Dom Athanasius Schneider*
No dia 4 de outubro de 2019, festa de São Francisco de Assis, na presença do Papa Francisco e de outros altos dignitários eclesiásticos, realizou-se nos Jardins do Vaticano [foto acima] uma cerimônia de caráter claramente religioso, como declarado no comunicado de imprensa do Vaticano de 4 de outubro de 2019: “Durante a cerimônia de oração que encerrou a iniciativa ‘Tempo da Criação’, recentemente promovida pelo Papa Francisco, foi plantada uma árvore de Assis como símbolo da ecologia integral, para consagrar o Sínodo da Amazônia a São Francisco, no próximo 40º aniversário da proclamação papal de Poverello de Assis como padroeiro dos amantes da ecologia. No final do ato, o Papa rezou o Pai Nosso. Representantes dos povos indígenas da Amazônia, frades franciscanos e vários representantes da Igreja participaram da cerimônia.”
O que essa declaração ocultou foi o fato de, durante essa cerimônia de oração, terem ocorrido ritos religiosos das religiões pagãs dos nativos sul-americanos. Houve gestos e palavras que expressavam um culto religioso a figuras mitológicas da religião aborígine; acima de tudo, atos de prosternação foram realizados diante de duas figuras femininas grávidas nuas, que deveriam representar a fertilidade. Também havia uma dança religiosa em torno dessas figuras, na qual uma mulher vestida de xamã usava chocalhos que simbolizavam os deuses pagãos da fertilidade. O uso das “maracás” ou chocalhos pelo xamã significa nos cultos indígenas da Amazônia a voz dos espíritos e eles são usados para reivindicar a ajuda do poder dos animais e dos espíritos. As “maracás” são um dos instrumentos mágicos mais poderosos para esses povos. A cabeça da “maracá” é uma cabaça (abóbora), com a cabeça do chocalho com a haste representando a união fecundante do mundo masculino (haste) com o mundo feminino (cabaça). Exatamente essas “maracás” foram usadas na “Cerimônia de Oração” em 4 de outubro.
As estátuas representando mulheres grávidas nuas foram então colocadas brevemente na Basílica de São Pedro, em frente do túmulo de São Pedro, novamente na presença do Papa, e depois durante todo o tempo do Sínodo Amazônico na igreja de Santa Maria Traspontina [foto ao lado], em Via della Conciliazione, onde foram realizadas cerimônias regulares de oração, e isso numa igreja com o tabernáculo e a presença eucarística de Cristo. Além disso, a estátua da mulher grávida e nua foi levada no dia 19 de outubro em uma Via Sacra, organizada pelos participantes do Sínodo.
Nos primeiros dias após essas cerimônias, o Vaticano evitou mencionar o significado exato das duas figuras femininas grávidas nuas. Somente depois de tais figuras terem sido removidas em 21 de outubro da igreja de Santa Maria em Traspontina e jogadas no Tibre [foto ao lado], foi que o próprio Papa Francisco anunciou, em 25 de outubro, a identidade delas como devendo simbolizar a Pachamama: “Gostaria de dizer uma palavra sobre as estátuas de Pachamama que foram removidas da igreja na Traspontina e que estavam lá sem intenções idólatras e jogadas no Tibre. Isso foi feito pela primeira vez em Roma e, como bispo da diocese, peço desculpas pelas pessoas ofendidas por esse gesto.”
O padre jesuíta Fernando López, um dos organizadores da veneração das estátuas de Pachamama no Vaticano, disse que as mesmas foram compradas num mercado de artesanato em Manaus, na Amazônia brasileira, acrescentando que a Pachamama faz sentido para todos nós, e que devemos continuar “a dança da vida em honra da Mãe Terra”.
Declarar que todos esses atos de culto a estátuas de Pachamama, ocorridos em igrejas durante uma cerimônia de oração, não tenham sido atos de culto nem de religião, mas apenas uma expressão da cultura e do folclore, algo inofensivo e trivial, é negar as evidências e fugir da realidade.
