sábado, 1 de abril de 2017

Macroscópio – Tempo de relaxar (mas ainda não por aquilo em que estão a pensar)

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Pois é. Ontem disse que hoje deveria ser dia de reunir informação e análises sobre o destino do Novo Banco, mas o anúncio tardio da decisão pelo Banco de Portugal e, depois, pelo primeiro-ministro fizeram com que isso não fosse possível. O que talvez nem seja mau, pois aproveito para recuperar um conjunto de sugestões soltas, sem grande ordem e reunidas apenas de acordo com o critério da sua qualidade. Talvez resulta mais agradável para o o fim de semana dos leitores do Macroscópio – até porque, de resto, não sei bem se a solução para o Novo Banco já permitiria relaxar. Talvez não, mas isso fica para depois. Vamos então às sugestões de hoje, muito variadas.
 
Trata-se de uma entrevista com o filho de Paula Rego, Nick Willing, que realizou um documentário marcante sobre a sua mãe. É uma conversa bem interessante, que revela muito sobre a personalidade da pintora e sobre como ela aceitou revelar-se. Deixo-vos, como aperitivo, apenas a última pergunta e a última resposta:
Foi fácil filmar a sua mãe?
O mais incrível é que passámos 18 meses – quase dois anos – a fazer o filme e ela permaneceu sempre muito focada e sagaz. Nunca cancelou uma sessão. Ao longo de quase um ano fui todos os sábados a casa dela para a entrevistar. Além disso passava dois ou três dias por semana no ateliê dela a filmá-la. Tive de deixar o meu trabalho na América e quase fui à falência. Mas fazer este filme foi a experiência mais fantástica da minha vida.
 
French fishermen hear Marine Le Pen’s siren call, uma reportagem de Kait Bolongaro no Politico, um retrato de como a líder da extrema-direita francesa está a encantar o eleitorado de uma vila piscatória. Nesta passagem alguém com um apelido que trai uma provável ascendência portuguesa dá uma explicação para o que está a suceder:
For Stéphane Pinto, vice president of the local chapter of the committees for maritime fisheries and fish farming, fishermen have been cast across the political spectrum like rag dolls. Promised jobs by an impassioned Nicolas Sarkozy in 2007, Pinto says many fishermen shifted their votes to the right. Then, François Hollande enticed some to return to their left-wing roots with “disappointing results.” “All our fishermen I speak to say the same thing: I am voting Le Pen or not at all. I honestly don’t know who I’ll vote for myself,” he said, his hands sunk in his pockets.
 

The Enduring Legacy of the Pocahontas Myth, um trabalho de Gregory D. Smithers na The Atlantic, uma evocação da princesa índia que muitos conhecem por causa de um filme da Disney mas que morreu fez agora 400 anos. Desta vez escolhi um extracto que corresponde ao arranque do texto:
On March 21, 1617, a 21-year-old woman from Virginia’s Pamunkey tribe died at Gravesend, England. She went by many names—Matoaka, Amonute, and, at her passing, Rebecca—but she’s best remembered today as Pocahontas. Her death was unexpected: Pocahontas had arrived in England the previous June and spent months touring the country, celebrated by the press as an “Indian princess.” Pocahontas’s tale of trans-Atlantic travel, her marriage to the Englishman John Rolfe, and her alleged conversion to Christianity became part of a compelling cultural narrative that helped promote white colonial interests, especially in the Virginia Company.
 
The true story behind the deadliest air disaster of all time, um texto do piloto Patrick Smith publicado no Telegraph e que, a propósito de um outro aniversário – a passagem de 40 anos sobre o 27 de Março de 1977, dia em dois Boeing 747 chocaram na pista de um aeroporto nas Canárias – para nos recordar, passo a passo, as circunstâncias do mais mortífero acidente de aviação de sempre. Leitura não recomendada a quem tiver medo de voar, se bem que o acidente se tivesse dado em terra e em circunstâncias que hoje não seriam possíveis. Do texto seleccionei o final, porque gosto especialmente da evocação da escada em caracol daqueles gigantes dos ares, mas de resto o relato lê-se de um fôlego, quase como um thriller:
On the thirtieth anniversary of the crash, a memorial was dedicated overlooking the Tenerife airport, honoring those who perished there. The sculpture is in the shape of a helix. “A spiral staircase,” the builders describe it. “[…] a symbol of infinity.” Maybe, but I’m disappointed that the more obvious physical symbolism is ignored: early model 747s, including both of those in the crash, were well known for the set of spiral stairs connecting their main and upper decks. In the minds of millions of international travellers, that stairway is something of a civil aviation icon. How evocative and poetically appropriate for the memorial – even if the designers weren’t thinking that way.
 
