Quase um quarto das terras públicas na Amazónia brasileira foram registadas ilegalmente como propriedades privadas, aponta um levantamento divulgado pelo Instituto Pesquisa Amazónia (Ipam) e pela Universidade Federal do Pará (Ufpa).
O levantamento descobriu que de 49,8 milhões de hectares de floresta amazónica, uma área que equivale ao tamanho da Espanha, de terras sem destino dos estados e do Governo central do Brasil, cerca de 11,6 milhões de hectares (23%), foram ilegalmente declaradas como imóveis rurais, de uso particular, no sistema nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR).
As terras sem destino na floresta amazónica são áreas que ainda não foram classificadas como zonas de proteção ou para uso sustentável de recursos naturais, como previsto na Lei de Gestão de Florestas Pública do Brasil, de 2006.
Os estados brasileiros eram proprietários da maior parte destas terras, 32,7 milhões de hectares, enquanto o Governo Federal possui 17,1 milhões de hectares.
O levantamento indicou que a apropriação ilegal de terras públicas, ato conhecido no Brasil pelo termo grilagem, se traduz em ações de desflorestação.
Nessas áreas, os pesquisadores identificaram 2,6 milhões de hectares derrubados até 2018, uma área do tamanho do estado brasileiro de Sergipe.
"Tal destruição gerou a emissão de 1,2 bilião de toneladas de CO2, o principal gás do efeito estufa. Oitenta por cento da área desmatada (2,1 milhões de hectares) apresenta registo no CAR, demonstrando a intenção de uso privado de uma área pública", revela o levantamento.
Se toda a área registada até hoje como propriedade privada na Amazónia brasileira fosse legalizada, de 2,2 a 5,5 milhões de hectares poderiam ser derrubados nos próximos anos -- isso seguindo os limites definidos pelo código florestal do país.
A pesquisa mostrou ainda que, nos últimos anos, a apropriação ilegal de florestas em áreas sem destino aumentou.
Em 2019, foi a categoria fundiária onde mais se derrubou floresta na Amazónia, de acordo com dados do Deter, o sistema de alertas de desmatamento do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A tendência se mantém em 2020.
Paulo Moutinho, do Ipam, um dos autores principais do estudo, explicou que na Amazónia pessoas chamadas popularmente de grileiros apropriam-se indevidamente destas terras públicas registando-as como suas ou no nome de outras pessoas que atuam como fantasmas para em seguida desflorestar os locais.
"Depois de desflorestar a área, coloca algumas cabeças de gado para se dizer pecuarista e tenta de todos os jeitos a regularização, ou espera um desavisado comprar a terra. Uma vez vendida, essa terra entra no sistema de produção agropecuária, e o novo dono e seus produtos carregam esse passivo, enquanto o grileiro passa para a próxima área", acrescentou o especialista.
Os investigadores frisaram que o CAR, sistema brasileiro de registo de terras, constituído por um sistema de autodeclaração dos proprietários de terra, permite que infratores tentem forjar uma ocupação irregular declarando-a como regular. Por isso, segundo os investigadores, é preciso barrar a validação desses cadastros falsos no sistema.
"Esses registos estão na base de dados do Governo. Para atuar contra a ilegalidade, é fundamental que o poder público atue para, no mínimo, avaliar a legalidade da ocupação destas áreas, pois isso é roubo do património público", disse Moutinho.
Já a pesquisadora Claudia Azevedo-Ramos, da Ufpa, que liderou o estudo, destaca o papel dessas florestas em processo de apropriação ilegal para a preservação do meio ambiente.
"É preciso destinar essas florestas para fins de proteção e uso sustentável. Preservar esses ecossistemas significa respeitar os direitos das populações tradicionais e indígenas, que muitas vezes são expulsos pelos grileiros, além de manter a chuva e o clima estáveis, fundamentais para a produção agrícola na Amazónia", concluiu.
Lusa
Nenhum comentário:
Postar um comentário