terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Macroscópio – Os anos passam, as controvérsias permanecem

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Confesso que não contava voltar tão cedo a dedicar uma destas newsletters à memória do Holocausto. Bem sei que todos os anos, a 28 de Janeiro, se celebra um dia em sua memória, mas 73 anos depois daquele dia gelado de 1945 em que tropas soviéticas entraram em Auschwitz poderíamos esperar que as polémicas tivessem dado lugar apenas à sempre necessária evocação do inimaginável. Mas não é assim. Voltou a não ser assim. De tal forma que se abriu uma crise entre a Polónia e Israel.
 
De facto o parlamento polaco entendeu que a melhor forma de assinalar esta data foi aprovar, na passada sexta-feira, uma lei que criminaliza qualquer referência à colaboração de polacos no genocídio dos judeus. É algo de que o jornal israelita Haaretz deu conta em Polish Parliament's Lower House Votes to Criminalize Mention of Polish Crimes in the Holocaust, notando que “The bill, which still requires the approval of the upper house, would also make it illegal to use the term 'Polish death camp' anywhere in the world”. A edição europeia do Politico também deu atenção ao tema em Polish-Israeli spat over Holocaust guilt, um texto onde já se enquadra o choque diplomático. Nele também se recorda como o tema é sensível para os polacos, pois se é verdade que são muito numerosos os heróis que o próprio Estado de Israel reconhece (são 6.706 os “justos entre as nações” reconhecidos pelo Yad Vashem, aqueles que auxiliaram judeus a fugir a uma morte certa como o nosso Aristides Sousa Mendes), também há histórias de perseguições e de um visceral anti-semitismo paralelo ao dos nazis. Como se nota no Político, “Those who dwell on that uncomfortable past like Jan Tomasz Gross, a Polish-American historian who wrote about the 1941 Jedwabne pogrom in which Polish villagers killed their Jewish neighbors, are often criticized in Poland. The current right-wing government is especially allergic to anything that casts Poles in a less than heroic light, as it has a policy of boosting patriotism and national pride in an effort to bolster its own political support. However, the bill is reopening historic wounds with Israel, normally a very close Polish ally.”
 
O massacre aqui referido é também recordado por Yair Lapid, um deputado israelita que no The Times of Israel escreve sobre The truth about Poland and the Holocaust: “Hundreds of Jewish residents of the town of Jedwabne were murdered by Poles. In June 1941, they were caught by their Polish neighbors, locked in a barn and burned alive. After the war, the Poles tried to claim that the Germans had carried out the massacre, but the Jews who had managed to survive the massacre bore witness to the truth.”
 
A investigação de Jan Tomasz Gross está toda num livro já editado em português, Vizinhos, uma obra cuja leitura não é fácil, um livro virtualmente proscrito na Polónia.
 
Mas enquanto em Varsóvia se votava esta lei, uma surpresa maior, ou talvez não, chegava-nos do Irão, onde um antigo mayor de Londres apareceu na televisão num programa onde se diminuía, ou negava mesmo, a importância do Holocausto: Ken Livingstone appears on Iranian state TV on Holocaust Remembrance Day, relatou o Times of Israel. Livingstone, conhecido pelas suas posições anti-semitas que levaram à sua expulsão do Partido Trabalhista apareceu a discutir o tópico “Has the Holocaust been exploited to oppress others,” repeating his claims that his claim that Hitler worked with the Zionist movement.”
 
A tendência para uma certa esquerda – aquela de que Livingstone faz parte – ceder ao anti-semitismo é de resto abordada em Holocaust Remembrance Day 2018: Why Is Left-Wing Antisemitism Ignored?, um duro levantamento de casos feito por Jeff Dunetz para o The Jewwish Express.
 