Em face do grave fato de tais atos dúbios de culto religioso — os quais são obviamente pelo menos próximos da superstição e da idolatria —, alguns cardeais, bispos, padres e muitos leigos protestaram publicamente, tendo alguns deles inclusive chamado o Papa Francisco a arrepender-se e fazer atos de reparação. Infelizmente, essas vozes corajosas são criticadas até por bons católicos, muitas vezes com o argumento de que isso significaria um ataque pessoal ao Papa Francisco. Tal raciocínio lembra muito a história das novas roupas do rei… Outros consideram o culto às estátuas de Pachamama inofensivo e comparam esta questão à disputa sobre os chamados ritos chineses (chamados de “disputa de acomodações”) nos séculos XVII e XVIII. Aqueles que fazem tais afirmações não têm conhecimento factual do significado da Pachamama para os povos indígenas e na propaganda mundial da nova “religião Gaia ou Mãe Terra” em nossos dias, nem tampouco um conhecimento mais detalhado do problema histórico dos ritos chineses e da sua solução no século XX.
O fato de o fenômeno “Pachamama” ter uma conotação claramente religiosa já prova sua definição nas fontes de informações geralmente acessíveis e mais frequentemente consultadas como, por exemplo, na Wikipédia, que afirma: “Pacha Mama ou Pachamama (do quíchua Pacha, ‘universo’, ‘mundo’, ‘tempo’, ‘lugar’, e Mama, ‘mãe’, ‘Mãe Terra’) é a deidade máxima dos povos indígenas dos Andes centrais. Vários autores consideram Pachamama como uma divindade relacionada com a terra, a fertilidade, a uma mãe, o feminino. Pacha-Mama, segundo o conceito que tem entre os índios, poderia ser traduzido no sentido de ‘terra grande, diretora e sustentadora da vida’. A terra, como geradora da vida, será então assumida como um símbolo de fecundidade.”
Quem já lidou com o movimento ambiental global, ouviu sem dúvida o termo Gaia. Gaia é um renascimento do paganismo que rejeita o cristianismo, que vê o cristianismo como seu maior inimigo e a fé cristã como o único obstáculo a uma religião global que se concentra no culto a Gaia e na unificação de todas as formas de vida concentradas em torno da deusa “Mãe Terra” ou “Pachamama”. Uma sofisticada mistura de ciência, paganismo, misticismo oriental e feminismo fez desse culto pagão uma ameaça crescente à Igreja cristã. O culto à “Mãe Terra”, ou “Gaia” ou “Pachamama” é o foco da política ambiental global de hoje.
A Assembleia Geral da ONU de 2009 proclamou 22 de abril como o “Dia da Mãe Terra” internacional. Naquele dia, o presidente boliviano Evo Morales [foto ao lado, no ritual à Pachamama], um autoproclamado adorador de Pachamama, fez esta declaração à Assembleia Geral das Nações Unidas: “Pachamama — a ‘Mãe Terra’ do Quéchua — é uma divindade fundamental da visão de mundo nativa, baseada sobre um total respeito pela natureza. A terra não nos pertence, mas nós pertencemos à terra.”
O fato de a expressão “Mãe Terra” ou “Pachamama” não ser um nome cultural inofensivo, mas de possuir traços religiosos, prova-o, por exemplo, também o Manual do Professor publicado em 2002 pela UNESCO com o título significativo “Guia do Professor Pachamama”. Nesse manual se afirma, entre outras coisas: “Imagine, a Mãe Terra assume uma forma física e imagine como seria encontrá-la. Como ela ficaria? Sobre o que você conversaria com ela? Quais seriam sua principal preocupação e suas perguntas? Como você as responderia? Onde você poderia encontrá-la [a Mãe Terra]? Pense em um lugar onde você poderia encontrá-la”. Um lugar, por exemplo, onde alguém poderia encontrar a “Mãe Terra” ou “Pachamama” na representação de mulheres grávidas nuas esculpidas em figuras de madeira seria na cerimônia de oração nos Jardins do Vaticano, no mencionado dia 4 de outubro de 2019; na Basílica de São Pedro, na Via Crucis de 19 de outubro, e na igreja de Santa Maria em Traspontina, em Roma.
