quinta-feira, 12 de agosto de 2021

A esquerda está levando o Chile à deriva

Estátua de Pedro de Valdivia, conquistador do Chile, sendo arrancada de seu pedestal pelos baderneiros na cidade de Concepción

As forças revolucionárias querem reconduzir a nação chilena aos tempos do marxista ex-presidente Allende, para a mesma situação da qual o sofrido povo cubano quer sair?

Primeiro no Chile, a pretexto do aumento nas passagens de Metrô, depois nos Estados Unidos, a pretexto da morte de George Floyd, e a seguir na Colômbia, a pretexto de uma reforma tributária, movimentos de ideologia marxista, impossibilitados de galgar o Poder através de eleições livres, têm provocado violentas arruaças, vandalizando igrejas, monumentos e símbolos pátrios, tudo com vista a implantar uma revolução anárquica nas Américas.

A nação chilena parece ter sido escolhida pelas forças revolucionárias como um “laboratório” no qual, dependendo do resultado do teste, se deseja impor uma nova carta constitucional de teor radicalmente marxista. Tudo em nome de alegadas reivindicações populares, as quais prometem no início coisas aparentemente bonitas, como um novo tipo de economia “solidária e respeitosa da terra”, para na realidade camuflar seu verdadeiro objetivo: o estabelecimento de um estado de coisas comuno-tribalista.

Por nos ser difícil prever no que dará essa revolução anárquica, entrevistamos um dos maiores estudiosos da atual situação chilena, o Sr. Juan Antonio Montes Varas, presidente da Fundação de Estudos Culturais Roma e diretor da Associação Ação Família. Ele é autor de dois livros — Da Teologia da Libertação à teologia eco-feminista Um combate contra-revolucionário e anticomunista no Chile ao longo de meio século. 1967-2021 —e coautor de outras três obras sobre a atual crise da família e a situação política de seu país. Foi durante muitos anos diretor da Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) e já tem colaborado com Catolicismo.

Nosso entrevistado: Juan Antonio Montes Varas

Vista a partir do Brasil, a situação chilena parece bastante confusa. O que o senhor pode nos dizer a respeito?

Precisamente que o qualificativo que o senhor usa é o mais adequado. A situação chilena é confusa e os chilenos também estão confusos, procurando uma saída que não conseguem encontrar.

A que caminho está se referindo?

O Chile viveu as últimas três décadas com um sistema de respeito à livre iniciativa e de incentivo ao investimento, tanto nacional quanto internacional, com resultados tão exitosos que conseguiu reduzir a pobreza de forma decisiva.

Não é o caso de reproduzir todas as estatísticas, mas apenas um dado do Banco Mundial: “O Chile tem sido uma das economias que mais cresceram na América Latina nas últimas décadas, o que permitiu ao país reduzir significativamente a pobreza no ano 2000 e 2015. A proporção da população considerada pobre (US $ 4 por dia) foi reduzida de 26% para 7,9% por cento”.

No entanto, junto com essa prosperidade econômica cresceu, principalmente nos setores mais jovens da população, um sentimento de insatisfação por não conseguir tudo, de maneira fácil e imediata.

Junto com a prosperidade econômica, havia na sociedade chilena até o início dos anos 1990, uma percepção clara de que a família naturalmente composta por um pai e uma mãe era a mais importante das instituições, merecedora de cuidados e proteção.

Ambas as convicções, a do esforço individual e a da centralidade da família, diluíram-se, dando origem a um desejo crescente de libertação sexual e bem-estar proporcionado pelo Estado.

Qual foi a causa dos excessos ocorridos a partir de outubro de 2019?

O pretexto para a violência e queima de estações do Metrô foi o aumento de 30 pesos (0,21 reais) na passagem.

Não houve nenhuma “causa”, mas sim um mero pretexto. Esse bolsão de descontentamento, que numericamente não é a maioria, mas que foi bem orquestrado pelas forças políticas de esquerda, irrompeu violentamente nas manifestações que começaram naquele dia. O pretexto para a violência e queima de estações do Metrô foi o aumento de 30 pesos (0,21 reais) na passagem. Esse aumento produziu de imediato o assalto às estações do Metrô, a queima de muitas delas, o atentado a propriedades públicas e privadas, que se repetiram sem parar durante vários meses.

