segunda-feira, 3 de setembro de 2018

INÍCIO VIDA E FUTURO "Os nossos filhos não têm idade quando estão doentes"

Manuela Paiva é diretora do Serviço de Ação Social do IPO de Lisboa. Há mais de 20 anos que está ligada à área da pediatria. E conhece bem a realidade dos pais que têm de enfrentar a vida dos filhos com uma doença oncológica. Ao fim deste tempo diz que o Estado não pode ser cego a olhar para este problema.
"Há situações muito complicadas. Há pais que optam por esconder a doença do filho para não perderem o emprego"
Os nossos filhos não têm idade quando estão doentes. Temos de estar presentes, sempre, deixamos tudo para estar ao seu lado. O Estado não pode ser cego nestes casos. Tem de perceber e alguma coisa tem de mudar para dar apoio. Há alguma legislação que tem de ser adaptada. E há novas realidades que têm de passar a estar integradas." Manuela Paiva é diretora do Serviço de Ação Social do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, antes era só responsável por esta área no serviço de pediatria. Conhece como ninguém as histórias de Elisabete, Vera, Diana e Sónia. E sofre. Ao fim de tantos anos, mais de 20, as lágrimas ainda lhe surgem no rosto quando os dias são mais pesados no piso 7 do edifício da Praça de Espanha.

"Temos tido aqui situações muito complicadas. De pais que estão a trabalhar a contrato e que ficam sem nada porque este não foi renovado, que têm de ir para o desemprego pela pressão que sofrem devido às faltas e a ausências no trabalho. Ou então pais que optam pura e simplesmente por tentar esconder que têm um filho com cancro para não serem despedidos. A realidade é esta", argumenta a técnica. E alerta: "Por vezes, nem é só o que está na legislação. Há muitos pais que ainda sentem na pele a pressão das chefias, que nem sempre percebem pelo que estão a passar."

No seu gabinete, onde as cores sobressaem em fotografias, pinturas, livros, sinal de que algo de bom há de surgir no meio das adversidades, reconhece que "hoje o estigma do cancro já não é tão grande", mas sublinha, mais uma vez: "As políticas sociais têm alguma coisa, mas já não têm o que deveriam ter."

No dia que nos recebe, a tristeza passa por aquele piso. Uma jovem saía para uma unidade de cuidados intensivos fora do IPO. Não sabiam se voltava. "Às vezes é assim", desabafa. Mas quando é, a equipa - médicos, enfermeiros, auxiliares, voluntários -, aqueles que os próprios pais dizem que se tornam na sua família, dá tudo. E os sorrisos surgem pelos corredores, nos quartos, na sala de lanche.

O apoio aos pais deveria começar logo quando são confrontados com a notícia do diagnóstico

Eles sabem de antemão que "os pais nunca estão preparados para deixar os filhos entregues a outras pessoas. Normalmente fica a mãe. É assim na Europa em que vivemos, são as mães que assumem o papel de cuidador porque também não é possível por lei estarem os dois. Ou até alternadamente. E o Estado tem de perceber isso", diz Manuela Paiva. Por isso defende: "O apoio aos pais deveria começar logo quando são confrontados com a notícia do diagnóstico. O Estado dá 30 dias por ano para apoio a um filho. Se há dois filhos, um dos pais tem de começar a trabalhar."

Manuela Paiva foi chamada a integrar um grupo de trabalho criado no Ministério da Saúde, no tempo do secretário de Estado Francisco Leal da Costa, juntamente com outros técnicos da Saúde e da Segurança Social. O objetivo era estudarem a realidade da doença oncológica do ponto de vista laboral e social. Foi elaborado um documento sobre cuidados paliativos pediátricos. "Há situações que avançaram, como a dos cuidados paliativos, que é muito importante, mas há outras em que ainda nada se fez."

grupo de trabalho criado no tempo de secretário de Estado Leal da Costa, composto por técnicos da Saúde e da Segurança Social analisou a legislação e realidade dos pais que têm filhos com doenças oncológicas e crónicas. Foi feito um doucmento, mas em matéria laboral nada mudou ainda

Por exemplo, neste documento estava consignado apoio financeiro aos pais que necessitem, o prolongamento das baixas e dos subsídios e até o prolongamento do luto por um filho. A lei só dá cinco dias, mas o objetivo é passar para um mês, evitando que a maioria tenha de recorrer a baixas.

O DN contactou o Ministério da Saúde para saber até onde tinha chegado este documento, se tinha avançado para a Segurança Social e se havia alguma iniciativa sobre a matéria e no que respeita ao apoio aos pais. A resposta que chegou referia apenas: "Sobre cuidados a crianças com doenças crónicas complexas foi criada uma nova resposta, integrada na rede de cuidados continuados e com uma unidade-piloto a funcionar há mais de um ano. Aguarda-se decisão política para estender esta resposta ao resto do país. Esta resposta dá um apoio efetivo à parentalidade, quer através da unidade de internamento quer da unidade de dia."

Fonte: DN


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