Dom José Luíz Azcona [foto ao lado], bispo emérito da Prelazia Amazônica Marajó, rejeitou de maneira convincente a absurdidade e insustentabilidade da tese, de que o culto de Pachamama no Vaticano foi uma coisa insignificante. Ele é um conhecedor das religiões e costumes dos índios amazônicos, entre os quais viveu por mais de 30 anos e os evangelizou. Em uma carta aberta de 1º de novembro de 2019, Dom Azcona salientou que eram especialmente os “pequeninos” da Igreja — e, sobretudo, os índios amazônicos que se converteram e que vivem intensamente a fé católica —, que foram escandalizados pela veneração da Pachamama no Vaticano. Eles estavam confusos e profundamente magoados em seu senso de fé católico. A seguinte declaração de Dom Azcona é comovente: “Mas esse mesmo gesto [de veneração da Pachamama] constituiu um escândalo (e não farisaico) para milhões de católicos no mundo inteiro. Especialmente para os pobres, ‘os pequenos’, para os ignorantes, ‘os fracos’ que evidentemente têm o ‘sensus fidei’ (sentido da fé) tão justa e permanentemente defendido pelo Papa Francisco e violentamente golpeados em sua consciência inerme, indefesa por completo diante de tamanha violência religiosa. E de modo particular foram os pobres, os simples, ‘os fracos’, os desprotegidos da Amazônia, os mais atingidos por esse impacto idolátrico. Eles sentiram no mais íntimo, ao menos na Amazônia brasileira, este ataque contra a fé cristã, contra a convicção eclesial de que a única Rainha da Amazônia é Nossa Senhora de Nazaré, Mãe do Deus Criador e Redentor. Nenhuma outra mãe, nenhuma outra Pachamama andina ou de onde for, e tampouco nenhuma Iemanjá!”
Dom José Luíz Azcona também se referiu ao impacto devastador que os atos públicos de culto a Pachamama no Vaticano tiveram sobre os protestantes fiéis: “Para os irmãos Evangélicos e Pentecostais este escândalo tem tido um efeito devastador. Horrorizados, têm sido testemunhas de cenas de verdadeira idolatria e, entre o espanto e o estupor, se confirmam agora mais e mais na convicção errada de que católico é adorador de ídolos. Já não de santos, santas, José, Maria, senão de verdadeiros demônios. Desta maneira, o diálogo ecumênico-inter-religioso ficou abalado com consequências humanamente irreparáveis e com complicações ecumênicas pesadas para quem queira entender o mistério da igreja como ‘Sacramento Universal de Salvação’ (Lumen Gentium) também para os Pentecostais.”
Dom Azcona afirmou de modo apropriado que a ideia e o simbolismo da “Mãe Terra”, da “Gaia”, e também da “Pachamama”, difundidos hoje, não podem ser destacadosmental e religiosamentedo fenômeno das muitas divindades-mães pagãs históricas: “Lembremos as inúmeras Mãe-Terra que precederam e acompanharam a Pachamama como deusas da fecundidade, da fertilidade, em culturas e religiões de todos os tempos, duas do âmbito bíblico. No Antigo Testamento, a Astarte (Asherà) é a deusa da fecundidade, do amor sensual e representada nua. […] No Novo Testamento, no livro dos Atos dos Apóstolos 19, 23-40; 20,1 Ártemis de Éfeso ‘a Grande’, deusa da fecundidade representada com a metade do corpo cheio de mamas, resumia o que se entende pela estatua da Mãe-Terra Pachamama”.
