Pergunta — Desde o Concílio Vaticano II ouço muitas pessoas defendendo o diálogo inter-religioso e o ecumenismo. Como católico, posso ser contrário a essas posições? Creio que devemos respeitar todas as pessoas, mas não colocar a Igreja de Cristo em pé de igualdade com falsas religiões. Estou certo ou errado em pensar assim?
Resposta — A pergunta de nosso missivista apresenta-se muito pertinente e atual no que se refere ao ecumenismo, pois muitos leitores ficaram perplexos com a participação oficial da Igreja Católica em numerosos atos preparativos da comemoração do quinto centenário da rebelião de Lutero, e ouviram com estupor os elogios tecidos ao heresiarca por destacados membros da Hierarquia e até pelo próprio Papa Francisco.
Quanto ao diálogo inter-religioso, os fiéis já tinham ficado não pouco confundidos com as reiteradas condenações àquilo que o Pontífice chama desdenhosamente de “proselitismo”, enquanto num vídeo pedindo orações para esse diálogo inter-religioso ele afirmava (em janeiro de 2016) que muitos “procuram Deus e encontram Deus de diversas maneiras”, e que “nesse leque de religiões há uma única certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus”. A conclusão que um internauta não instruído nas subtilezas da Teologia — ou seja, a imensa maioria das pessoas — tirava dessas palavras (e das imagens que as acompanhavam) [foto acima] era de que todas as religiões que pregam o amor são um meio válido para se chegar a Deus…
O que pensar de tudo isso?
No século XIX, a Igreja condenou energicamente o indiferentismo religioso promovido pelo Estado laico e pelas doutrinas difundidas por lojas maçônicas. No Syllabus, o Papa Pio IX [quadro ao lado] inclui entre o catálogo de erros modernos a falsa opinião segundo a qual “no culto de qualquer religião os homens podem achar o caminho da salvação eterna e alcançar a mesma eterna salvação” e que “o protestantismo não é senão outra forma da verdadeira religião cristã, na qual se pode agradar a Deus do mesmo modo que na Igreja Católica” (Proposições 16 e 18).
E na encíclica Quanto conficiamur moerore, o referido Pontífice reiterou o ensinamento constante do magistério: “Aqueles que ignoram invencivelmente a nossa santíssima religião e observam diligentemente a lei natural e os seus preceitos — impressos por Deus no coração de todos os homens — e que, dispostos a obedecer a Deus, levam uma vida honesta e reta, podem com o auxílio da luz e da graça divina conseguir a vida eterna. [...] Mas é também conhecidíssimo o dogma católico, a saber, que ninguém pode se salvar fora da Igreja Católica e que não podem obter a salvação eterna aqueles que são obstinadamente contumazes para com a autoridade e as definições da mesma Igreja e estão obstinadamente separados da unidade da Igreja e do Sucessor de Pedro, o Romano Pontífice, a quem ‘a guarda da vinha foi dada pelo Salvador’” (Denzinger, 2866 e 2867).
“Não há salvação fora da Igreja”
Essa doutrina foi relembrada um século mais tarde, na época do Papa Pio XII, numa carta ao arcebispo de Boston:
“Dentre as coisas que a Igreja sempre pregou e nunca deixará de pregar, está a declaração infalível pela qual somos ensinados que não há salvação fora da Igreja. [...] Existe um mandato estritíssimo de Jesus Cristo, pois Ele encarregou explicitamente os seus Apóstolos de ensinar todas as nações a observarem todas as coisas que Ele próprio tinha ordenado” (Mt 28, 19-20).
“Não é o menor desses mandamentos aquele que nos ordena a incorporarmo-nos pelo Batismo ao Corpo Místico de Cristo que é a Igreja, e a permanecer unidos a Ele e ao vigário d’Ele, por meio do qual Ele próprio governa aqui na Terra a sua Igreja de forma visível. Por isso, ninguém se salvará se, sabendo que a Igreja é de instituição divina por Cristo, se recusar apesar disso a sujeitar-se a Ela ou se separar do Pontífice romano, Vigário de Cristo na Terra. Não somente nosso Salvador ordenou a todos os povos entrar na Igreja, Ele também decretou que é este um meio de salvação sem o qual ninguém pode entrar no reino eterno da glória” (Carta do Santo Ofício, de 8 de agosto de 1949, Denz. 3866-3870).
Só uma é a verdadeira Igreja de Cristo
Portanto, quando declaramos no Credo que a Igreja é “una”, professamos igualmente que Ela é “única”, porque somente Ela é a verdadeira Igreja de Cristo, à qual foi dada uma constituição tão definida que, não somente qualquer outra religião, mas nem sequer alguma comunidade separada da sua fé e da comunhão de seu corpo visível pode de alguma maneira ser chamada parte ou membro da única Igreja verdadeira do único Deus verdadeiro.
