Telejornais feitos à chuva em directo de uma aldeia em que as autoridades fazem buscas. Imagens de um local onde Pedro Dias poderá ter pernoitado e até fóruns de opinião sobre a fuga do homem mais procurado do país. As televisões estão em directo quase permanente desde que o suspeito de ter morto duas pessoas em Aguiar da Beira começou a fuga já lá vão 11 dias. Mas poderão os jornalistas estar a atrapalhar o trabalho dos investigadores? E de quem é a responsabilidade de isso acontecer?
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunnen, na passada quinta-feira, apontou baterias aos repórteres.
“Infelizmente, isto não é um ‘reality show’, e não pode ser tratado como tal. É preciso dar espaço para que as polícias trabalharem e, sobretudo, é preciso que não nos ponhamos a criar factores laterais, ideias de que há problemas de descoordenação. Não há problema rigorosamente nenhum”, explicitou.
À Renascença, Carlos Anjos, ex-inspector da Polícia Judiciária, chama a atenção que os tempos em que as forças de segurança investigam sem que os meios de comunicação estejam presentes acabaram. “É como as tecnologias, não vale a pena chorar a pensar no passado”, compara.
Numa sociedade mediática, os investigadores têm de contar com esse factor. Mas em Portugal isso continua a não acontecer, afirma. “Não há nenhuma estratégia de comunicação dos órgãos de polícia com os média no terreno. Por não haver informação, há meios de comunicação que vão dando informações da polícia e dizendo coisas certas e coisas erradas, e antecipando buscas e operações da polícia”, lembra.
E se o foragido tiver acesso a uma televisão “sabe por antecipação o que a polícia está a pensar”. O que, defende, “é um erro dramático”. O presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP), Paulo Rodrigues, também alerta para os perigos de fuga de informação que comprometem o trabalho no terreno.
Já Eduardo Dâmaso, director-adjunto da CMTV, assume que estes casos colocam sempre questões à acção da polícia e dos média. No caso de Aguiar da Beira, a estratégia das televisões, a de estar em directo quase permanente, “propicia erros”. A capacidade de verificação diminui, reconhece.
Apesar de mais expostos a falhas, Dâmaso defende que prefere uma sociedade “aberta, que leve informação às pessoas, do que uma sociedade fechada, que se resguarde numa lógica de autolimitações que matam a informação".
O director-adjunto da CMTV critica ainda as palavras da ministra (o "reality show") e não “compra” a tese de que é pelos jornalistas que a investigação não progride. “Há qualquer coisa de errado do lado das forças de segurança por omissão. Os jornalistas fazem o seu papel. Em Inglaterra e França, os espaços são delimitados e há locais dos quais não se podem fazer directos. E as regras são respeitadas nesses países”, garante.
Em Portugal, pelo contrário, “há muitas indefinições, muitas zonas cinzentas”. “Há um problema crónico na forma como as polícias não são capazes de comunicar correctamente e em tempo útil não só com os jornalistas, mas também com a população em geral. Este exemplo de Aguiar da Beira é de escola”, sublinha.
Os mesmos erros de sempre
Independentemente do funcionamento deste caso em concreto, ele pôs a nu, mais uma vez, que não existe uma comunicação centralizada nas forças de segurança, sobretudo em casos de maior gravidade e que despertam a atenção mediática.
“Era importante ter-se criado um centro de coordenação que pudesse fazer, como noutros países, que os jornalistas soubessem as informações que existem de duas em duas horas”, explica o presidente da ASPP, Paulo Rodrigues.
No terreno, a forte presença dos média parece estar a provocar um jogo do “gato e do rato” entre jornalistas e polícias. O “i” desta sexta-feira fala de uma acção inventada pelas forças de segurança em duas aldeias de Vila Real para despistar os repórteres das buscas em casas noutro local.
“Não me parece que isso seja eficaz. Resultou desta vez, mas na próxima pode não ser assim”, reage Paulo Rodrigues.
Carlos Anjos diz que a polícia nada aprende de uns casos para os outros. “Quando era presidente do sindicato da PJ comecei por defender que os órgãos de polícia e os tribunais tivessem um gabinete de imprensa que funcionasse enquanto tal. Não apenas alguém a ler comunicados”, defende o ex-PJ.
O antigo inspector defende que o problema de comunicação entre o sistema de justiça e os média tem mais problemas. “É impensável que os jornalistas continuem a esperar durante horas à porta de tribunais sem que se dê informações ou apenas se diz que ele fica em preventiva e no dia a seguir assistimos a um vilipendiar do segredo de justiça em que toda a gente tem fontes”, revela.
Eduardo Dâmaso sublinha que, na relação entre jornalistas e investigadores, os jornalistas devem ter como única preocupação os leitores. “Tirando as limitações de não fazer nada que ponha em risco a vida das pessoas, vivemos numa sociedade livre e democrática. Uma sociedade de informação e não vale a pena estar a insistir em práticas que levam a autocensura. Os jornais e as televisões estão a fazer o seu papel, levar informação às pessoas”, conclui.
O líder sindical da PSP concorda que, “não podendo impedir que os jornalistas façam o seu trabalho, as forças de segurança têm de contar com isso e estarem preparadas”.
O antigo investigador da PJ Carlos Anjos diz que não vale a pena que os políticos responsabilizem os órgãos de comunicação social pelos falhanços no terreno. “Não podemos dizer que a culpa de não prendermos é das televisões e dos média que não têm consciência social. A culpa é de quem devia liderar e não lidera e deixou que a situação ficasse sem rei nem roque”, remata.
rr.sapo.pt
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