A comparação do culto à Pachamama no Vaticano com a disputa histórica dos ritos chineses é factualmente insustentável. Os rituais chineses envolviam atos de veneração à imagem de Confúcio, uma pessoa histórica que era reverenciada como um grande herói nacional e pensador da cultura chinesa. Além disso, tratava-se de veneração a antepassadosfalecidos. Em ambos os casos, antes dos retratos dessas pessoas históricas, eram realizados atos de veneração, como uma inclinação ou acender velas. Como esses ritos nos séculos XVII e XVIII ainda estavam associados às crenças supersticiosas do confucionismo como religião, a Igreja os proibiu rigorosamente, para evitar qualquer aparência de superstição e idolatria. No século XX, os atos de veneração a Confúcio eram de natureza puramente civil e ocorreram em lugares não sacros e não religiosos. Além disso, as efígies dos antepassados eram veneradas pelos católicos sem a inscrição usual “sede da alma”, como era habitual entre os pagãos chineses. Assim, após cessar qualquer aparência de superstição e idolatria, a Santa Sé permitiu os ritos chineses em 1939 por uma Instrução da Congregação da Propaganda Fide; contudo, sob as seguintes condições: é permitido fazer apenas uma inclinação de cabeça diante de uma imagem de Confúcio que for exibida nos locais civis, e se se temer um escândalo, a intenção correta dos católicos deve ser explicada publicamente. Além disso, a Instrução diz que os católicos só podem apresentar gestos de veneração de natureza puramente civil e, se necessário, explicar sua intenção para eliminar qualquer interpretação incorreta desses atos. O mesmo se aplica ao ato de veneração aos retratos dos antepassados. Além disso, a Igreja Católica permitiu o uso de apenas do nome divino inequívoco, isto é, “Senhor do Céu”, e proibiu outros nomes divinos chineses ambíguos, como “Céu” ou “Deidade Suprema” ou “Imperador Supremo”, proibição que não foi revogada pela Instrução de 1939.
A diferença essencial entre os ritos de culto à Pachamama e os chamados ritos chineses é o fato de a Pachamama ser uma construção das mitologias pagãs, isto é, adora-se um mito puro ou um conglomerado inanimado e impessoal de matéria, como a terra.
Quem afirma que o culto à Pachamama era inofensivo e não se revestia de aspeto religioso, mas apenas cultural, seria ensinado melhor por uma oração à Pachamama publicada no contexto do Sínodo Amazônico pela “Fondazione Missio”, órgão da Conferência Episcopal Italiana, onde é dito: “Pachamama, boa mãe, sê-nos propícia! Sê-nos propícia! Deixa a semente ter um bom sabor, que nada de ruim aconteça, que não a perturbea geada, que produza boa comida. Pedimos-te: dá-nos tudo! Sê-nos propícia! Sê-nos propícia!”.
O culto de Pachamama praticado no Vaticano durante o Sínodo da Amazônia é uma forma de superstição idólatra por conter gestos que em sua forma original implicam o culto à “Mãe Terra” enquanto uma divindade ou uma forma de superstição não idólatra. Pois esse culto de Pachamama expressa a crença na terra como se ela fosse um ser vivo e pessoal; portanto, é um sincretismo que introduz elementos enganosos no culto cristão, que, afinal, sempre deve ser direcionado ao Deus verdadeiro.
Em um artigo publicado em 23 de outubro de 2019 na página internet Infocatolica (www.infocatolica.com), Pe. Nelson Medina, OP [foto ao lado], missionário na Amazônia colombiana, desmascara a fraude do culto supostamente inócuo de Pachamama com a seguinte declaração apropriada: “Devo dizer que a imagem que foi levada a Roma não é representativa da Amazônia colombiana, e acredito que de nenhum lugar da Amazônia. A figura não representa nada ‘ancestral’ da cultura da Amazônia. Levar tais imagens a esse local sagrado só pode significar que elas são consideradas como tendo um significado religioso porque, caso contrário, seriam expostas em uma galeria de arte ou em um museu de história étnica ou amazônica. A gente pode dizer que a imagem representa fertilidade, mulher ou vida. Mas então a pergunta é: nossa fé adora a fertilidade, a vida ou a mulher como tal? Se essa imagem não tem caráter de culto, por que colocá-la junto ao altar onde o sacrifício único e suficiente de Cristo está presente? Não é exatamente essa a violação escandalosamente pública do Primeiro Mandamento da Lei de Deus?”.