Portugal, felizmente, parece longe destes desvarios, existindo até um esforço muito meritório para, num país que não conheceu esse horror – pelo contrário – recordar aos mais novos o que se passou e o seu significado. De uma das organizações que se dedica precisamente à promoção do ensino do Holocausto nos deu de resto conta, este sábado, no Público, Esther Mucznik, que escreveu sobre A Memoshoá, um projecto pioneiro. Para quem não conhece trata-se de uma organização que apoia os professores e lhe proporciona formação, nomeadamente levando-os a Israel e aos locais mais emblemáticos do extermínio dos judeus.

 
E já que estou a escrever sobre o Holocausto, deixem-me acrescentar apenas duas referências de leitura, sugestões que remetem para trabalhos que contam histórias, uma delas tão misteriosa que nem se sabe se é mesmo verdadeiro. Refiro-me a um longa e interessante peça na reviata judaica Tablet, Is this story real?, uma história que passa por muitas cidades europeias e que começa assim: “It is evening at the Brasserie Lipp, on the Boulevard Saint-Germain in Paris...” Longe da icónica Brasserie Lipp, do outro lado do Atlântico, a revista Time reuniu um sobrevivente e um dos soldados que libertou o campo de concentração onde esperava a morte. Em 'We Weren't Prepared for This.' Inside the Accidental Liberation of a Concentration Camp recua-se até à Alemanha de 1945 mas vai-se além da simples evocação da memória: “At the time, Alan Moskin was an 18-year-old American soldier who helped liberate the camp and Nandor Katz was a 19-year-old prisoner. The two men, now 91 and 92, recently found out that they live less than an hour away from one other in New York state”.
 
Mas deixemos este tema que, como referi, não tinha contado abordar este ano, para regressar ao tema do meu último Macroscópio da semana passada, aquele em que referi que no céu aparentemente limpo de Davos há nuvens que podem ser ameaçadoras. Mais algumas referências:
  • How (the European) Trump won a second term, no Político, conta-nos como “Miloš Zeman appealed to Czech skepticism of EU and opposition to migration” para ser reeleito presidente da República Checa este domingo. De resto “The Czech Republic is one of the most Euroskeptic countries in the EU. Surveys have shown that the Czechs have grown largely disenchanted with the Union, with approval of EU membership at an all-time low.”
  • Italy’s political threat to the EU and to investors, no Financial Times, é a expressão da preocupação de um dos porta-vozes das elites europeístas, Wolfgang Munchau, com o resultado incerto das próximas eleições italianas, chegando o colunista a considerar que “Markets are too complacent about the parliamentary election next month”, isto é, que os mercados não estão a antecipar a confusão política e a ingovernabilidade que pode resultar da ida às urnas na república transalpina.
  • The growing danger of great-power conflict é o indispensável editorial da última The Economist, um texto que devia fazer soar os alarmes pois explica “How shifts in technology and geopolitics are renewing the threat”.
  • Em defesa da aliança euro-americana, de João Carlos Espada no Observador, cita precisamente este editorial da prestigiada revista londrina – “Se a América permitir que a China e a Rússia estabeleçam hegemonias regionais — quer inconscientemente, quer porque a política americana se tornou demasiado disfuncional para conseguir gerar uma resposta — então [a América] estará a dar-lhes [à China e à Rússia] luz verde para prosseguirem os seus interesses pela força bruta” – para advogar a fidelidade à tradição euro-atlântica.
  • The Coming Wars é o mais recente texto no Político de Bruno Maçães, alguém que foi secretário de Estado da Integração Europeia no anterior executivo e que parece fascinado pelo caminho que o anterior autor mais teme. Neste texto que é uma mistura de ensaio e reportagem ele “explores the frontlines of the future”, pelo menos na perspectiva dos editores do Politico Europa. Editores que, de resto, recordam que Maçães acaba de publicar um livro, The Dawn of Eurasia, que explora precisamente o aparecimento de um eixo Europa-Rússia-China como alternativa ao eixo atlântico.  
 
Como vêem as águas mexem-se mesmo se a superfície parece calma. Por aqui continuaremos atentos aos sinais e a estas reflexões, mas por hoje é tudo. Tenham bom descanso e o meu desejo é que também possam tirar proveito de algumas das leituras que vos sugeri.   
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