Vilma Boto Pires, mãe de Rúben Cavaco, o jovem agredido em Ponte de
Sor, reage numa carta de três páginas, emotiva e crítica, à decisão do Iraque
de adiar a decisão sobre o levantamento de imunidade dos filhos do embaixador.
"Como toda a gente sabe,
designadamente os Governos de Portugal e do Iraque, o meu filho foi espancado
praticamente até à morte por dois jovens iraquianos, na sua terra e no seu
país, só não tendo morrido por milagre, apesar de ninguém ter dúvidas de que
era essa a vontade dos agressores.
Toda a gente reconhece que este é um dos crimes que não faz qualquer sentido
estar abrangido pela Convenção de Viena.
Apesar disso, o Governo do Iraque decidiu
não levantar a imunidade diplomática, dando cobertura e protecção àqueles que
cometeram um crime hediondo e tão selvagem em território português e contra um
jovem cidadão português.
Todos sabemos que, em consequência da
brutal agressão sofrido pelo meu filho, quer o Rúben, quer o Estado Português,
mais precisamente o Hospital Público de Santa Maria, têm direito, face à lei
portuguesa, a ser ressarciados pelos prejuízos sofridos.
Quanto ao Estado Português, soubemos esta
semana que ficou com o problema resolvido, uma vez que o Embaixador iraquiano
decidiu pagar extrajudicialmente a factura do Hospital de Santa Maria, sem
necessidade de o Hospital Público instaurar qualquer pedido de indemnização
civil contra os dois jovens iraquianos.
Quanto ao Rúben, teve o azar não só de
estar no local errado à hora errada como também de ter nascido português e,
como todos sabemos, os políticos portugueses só são bons para os estrangeiros.
Nem eu, nem o meu filho, assinámos a Convenção de Viena ou sabemos sequer o que
lá vem escrito.
Agora o que sabemos é que, se o Estado
Português assinou a Convenção de Viena, devia garantir a protecção e a
segurança dos cidadãos portugueses que vivem em Portugal contra aqueles que, ao
abrigo da Convenção de Viena, se deslocam livremente pelo território nacional
com o direito de agredir e matar livremente qualquer cidadão que se lhe atravesse
no caminho, impunemente e sem ter de prestar contas à justiça.
Várias foram as pessoas que, na
comunicação social, criticaram os pais dos jovens de Ponte de Sor por deixarem
os seus filhos, numa noite de verão do mês de Agosto, numa terra pacata onde
toda a gente se conhece, andarem na rua e frequentarem um café que fica a cem
metros das suas casas. No entanto, poucas foram as pessoas que criticaram os
pais dos dois jovens de 17 anos que espancaram barbaramente o meu filho, por
deixarem que os seus filhos menores, vivessem sozinhos e por sua conta a mais
de 150 Km de casa, com um carro diplomático nas mãos, para poderem ir para onde
querem e lhes apetece, sem qualquer controlo, nem vigilância, e com imunidade
diplomática, o que, num jovem de 17 anos, se não estiver vigiado, só pode dar
mau resultado, como deu.
Ainda acreditei, que o envio do ramo de
flores pelo senhor Embaixador do Iraque fosse a manifestação de algum sinal de
arrependimento.
Mas, pelos vistos, entendi mal o gesto.
E se não perdoo à Embaixada e ao Governo
do Iraque a cobertura que deram para que este crime ficasse impune, ainda
perdoarei menos ao Governo português se não mover céu e terra, designadamente,
na União Europeia e na Nato, para que se faça justiça!
Os portugueses não podem aceitar, depois
de o Governo do Iraque ter avalizado um crime tão barbaramente cometido por
dois jovens iraquianos com imunidade diplomática, em território português e
contra um jovem cidadão português, que o Governo português continue a manter
relações diplomáticas com o Iraque.
Com efeito, o que todos os portugueses
esperam é que perante a defesa da barbárie e da falta de sentido ético e de
justiça demonstrada pelo Governo Iraquiano, o Governo português responda com a
defesa intransigente do valor sagrado da justiça e dos direitos dos seus
cidadãos, sobretudo quando são vítimas de um crime tão bárbaro cometido em
território português.
Quanto à reparação dos danos que o meu
filho sofreu, eu apenas exijo que, tal como já aconteceu com o Hospital
Público, o meu filho seja indemnizado pelos danos que sofreu, nos termos da lei
portuguesa, caso os agressores não tivessem imunidade diplomática.
Mas, para que isso aconteça, apelo ao
apoio e à compreensão de todos os portugueses e da comunicação social
portuguesa para que não consinta que Governo português abandone à sua sorte o
meu filho, como sempre costuma fazer com os cidadãos portugueses quando estão
em jogo interesses estrangeiros.
Com a ajuda de Deus, o apoio dos
portugueses e da comunicação social, a justiça acabará por vencer!"
expresso.pt
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