Os representantes do Vaticano também usaram São John Henry Newman para com sua ajuda legitimar o culto de Pachamama. Contudo, esta comparação é exagerada e factualmente imprecisa, como o demonstrou de forma convincenteo Pe. Nelson Medina ao indicar que John Henry Newman estava se referindo a algumas ações ou objetos relativamente neutros em si mesmos e que podem ser transformados em seu significado e usados na Igreja. As imagens projetadas para o Sínodo Amazônico não têm nada dessa neutralidade: “celebrar a ‘vida’ sem adorar a Deus, o único Criador, é simples paganismo. E com os ídolos pagãos, seja o bezerro de ouro ou o dinheiro dos comerciantes no templo de Jerusalém, são necessárias ações firmes e claras […] que podem alcançar o Tibre”.
Em todos os tempos, e também através da Instrução de 1939 sobre os ritos chineses, a Igreja Católica, à imitação fiel do comportamento dos Apóstolos, esteve escrupulosamente engajada em suas palavras e ações, para evitar qualquer sombra de idolatria (idolatria) e de superstição (superstitio), bem como para não dar a menor aparência disso (ver também São Tomás de Aquino, Summa theol., IIa IIae, q 93, a.1).
Ainda sobre o culto à Pachamama no Vaticano, o advogado italiano pró-vida Gianfranco Amato (ver seu ensaio em “La Verità” de 14 de novembro de 2019) o resume do seguinte modo:
“Retratar Pachamama como um ícone da cultura indígena da Amazônia não significa apenas distorcer a realidade, mas negar e humilhar a diversidade das verdadeiras culturas amazônicas a fim de impor uma visão teológica indígena para impor objetivos puramente ideológicos e políticos.
“O presidente mexicano López Obrador [foto ao lado] realizou um ritual em homenagem à divindade Pachamama para solicitar permissão de construir a ferrovia Maya no sudeste do México. Hugo Chávez, Nicolas Maduro, Cristina Fernández de Kirchner, Andrés Manuel Lopez Obrador, Evo Morales e Daniel Ortega são apenas alguns chefes de Estado que participaram oficialmente de cultos em homenagem à Mãe Terra. Portanto, não é apenas um fato religioso puramente peruano, mas estamos diante de um fato político real que está inserido em uma agenda política precisa que promove o pensamento panteísta. Exclui a ideia cristã de um Deus transcendente em relação à criação e coloca a dignidade da terra acima da dignidade da pessoa humana. Uma revolução cultural copernicana está sendo tentada: superar o antropocentrismo da modernidade com um ‘geocentrismo’ ecológico. A Terra, e não o ser humano deveria estar agora no centro do cosmos, a tal ponto que já ouvimos discursos em que a limitação dos direitos humanos em favor dos ‘direitos’ da Terra é teorizada.
“A Pachamama é um engano teológico para os cristãos. Como vimos, é uma divindade inca pagã. As imagens que a reproduzem do ponto de vista teológico são simplesmente ídolos. O fato de um teólogo, um padre, um bispo, um cardeal, um papa ou um simples crente não conseguir reconhecer esse fato aparentemente indiscutível parece realmente perturbador e completamente incompreensível. Poderíamos dizer que estamos diante de um novo eclipse de consciência, desta vez não na esfera da lei da vida, mas na esfera do primeiro e mais importante mandamento: nos direitos de Deus. A isso advém a circunstância agravante de que não apenas a consciência de um povo, mas a consciência da própria Igreja é obscurecida por esse culto de Pachamama. À luz da revelação divina contida na Palavra de Deus, na Tradição da Igreja e no Magistério, a pergunta é muito simples: fazer ídolos para adoração é um pecado muito grave. Prostrar-se diante dos ídolos é idolatria. Oferecer-lhes dons e sacrifícios, carregando-os em triunfo, colocando-os em um trono, coroando-os e queimando-os incenso é uma idolatria manifesta totalmente imoral. Colocá-los em altares ou em igrejas consagradas para adorá-los é uma profanação verdadeira e clara.
