João Pedro Pereira
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Na semana passada, chegaram às notícias acusações de enviesamento ideológico por parte do Google e do Facebook. Fora duas situações muito diferentes e uma delas (pelo menos) descabida – mas, ainda que por linhas tortas, trazem à tona um tema relevante.
A primeira situação começou com uma busca que Donald Trump fez no Google. O Presidente americano pesquisou “Trump news” e não gostou do que viu. Daí a vociferar no Twitter foi um curto passo: os resultados do Google eram manipulados; as notícias da imprensa conservadora ficavam de fora; e os meios de comunicação de esquerda tinham primazia.
Uma das coisas óbvias que escapou a Trump – que muitas vezes parece habitar num planeta só seu desligado do que se passa na Terra – é que o Google mostra resultados diferentes a pessoas diferentes, levando em linha de conta múltiplos factores: do historial de pesquisa à localização geográfica, passando por uma miríade de outras variáveis, que são computadas de forma secreta pelos algoritmos. Outra é que o Google tem pouco interesse, do ponto de vista do negócio, em ter inclinações ideológicas.
Já no caso do Facebook, a crítica foi interna. Um funcionário queixou-se de que a cultura da empresa não tolerava que os trabalhadores expressassem ideias conservadoras ou que de alguma forma se desviassem da “ideologia com pendor de esquerda”.
É bem possível que as maiores plataformas de informação do mundo tenham inclinações ideológicas, mesmo que apregoem (e, talvez até, acreditem) ser neutras. O problema está bem diagnosticado: os algoritmos secretos e não escrutináveis que regem boa parte das nossas vidas foram feitos maioritariamente por homens jovens, brancos, com uma formação nas áreas científicas e pertencentes à metade de cima da pirâmide socioecónomica. Ora, os algoritmos não são tábuas rasas e acabam por espelhar quem os cria.
É verdade que as empresas tecnológicas se têm esforçado por ter diversidade na sua massa de trabalhadores – mas os números mostram que a diversidade é (mais ou menos) conseguida sobretudo com empregos em posições não técnicas.
Trump não tem razão ao afirmar que os resultados do Google são manipulados pela empresa com base numa agenda política. Mas, para variar, um dos seus tweets tocou num assunto que merece ser discutido.
Censura? Uma breve nota adjacente: José Pacheco Pereira, aqui no PÚBLICO, argumentou que a filtragem de conteúdos feita por plataformas como o Facebook equivale a censura. Seria preferível, disse o colunista, que as autoridades fossem chamadas a actuar em casos de crime, sendo tudo o resto deixado para o domínio da liberdade de expressão, por muito repugnante que o conteúdo seja. Há vários problemas.
Em primeiro lugar, mesmo nos casos de crime, não é crível que as autoridades sejam rápidas o suficiente para evitar os efeitos nefastos. Em segundo, e como acontece com a imprensa, estas plataformas devem assumir, para benefício de todos, uma responsabilidade no discurso público (Pacheco Pereira múltiplas vezes falou do "lixo" nas caixas de comentários de jornais; o lixo existe e o PÚBLICO não aceita muitos tipos de comentário, alguns dos quais seriam perfeitamente legais). Em terceiro, há o problema de tolerar os intolerantes, que Rui Tavares já aqui analisou. Por fim: o Facebook é um grande palco, mas não é sinónimo de Internet. Nas democracias, esta continua a poder ser usada livremente, incluindo por pessoas com ideias repugnantes.
4.0 é uma newsletter semanal dedicada a tecnologia, inovação e empreendedorismo. Críticas e sugestões podem ser enviadas para jppereira@publico.pt. Espero que continue a acompanhar.
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