Russian Stalinist who invented Europe, uma história de Jacopo Barigazzi no Politico, um texto muito divertido porque recorda uma figura algo misteriosa, seguramente fascinante, e que foi um dos negociadores do Tratado de Roma, o tratado fundador da União Europeia: Alexandre Kojève. Só que, ao mesmo tempo que é tido como um dos arquitectos da Europa, isso não impede que a sua figura esteja rodeada por uma aura de mistério e até pela suspeita de que podia ser um espião russo. É uma acusação com que o grande pensador francês Raymond Aron nunca alinhou:
Raymond Aron wrote that Kojève was actually misunderstood — his exclamations was rather a continuous attempt to épater le bourgeoisto provoke and to rattle, and that he ultimately “served the French homeland freely, with a stainless loyalty.” As for why the philosophy professor decided to become a bureaucrat, Aron wrote that Kojève himself had given him an answer: “’I wanted to know how history is made.’”
 
Norman Podhoretz Still Picks Fights and Drops Names, uma reportagem de John Leland no New York Times sobre uma figura incontornável da vida intelectual da “Grande Maçã”, um judeu tonitruante e sem papas na língua que, antigo editor da revista conservadora Commentary, e que apesar de já ter mais de 90 anos continua a gostar de uma boa polémica com algum amigo, ex-amigo ou declarado inimigo. Um nova-iorquino assumido que não se imagina a viver noutra cidade mesma sabendo que, como conservador, é uma ave rara naquela cidade. Algo de que fala abertamente ao descrever o prédio onde vive e os vizinhos que não conhece:
“I know the doormen very well, but I don’t know the neighbors. Of course, most of the neighbors think I’m a fascist, so they’re perfectly happy not to know me. I think there are a few secret conservatives in the building. I call them Marranos. The Marranos were the Jews that converted to Christianity but continued to practice Judaism in the cellar. It was a dirty name. They’re the ones that smile at me in the elevator.”
 
The Dark Centennial Of The Russian Revolution, de Paul Berman na revista judaica Tablet, um curioso exercício de especulação sobre “What would have happened if the Mensheviks had come to power in Russia, instead of the Bolsheviks, 100 years ago?” A sua tese é que olhando para a comunidade russa de Nova Iorque se pode ter uma ideia:
What would have happened if the Mensheviks had come to power in Russia, instead of the Bolsheviks, 100 years ago? It is reasonable to ask. And there is a reasonable way to come up with an answer—a partial answer, perhaps, but genuinely an answer. The question is reasonable because in March 1917, when the czar was overthrown, the Mensheviks were probably the strongest political party in Russia, and the Bolsheviks were a tiny movement.
 

El arte en tiempos de corrección política, desta vez apenas uma notícia um pouco mais desenvolvida do El Pais que, a propósito da decisão do Parlamento das Canária de mandar tapar uns quadros sobre a rendição de nativos aos espanhóis se interroga sobre os excessos do politicamente correto. Ou seja, se faz algum sentido avaliar obras de arte do passado com base nos critérios políticos de hoje. A conclusão, ou recomendação, de um dos académicos consultados é quase cortante:
[El catedrático de Lógica y Filosofía de la Ciencia Jesús] Mosterín no se anda con tantos miramientos. “La mayor empresa de automóviles europea es Volkswagen, impulsada por los nazis. Si yo me compro un coche me importa un bledo si fue Hitler o el Papa quien le puso nombre. Me fijo en otras cosas”.
 
'Sometimes I laugh at this farce': six writers on life behind bars in Turkey é talvez a peça jornalística mais dura desta selecção, mas é ao mesmo tempo um alerta para o que se está a passar na Turquia e um conjunto de testemunhos pessoais com muita força. Eis uma passagem de um deles, o da escritora e jornalista Aslı Erdoğan:
I was in a solitary cell for five days, only allowed one hour in the courtyard. You could go crazy after a while. I spent 48 hours without water when I first arrived. I was in shock which worked a bit like an anaesthetic. The authorities try to make you not feel like a human being. Firstly it’s being behind bars, and when they come to talk to you they just open the lower hatch on the door. That’s how they give you bread too.
 
Ascensão dos robôs: até onde podem chegar as máquinas, para terminar como comecei, isto é, com um especial do Observador, este de José Carlos Fernandes que, a propósito de um livro recente – Martin Ford em Robôs: A ameaça de um futuro sem emprego (Bertrand, tradução de José Vale Roberto, 407 pg.) – revisita toda a história da automação, dos “homens de lata” à inteligência artificial, fazendo de forma informada e exaustiva. Mas não tranquilizadora:
Os custos do trabalho robótico industrial estão bem estudados e, embora variem consoante o ramo de actividade e as tarefas, são em média de 4-5 euros por hora, o que deixa os trabalhadores industriais humanos a grande distância, pois custam ao empregador entre 50 (na Alemanha) e 10 euros por hora (na China).
 
Esperando que algumas destas sugestões ajudem os leitores dos Macroscópio a relaxar, e a ilustrar-se, nas horas mais vagas deste fim-de-semana em que agora entramos, despeço-me com votos de bom descanso. 

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2017 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário