Daiana tinha 14 anos quando tomou a primeira anfetamina para emagrecer e, aos 30, havia feito três lipoaspirações. Ana Carolina queria perder peso e passou a comer cada vez menos, a ponto de, aos 15, ser hospitalizada para não morrer. Lucas subia na balança várias vezes ao dia, mas em um sábado em que cedeu à tentação comeu tanto e tão rápido que forçou o vômito.
Os três viveram toda a adolescência e boa parte da vida adulta com culpa, vergonha e insatisfação permanente com o corpo. Eles só se deram conta de que a obsessão com a alimentação e a forma física eram sintomas de uma doença ao receberem o diagnóstico de transtorno alimentar.
O problema, mais conhecido nas formas de anorexia e bulimia nervosa, atinge principalmente o sexo feminino e começa, em geral, na adolescência. Mas especialistas veem com preocupação o surgimento de casos em outros momentos da vida e o crescente número de garotos afetados.
Para a jornalista Daiana Garbin, 35, o susto –e o alívio– que sentiu ao saber que tinha uma doença foram tão grandes que ela deixou a carreira na TV para se dedicar a pesquisas sobre corpo, autoimagem, saúde e alimentação, e criar um site e um canal no YouTube, o Eu Vejo.
Um ano e meio depois, ela discute esses temas em um misto de depoimento e grande reportagem no recém-lançado livro "Fazendo as Pazes com o Corpo" (Sextante, R$ 34,90, 168 págs.).
"Sabia que não estava sozinha, que as mulheres, em geral, estão vivendo um sofrimento grande com a comida e o corpo por causa do padrão de beleza irreal imposto pela sociedade como um todo, da família até as redes sociais", explica.
De 0,5% a 1% das mulheres sofrem de anorexia, e de 1% a 2%, de bulimia, diz o psiquiatra Táki Cordás, coordenador do Ambulim (Programa de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas-USP). A compulsão alimentar, outra manifestação do transtorno, atinge cerca de 3% da população.
E os números podem estar subestimados. "Se considerássemos quadros parciais, que não preenchem todos os critérios diagnósticos, o número seria maior", diz Cordás.
Entre as causas do transtorno está a predisposição genética, além de fatores psíquicos, hormonais e ambientais, como hábitos alimentares e a pressão social.
"Mais de 90% dos casos de transtornos alimentares se iniciam com uma dieta. Mas é uma equação muito individual, há vários possíveis fatores determinantes", avalia a psicanalista Patrícia Jacobsohn, da Ceppan (Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia).
Não é por acaso, diz a especialista, que a maioria dos sinais aparece por volta dos 12 anos de idade, uma fase em que o pensamento crítico ainda não está formado. Parte importante da prevenção, afirma, é desenvolver nos jovens a ideia de que a imagem corporal é apenas uma parte do que eles são.
ALERTA
A situação de Lucas e Ana Carolina poderia ter sido pior não fosse o alerta de pessoas que já conheciam o transtorno. Ela, que até os 12 anos nunca havia tido problemas com o corpo nem com a alimentação, passou a ir mais de dez vezes ao dia à farmácia para se pesar e parou de comer na presença das pessoas.
"Como minha prima também teve, meus pais souberam que havia algo errado e procuraram um especialista. Estava com 40 kg e piorei até chegar a 30. Com 15 anos, fui internada duas vezes, porque meu coração estava quase parando de bater", conta a engenheira de 32 anos. Ela foi a única sobrevivente do grupo de meninas com as quais esteve internada.
Lucas, 32, que aos seis tinha vergonha de tirar a camisa porque achava que era gordo, só aceitou procurar o médico muitos anos depois devido à insistência da chefe. "Eu trabalhava em um dos prédios mais altos de Campinas, e descia de escada oito vezes por dia para emagrecer. Fiquei mal, depressivo, e ela me falava para ir ao psiquiatra. Na minha cabeça, isso só dava em mulher", lembra ele.
Ele ainda está em tratamento e, assim como os demais entrevistados, afirma que os dias são de altos e baixos. "Tem dia que a autoestima está boa e eu vejo que estou melhorando. Muita gente fala que não sou gordo, mas eu me vejo maior do que realmente sou."
Mas cada caso é um caso. Daiana nunca ficou muitos dias sem comer nem perdeu peso demais. Também não vomitava. Mas enxergava seu corpo de modo diferente do que os outros o viam, sempre maior e mais gordo. "Eu perseguia uma magreza impossível e achava que não ia ser amada porque não tinha o corpo adequado. É um problema de autoestima."
Para ela, é errado transmitir a mensagem que "a magreza é um passaporte para a felicidade". "As pessoas adoecem de tanto terrorismo nutricional que estamos semeando desde a infância." Uma vez diagnosticado o problema, é possível controlar os sintomas, dizem os especialistas.
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