald Laird –
então, ouça os seres humanos, porque ouvindo-os, você cumprimenta-os e faz com que
se sintam importantes».
Já pensaram em que, vivendo nós num
mundo de sons, as pessoas não se ouvem umas às outras?
editorlitoralcentro@gmail.com
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