O quadro de revolta social também foi aplicado nos Estados Unidos, em “razão” da morte de George Floyd, e depois na Colômbia. Essa semelhança de desproporção entre uma “causa” aparente e suas consequências destrutivas mostra que estamos diante de um novo tipo de revolução anárquica.

Quais foram as consequências dessa violência?

Antes de passar às consequências, gostaria de me referir ao atentado que os desalmados perpetraram contra as igrejas católicas, especialmente no bairro onde eram convocados seus atos violentos. Nesses ataques ocorreram cenas de caráter satânico e de culto ao demônio, que os mesmos autores registraram em vídeos e fotografias.

Essa característica antirreligiosa e aquele ódio a Deus dos manifestantes mostram a profundidade revolucionária dos instigadores desses atos.

Passando às consequências que o senhor me pergunta, devo dizer que foram muitas e de todos os tipos. Obviamente, a mais notória foi a de ordem econômica, já que a destruição de propriedades públicas e privadas em todo o Chile foi de grandes proporções. No entanto, não foi a pior consequência, pois os edifícios públicos podem ser reerguidos.

A pior consequência foi mudar os rumos do país, lançando uma dúvida profunda sobre a necessidade de um progresso ancorado no esforço individual e estimulando a noção de uma sociedade dependente de um Estado supostamente benfeitor, que está, pelo contrário, se tornando dominante e devastador.

E como aconteceu essa “mudança de rumo” a que o senhor se refere?

Fenômenos sociais profundos normalmente ocorrem de forma gradual. Conforme explica o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, elas começam com uma transformação nas tendências sociais e, posteriormente, geram ideias e revoluções. A transformação das tendências é o que mencionei.

Junto com isso, tornou-se evidente aos olhos de todos os setores da vida nacional a péssima gestão que o governo do presidente Piñera teve em relação aos atos de violência, apelando para um “Acordo de paz social e nova constituição”, pondo um ponto final na Constituição de 1980.

E como terminou esse Acordo?

No pior cenário possível. A participação no plebiscito que questionou a aprovação ou rejeição de uma nova Constituição foi muito baixa. Quase 50% dos eleitores não compareceram para votar, o que indicou um desinteresse de metade da população, a qual a esquerda queria mostrar como muito ativa para aprovar essa mudança.

Os votos favoráveis à mudança da Constituição somaram 78% e os contrários 21,72%. O plebiscito também aprovou que se deixasse sua redação para uma Convenção Constitucional, independente do atual Congresso.

Quais foram os resultados das eleições para membros da Convenção?

O quadro de revolta social também foi aplicado nos Estados Unidos, em “razão” da morte de George Floyd, e depois na Colômbia.

Ao contrário do esperado, nas eleições ocorridas nos dias 15 e 16 de maio passado, houve um aumento de abstenção em relação ao plebiscito, desta vez chegando a 57% do eleitorado.

Entre os convencionais eleitos surpreendeu o elevado número de candidatos chamados de “independentes”, os quais não são senão aqueles que iniciaram os protestos em outubro de 2019, hoje conhecidos como “lista do povo”.

Por sua vez, o centro-direita obteve uma representação muito baixa, o que não fornece nem mesmo a parte necessária para impedir a aprovação de um texto abertamente marxista. O começo dos trabalhos da Convenção Constituinte tem sido um verdadeiro circo, com cenas de violência física e ameaças aos representantes de centro-direita.

Com base nesses resultados, quais são as previsões para o futuro institucional do Chile?

Ainda é prematuro fazer previsões. No entanto, os motivos de apreensão são muito grandes, já que boa parte dos convencionais eleitos pertence a essa esquerda mais radical, que iniciou e levou ao surgimento dos atos de violência em outubro de 2019.

E o que postulam esses setores da extrema-esquerda?

Seus postulados obedecem à visão de grupos de ideologia radical feminista, ambiental, indígena e de gênero. Essas ideologias preconizam tanto o “decrescimento” nas questões econômicas, quanto a “desconstrução” no campo dos princípios sociais, especialmente da família.

Opõem-se a todas as ações econômicas promovidas pelas empresas mineradoras, pesqueiras e, em geral, extrativistas, apoiando um novo tipo de economia “solidária e respeitosa da terra”. Tudo isso pode soar bonito a ouvidos desavisados, mas nada mais é do que a promoção da pobreza religiosa voluntária, transformada em um ideal civil, forçado e universal.

E em matéria indigenista?