“O culto à Pachamama é uma decepção em termos de compreensão da tolerância. A sensibilidade dos fiéis parece ferida quando experimentam o sombrio espetáculo de ídolos adorados nas igrejas católicas. É um fato profundamente desagradável que requer uma condenação estrita. Isso não é falta de respeito ou tolerância em relação a pessoas que professam uma religião diferente. Respeitamos as crenças religiosas de todos, mas trata-se de impor tolerância à idolatria nas Igrejas católicas e em locais profanados pela presença de ídolos. Isso não é aceitável. Tolerar tudo isso significa ser cúmplices da profanação. Por esse motivo, o gesto de ‘idoloclasmo’ (destruição de ídolos), corajosamente realizado na Igreja romana de Santa Maria na Traspontina, é a expressão da mais nobre fé. Não é assunto de calúnia, mas merece um elogio.
“O culto à Pachamama é um engano da inculturação. O princípio da inculturação é a proclamação do Evangelho, que pode ser acolhida por todos os povos de todas as culturas. O dinamismo da evangelização leva a um processo gradual de transformação da cultura que acolhe a Palavra de Deus e penetra no coração da mesma cultura através da conservação do bem, da purificação do mal que está contido nela, e traz uma evolução dinâmica da fé que sempre pode renovar tudo. Sem considerar o critério do contraste não podemos falar de inculturação. É claro que a evangelização é um contraste necessário com os graves aspectos imorais das culturas que ela busca alcançar e, obviamente, exige a renúncia à idolatria.”
A saga da Pachamama é um raio-x preciso do estado interior da Igreja neste momento dramático da História, lembrando das palavras verdadeiramente proféticas do Prof. Joseph Ratzinger em seu ensaio Os novos pagãos e a Igreja, publicado pela primeira vez na revista “Hochland” (outubro de 1958). As seguintes palavras chocantes de Joseph Ratzinger podem certamente ser lidas como uma espécie de comentário atual sobre o acontecimento do culto à Pachamama ocorrido no Vaticano e justificado pelo Papa Francisco: “O paganismo hoje está na própria igreja, e é isso que caracteriza a Igreja de nossos dias, bem como o novo paganismo, de que é um paganismo na Igreja e uma Igreja em cujo coração vive o paganismo”.
As seguintes palavras flamejantes do coração de Dom José Luíz Azcona, um missionário amazônico e um digno sucessor dos apóstolos, continuam brilhando na história: “Um dos aspectos mais vergonhosos deste gesto idolátrico [no Vaticano] tem sido o esmagamento da consciência dos ‘pequenos’ pelo escândalo.”
Em vista do fato inegável da gravidade objetiva dos atos de culto à Pachamama no Vaticano, com suas nítidas implicações pseudo-religiosas e sua instrumentalização pela propaganda da religião mundial globalista da “Mãe Terra”, pode-se ainda falar de inocuidade desses atos ou refugiar-se no álibi dos “ritos chineses”? Isso significaria defender o indefensável.
Na época da grande confusão eclesial doutrinal e pastoral da crise ariana no século IV, Santo Hilário de Poitiers [quadro ao lado], o Atanásio do Ocidente, tinha a convicção de que esse estado não devia ser aceito com silêncio ou por uma minimização da situação. Estas suas palavras, citadas a seguir, são extremamente oportunas e assaz aplicáveis ao escândalo acontecido no Vaticano pela veneração da Pachamama: “A partir de agora, o silêncio não seria mais chamado de discrição, mas de inércia” (Contra Const. 1).
Todos na Igreja dos nossos dias que não minimizaram nem aceitaram silenciosamente os atos de culto a Pachamama no Vaticano, mas levantaram sua voz de advertência, devem ser objeto de gratidão e apreço, antes de tudo os leigos que, movidos por seu senso sobrenatural de fé e através de seus atos, expressaram seu verdadeiro amor e respeito pelo Papa e por sua Mãe, a Santa Igreja Católica.
18 de novembro de 2019
+ Athanasius Schneider,
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Santa Maria em Astana
ABIM
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* Matéria publicada orignalmente em alemão no site Kath.net (19-11-19). Em inglês foi publicada por www.lifesitenews.com (20-11-19).
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