Esse ensinamento claríssimo e insofismável foi, entretanto, obscurecido em alguns documentos oficiais do Concílio Vaticano II, que afirmam que as igrejas cismáticas, as seitas cristãs heréticas e até as religiões pagãs de alguma maneira fazem parte do plano divino de salvação e servem de instrumento para a sua realização.
A articulação entre o decreto conciliar Unitatis redintegratio e o n° 8 da Constituição Lumen gentium, o qual diz que a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica, bem como o decreto Nostra Aetate, sobre as religiões não cristãs, representam uma radical mudança de orientação, em ruptura com o ensino tradicional acima relembrado.
As seitas obstaculizam a salvação de seus membros
Esses textos conciliares afirmam simpliciter que a Igreja de Cristo conta, entre seus membros, os cristãos batizados fora da Igreja Católica e unidos a Ela, ainda que de modo imperfeito, pelos elementos de verdade e de santificação existentes em suas comunidades.
Desse pressuposto, eles concluem que o Espírito Santo serve-se dessas comunidades separadas como meios de salvação e que algumas delas podem até ser consideradas como verdadeiras igrejas particulares. Isso, em absoluta contradição ao afirmado pelo magistério tradicional, para o qual tais comunidades são como os ramos cortados da videira, incapazes de produzir frutos de salvação (Pio XII, encíclica Ad sinarum gentem, de 7 de julho de 1954).
De fato, os sacramentos ou a leitura das Sagradas Escrituras podem ser frutuosos fora da Igreja Católica. Mas isso acontece de modo apenas acidental, por causa da ignorância invencível e da boa fé das pessoas que recebem esses sacramentos ou leem a Bíblia, os quais as unem à Igreja Católica pelo desejo implícito que manifestam de unir-se a Ela. Porém, as comunidades cismáticas ou heréticas a que pertencem, enquanto separadas da Igreja, opõem-se a esse desejo implícito, que é o elemento que torna frutuoso o sacramento ou a leitura. Portanto, deve-se dizer que tais comunidades obstaculizam a salvação de seus membros e possuem alguns elementos de santificação apenas de modo material, mas não formal.
É também errado dizer que o Espírito Santo se serve dessas comunidades, como se esses elementos nelas presentes lhes pertencessem e como se tal posse não fosse ilegítima. Se uma moeda de ouro cai na lama, pode-se dizer que o ouro nela presente pertence à lama? Ou, pior ainda, que isso faz com que a lama vire ouro? De modo nenhum!
Se, pela imensa bondade de Deus e sob certas condições, os sacramentos ou a leitura da Bíblia produzem frutos além das fronteira da Igreja Católica, na realidade é Ela que administra o sacramento e faz frutificar a boa leitura, através de ministros indignos que abandonaram seu seio. Para dar uma imagem contemporânea, seria como se um grupo de marujos revoltados escapasse da nau num bote salva-vidas, levando consigo alguns instrumentos de navegação que ainda funcionam porque continuam conectados à rede Wifi do navio. Nem por isso são os marujos revoltados os que indicam a boa direção, mas a nau, com a qual os instrumentos que eles usam estão conectados.
“Quem crer e for batizado será salvo”
Uma última palavra a respeito do diálogo inter-religioso com as religiões não cristãs. Pelo dito sobre os cristãos cismáticos e hereges, os leitores já podem compreender facilmente quão absurdo é, por exemplo, considerar como instrumento divino de salvação até o Islã, que nos considera idólatras pelo fato de os verdadeiros cristãos confessarmos a Santíssima Trindade e adorarmos Jesus Cristo.
A respeito das religiões pagãs, pode-se unilateralmente dizer, como o faz Nostra Aetate, que a Igreja Católica “olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia, refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens” (§ 2)? Não há duvida de que os adeptos dessas falsas religiões, que as seguem por ignorância invencível, devem ser respeitados. Mas podem-se respeitar doutrinas, preceitos e práticas que são erradas e más — quando não diretamente ofensivas a Deus —, que afastam seus seguidores da verdadeira salvação, a qual só podem encontrar na Igreja Católica?
E, nessa linha de pensamento, o que dizer da exortação aos católicos a que, “pelo diálogo e colaboração com os sequazes de outras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores socioculturais que entre eles se encontram” (§ 2)?
Antes de encerrar, convém ainda lembrar, a propósito do ecumenismo, aquilo que incisivamente expressou o Papa Pio XI na encíclica Mortalium animos: “Não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado que outrora, infelizmente, eles se afastaram dela”.
No que concerne o diálogo inter-religioso, é preciso não esquecer que Nosso Senhor Jesus Cristo não mandou os Apóstolos promoverem o encontro das culturas, mas lhes disse: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 15-16).
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 794, Fevereiro/2017.
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