A Convenção também cedeu lugar a um “grupo de povos indígenas” que exige a divisão do território nacional em vários “territórios soberanos e independentes”, tal como existia antes da chegada de Pedro de Valdivia e do feito colonizador espanhol. Ou seja, apagar 500 anos de história e voltar ao obscurantismo tribal e mágico, como previsto pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 1977.1

No entanto, a realidade chilena é muito diferente da brasileira nesse aspecto. Nosso território é geograficamente pequeno e estreito, o que favoreceu o fato de o país sempre ter sido unitário e as raças mistas, desde o início de nossa história. Não existem grupos étnicos puros ou áreas territoriais autônomas intocadas. A imposição dessa agenda poderia significar uma verdadeira guerra fratricida entre as várias etnias, bem como entre elas e os chamados huincas ou brancos, com enorme prejuízo à ordem moral e jurídica.

Qual está sendo a posição dos adeptos convencionais do centro-direita?

No momento tem sido uma atitude de inibição e medo. Poucos convencionais de direita parecem dispostos a travar uma batalha em defesa dos princípios que fizeram do Chile uma boa exceção no continente.

Ouve-se uma frase que pretende sintetizar a atitude deles: “trincheira ou diálogo”, querendo indicar que em vez de “se entrincheirarem” na defesa dos princípios pelos quais foram eleitos, devem dialogar com os seus adversários. O problema é que a esquerda já optou pela trincheira, ou, ainda pior, pelo “campo devastado” de todos os princípios da civilização cristã.

Não é difícil imaginar como será o futuro quando a maioria da esquerda quiser passar o rolo compressor sobre uma importante minoria psicologicamente diminuída e desmobilizada.

Diante desse panorama, quais têm sido as iniciativas daqueles que seguem o pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira no Chile?

O pensamento do Dr. Plinio no Chile sempre teve um grande impacto. Acabo de publicar um livro sobre o assunto, intitulado Um combate contra-revolucionário e anticomunista no Chile ao longo de meio século. 1967-2021, onde é feito um relato detalhado dessa realidade.2

Desenvolvemos ações por meio de duas iniciativas concomitantes, “Acción Família” e “Credo Chile”. A primeira delas assume a defesa da família cristã desde 1999 e se tornou uma referência para muitos chilenos.3

Por sua vez, o “Credo Chile” tomou como campo de ação a denúncia de todas as iniciativas de caráter estatista e socialista que a esquerda está promovendo no país. Ele publicou vários livros e estudos onde está constantemente alertando dezenas de milhares de chilenos por meio de seu site.4

Também faz parte de nossas atividades a veiculação semanal, por meio de mais de 50 rádios em todo o país, de um programa de comentários sobre as notícias do ponto de vista da doutrina católica tradicional.

Em todas essas ações seguimos o pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira, que sempre utilizou todos os legítimos recursos ao seu dispor para promover a Contra-Revolução.

Algum pensamento final para nossos leitores da revista Catolicismo?

Imaculada Conceição, séc. XVIII. Atribuída a Anton Raphael Mengs

Sim, a última palavra com a qual gostaria de encerrar esta interessante conversa é a de confiança.

Confiamos que a Providência Divina saberá multiplicar os esforços humanos, sempre pequenos e imperfeitos, para transformá-los em instrumentos eficazes nas mãos d’Aquela que o Beato Pio IX invocou para definir o Dogma da Imaculada Conceição: “Mas nos sentimos muito firmes na esperança e confiança absoluta que a própria Santíssima Virgem, que toda bela e imaculada esmagou a cabeça venenosa da mais rude serpente, e trouxe saúde ao mundo […] fará com o seu mais precioso patrocínio que a Santa Madre Igreja Católica remova todas as dificuldades e derrote todos os erros, em todos os povos, em todos os lugares, tenha vida cada vez mais florescente e vigorosa e reine de mar a mar e de rio aos confins da terra, e goze de toda paz, tranquilidade e liberdade”.5


ABIM

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Notas:

  1. Plinio Corrêa de Oliveira, Tribalismo Indígena: ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI.
  2. Juan Antonio Montes Varas, Un combate Contra-Revolucionario y anticomunista en Chile, a lo largo de medio siglo. 1967-2021, ed. Fundación de Estudios Culturales Roma. Primeira edição abril/2021.
  3. https://www.accionfamilia.org/
  4. https://www.credochile.cl/
  5. “Inefável Deus”, Epístola Apostólica de Pio IX, 8 de dezembro de 1854.

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