Pode acontecer. A meteorologia diz que há uma ténue possibilidade de nevar lá para as bandas onde vivo, algo que é raro, muito raro. Mas, repito, pode acontecer. Tal como pode acontecer que, na madrugada de domingo para segunda aconteça algo que até hoje nunca aconteceu: Leonardo DiCaprio levantar-se para receber um Óscar. É essa a expectativa. Tão grande que, na sua previsão de quem pode ganhar e perder na grande noite de Hollywood, a The Atlantic escreve que “If DiCaprio leaves the Dolby Theater empty-handed, it will be an upset on the level of … well, I was going to say Donald Trump winning the presidency, but the latter is, alas, considerably more likely at this point.”
Quem já viu The Revenant/O Renascido compreende facilmente porque razão este filme surge à cabeça da lista dos favoritos no que toca a levar mais estatuetas para casa. E até entende como uma representação em que passa boa parte do tempo deitado no chão ou a arrastar-se pode dar a DiCaprio o Óscar que há tantos anos persegue. Mas pode sempre haver surpresas pelo que, mesmo querendo crer que a maioria dos leitores não ficará acordado toda a seguir para seguir a cerimónia, pode ao menos estar melhor preparado para entender o palmarés deste ano. Por isso seleccionei para o Macroscópio de hoje alguns textos que ou discutem quem é ou não favorito, ou apresentam alguns dos protagonistas da noite, ou ainda contam algumas histórias curiosas sobre a noite dos prémios da Academia, os mais desejados da indústria cinematográfica.
Comecemos precisamente por The Revenant. Será que merece mesmo ser eleito o melhor filme, o seu realizador, Alejandro G. Iñárittu, levar também a estatueta, o mesmo sucedendo com o seu protagonista, DiCaprio? O Wall Street Journal procura responder a essa questão num estimulante texto, The Debate Over the Best Picture Oscar, onde sintetiza assim o dilema deste ano: “If this year’s Oscar for best picture boils down to the most impressive movie vs. the most important one, many say it will be a contest between ‘The Revenant’ and ‘Spotlight’” O primeiro, escreve o WSJ, “a revenge tale set in the 19th-century wilderness, has been recognized as much for its epic nine months of shooting in freezing conditions as the intensity of star Leonardo DiCaprio’s performance and the beauty of scenery shot in natural light”. É verdade. Só que, acrescenta-se a seguir, “if the Academy Awards are meant to reward films that explore important social issues—“12 Years a Slave” or “Crash”—the top prize may go to “Spotlight,” about the Boston Globe’s investigation of sexual abuse by Catholic priests.” O que também é verdade.
Estes dois filmes estão neste momento em exibição nos cinemas portugueses, pelo que os leitores poderão querer formar a sua própria opinião – sendo que, creio, não darão o seu tempo por perdido escolham um ou o outro.
De resto o New York Times, em And the Winners Will Be…também considera que estes dois filmes são os principais favoritos, mas acrescenta um terceiro: The Big Short, que aborda os vícios de Wall Street nos anos que antecederam o grande colapso de 2007. Mesmo assim o seu vatícinio vai paraThe Revenant. Mas onde o grande jornal de Nova Iorque tem poucas dúvidas é que este será o ano de DiCaprio: “DiCaprio’s performance as the desperate, beleaguered frontiersman, Hugh Glass, in “The Revenant” has earned him prize after prize for months. Tales of how deeply Mr. DiCaprio suffered during production were repeated until they were worn threadbare, prompting Ms. Fey and Ms. Poehler to deliver a few barbs at the Screen Actors Guild Awards (where Mr. DiCaprio also won). No harm, no foul: There is little doubt that the six-time Academy Award nominee (five were for acting, one for producing) will at last land an Oscar on Sunday, 22 years after his first nomination (for “What’s Eating Gilbert Grape”)”.
(E já que estamos no New York Times sempre testar a sua cultura cinematográfica no que respeita a óscares respondendo às questões seleccionadas de Think You Know the Movies? Take Our Oscars Quiz. É sempre divertido…)
Aqui no Observador também se acredita no favoritismo de O Renascido, ou pelo menos entendeu-se que era boa altura para recordar filmes que, de uma forma ou outra, têm a mesma motivação deste. É isso mesmo que fez Bruno Vieira do Amaral em Vais pagá-las: introdução aos filmes de vingança, um texto onde se “recorda filmes perfeitos para nos reconciliar com o mundo e fazer acreditar na justiça, mesmo que seja a de Fafe”. Um dos filmes que se recorda é O Conde de Monte Cristo,baseado na obra de Alexandre Dumas, escrita no século XIX e que é “mãe de todas as histórias de vingança”. Bruno Vieira do Amaral não escolhe nenhuma das diferentes adaptações que essa obra já teve, mas sintetiza assim o segredo do fascínio de um romance eterno: “Apesar das muitas reviravoltas, do contexto histórico em que a ação decorre e dos enredos paralelos, a espinha dorsal da narrativa é bastante simples e aí reside a sua força e universalidade: três homens (Mondego, Danglars e Villefort) contribuem para a ruína de Edmond Dantès, acusando-o injustamente de um crime pelo qual ele é condenado a prisão perpétua no Chateau d’If. Note-se que a acusação é feita na véspera do casamento de Edmond com Mercédès, uma catalã nada independente. Será um companheiro de cárcere, o Abade Faria, a revelar-lhe a localização de um fabuloso tesouro. Dantès foge da prisão e, depois de encontrar o tesouro, assume uma nova identidade – o Conde de Monte-Cristo – para se vingar dos homens que o traíram. Por muito más que sejam as adaptações (…) ninguém resiste a ver os momentos em que o Conde, ao concretizar a vingança, revela a sua verdadeira identidade. Podemos ir todos para casa com a sensação do dever cumprido.”
Mas não vão já os leitores do Macroscópio para casa, pois há mais alguns textos que gostava de lhes referir. Alguns deles estão agregados no mini-site especial que o El Pais dedica aos óscares deste ano, nomeadamente um que retoma uma das discussões deste ano, a sobre a pouca representação de actores ou realizadores negros nas listas de premiados: El brillo del Oscar depende del color con el que se mire. Como aí se escreve, “En la Academia, el 93% de sus miembros son blancos y el 77% hombres. La polémica sigue levantando ampollas”. O Observador também se referiu a essa controvérsia, mas ao mesmo tempo recordámos uma outra história, a d’A filha de escravos que ganhou um Óscar. Tratou-se de Hattie McDaniel e levou a estatueta pela sua prestação num dos filmes mais premiados de sempre, E Tudo o Vento Levou. Mesmo assim, recordou Eurico de Barros, “Na cerimónia de entrega, McDaniel e o seu acompanhante tiveram que ficar numa mesa separada daquelas onde se sentavam os colegas e outros membros da indústria cinematográfica, mas foi a primeira negra a participar na mesma como convidada e não como criada.”
Da imprensa portuguesa gostava também de destacar a interessantíssima entrevista que saiu hoje no suplemento Ípsilon, do Público, com o húngaro László Nemes, o realizador deO Filho de Saul, um dos candidatos na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. É mais um filme sobre o Holocausto e “passa-se em Outubro de 1944 e mostra a história dos prisioneiros, essencialmente judeus, que eram destinados à sádica tarefa de “processar” os recém-chegados aos campos de extermínio: os Sonderkommando”. Em Vamos com ele para o inferno o realizador confessa que “O meu filme é muito diferente de uma história de sobrevivência como A Lista de Schindler, que é um filme muito bom, muito dramático, muito talentoso, quase épico. O meu filme não é acerca de sobrevivência, é sobre a realidade da morte. A sobrevivência é uma mentira. A sobrevivência era a excepção.”
A fechar, e mesmo correndo o risco de, ao insistir, estar a induzir os leitores em erro, voltar a The Revenant e a DiCaprio, para partilhar um dos argumentos do Guardian para titular'He's due': why this is Leonardo DiCaprio's year at the Oscars. Para isso cita Dan Jolin, features editor da revista Empire: “Every Oscar year, you tend to get people for whom there’s an overwhelming sense of it really, finally being their time. DiCaprio now seems to have matured to that point: this is his fourth nomination as leading man, and fifth as actor. There is also the value of the performance in The Revenant itself, which has a real ‘suffering for your art’ quality to it that tends to land well with the Academy in the acting categories, be that actors who put themselves through extreme physical transformations or, as in this case, throw themselves into extreme physical situations.”
Talvez agora os leitores já percebam melhor como um actor que passa grande parte do filme deitado no chão ou a arrastar-se e qual poucas vezes fala pode ganhar um óscar: é que o fez em condições limite e tendo de sofrer mesmo para conseguir transmitir o sofrimento do personagem que encarna - e que encarna até aos limites da resistência física.
Acabo por isso como comecei. Pode acontecer. É mesmo muito mais provável que aconteça do que, lá para as minhas bandas, caírem os tais “farrapos de neve” que IPMA anuncia. Mas vou estar duplamente atento: ao tempo frio e ao destino deste filme rodado em condições extremas de frio.
Reencontramo-nos na segunda-feira. Até lá, já sabem: na noite de domingo para segunda vamos estar em directo aqui no Observador, em live blog, seguindo ao minuto a longa noite dos óscares, para que fique a saber tudo, da lista dos premiados aos melhores (e piores) vestidos da passadeira vermelha.
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