sábado, 19 de março de 2016

Jornalismo para saúde necessita de especialização




Um estudo publicado recentemente, na cidade de Maputo, sobre a mediatização da saúde no país explica que a falta de especialização nas redações e a escassez de tempo podem justificar a confiança dos jornalistas em publicar informações, previamente, preparadas por entidades oficias ou gabinetes de assessoria e de relações públicas.


Vários jornais nacionais foram alvos de um estudo, no ano transacto sobre a publicação de notícias e reportagens sobre saúde pública, por parte do Programa Para Fortalecimento da Média (IREX).

Análise aborda a mediatização da saúde na imprensa moçambicana, representada pelos jornais diários, O País, Correio da Manhã, Jornal Notícias (JN), Diário de Moçambique, Ponto Certo, e Mediafax e pelos semanários Savana, Domingo, Zambeze, A Verdade e Canal de Moçambique em que foram analisados 831 artigos de 13 órgãos de informação.

De acordo com o estudo, a imprensa desempenha um papel importante na veiculação de comportamento saudáveis e de medidas básicas que a população deve adoptar para impedir a propagação de doenças que são geralmente preveníeis e tratáveis com particular relevância para a malária, e partilhando normas sociais que influenciam mudanças de comportamentos.

Por exemplo, o relatório aponta que ao focalizar as reportagens sobre os efeitos nefastos do lixo acumulado perto das casas, os jornalistas podem encorajar mais ações nos bairros para manter o ambiente imediato limpo e livre de águas paradas nas quais os mosquitos se reproduzem.

“Como a malária é uma doença que afecta a maior parte do território nacional, tanto o espaço urbano assim como o rural e é mais frequente em determinados períodos do ano, as rádios comunitárias tem um papel particularmente importante na elaboração de matérias, reportagens e entrevistas nesses intervalos de tempo”, lê-se.

A imprensa também podem informar sobre a disponibilidade dos serviços pré-natais para mulheres gravidas, distribuição de redes mosquiteiras, e sobre outras medidas de saúde preventiva.

Análise quantitativa

O mesmo estudo explica que durante mesmo período, o Jornal Notícias é o meio de comunicação que deu mais destaque, em termos numéricos, à saúde. Os outros jornais, excetuando-se “O País” e o Diário de Moçambique, apresentam um número reduzido de notícias sobre o mesmo tema.

“O Ponto Certo é o órgão que faz menor referência aos assuntos de saúde, dada a dimensão do conteúdo noticioso que apresenta. Porém, importa mencionar que o facto de os diários exibirem mais notícias sobre a saúde não significa que não existam semanários que tenham dado o devido destaque ao jornalismo de saúde”.

Aliás, prossegue a fonte, se olharmos para a percentagem do conteúdo em função do número de páginas de cada órgão de informação, ao longo do ano, é possível verificar que o jornal Domingo é o semanário que dedicou maior espaço percentual a temática de saúde (2.9 porcentos).

“O Canal de Moçambique dedicou 1.6% do seu espaço total na veiculação sobre a temática. Os semanários A Verdade, Canal de Moçambique e Zambeze imprimiram 1664 páginas cada um”, explica.

Por seu turno, o jornal Domingo publicou 49 com conteúdo de saúde, o Canal de Moçambique 27, o A Verdade 26, o Savana 16.5 e o Zambeze 15…O Zambeze e o Savana com 0.9% são os jornais semanários com menor percentagem.

Análise Qualitativa

O mesmo estudo explica ainda que a título de exemplo, na peça “Aumentam casos de bilharziose em Muecate”, da edição de 19 de Fevereiro do Jornal Notícias, não se encontrou qualquer referência ao pensamento das vítimas.

Conforme aponta o mesmo estudo, o referido texto somente dá voz ao posicionamento das fontes oficias. Faz referência aos diretores nacionais e distritais de saúde, mas é impossível descortinar as formas de contágio ou como a lavagem de roupas e de utensílios domésticos nas margens do rio contribuem para a propagação de doenças.

“A cobertura jornalística nestas circunstâncias peca por não ser precisa, equilibrada e completa, para que o público esteja informado e preparado para participar na tomada de decisões sobre cuidados de saúde”.

A mesma situação, segundo a mesma fonte, verifica-se na peça “Surto de diarreias em Maputo, Nampula e Pemba”, do dia 25 de Janeiro de 2013 do mesmo jornal, em que não há pluralidade de fontes.

De acordo com o estudo, a informação publicada foi prestada pelo diretor distrital dos Serviços de Saúde Mulher e Acão Social da Cidade de Nampula, Leonel Namuquita. Contudo, em relação a cidade de Maputo e Cabo Delgado não há qualquer referência as fontes utilizadas.

Observou-se ainda que no que diz respeito a pluralidade de fontes, o Semanário Domingo ignora o princípio do contraditório. Efetivamente, a exceção das fontes oficias, a notícia não reflete o confronto das partes envolvidas, para que a perspetiva de todas elas ficasse registada.

“É certo que o propósito do jornalismo e de informar, mas isso deve ser feito com rigor para promover uma educação para a saúde junto do público”, aconselhou.

Note-se que essa exigência informativa de qualidade nem sempre é cumprida, por exemplo, o exemplo seguinte, extraído do jornal A Verdade de 8 de Fevereiro de 2013, retrata esta imprecisão “…o preço de carteira de Coartem, um medicamento usado para o tratamento da malária, custa 120 a 300 meticais, contra 30 a 50 meticais praticados no mercado negro”.

Segundo o estudo, não basta mencionar que o preço de medicamentos disparou é igualmente, necessário fazer referência a variação de preços e explicar o que a torna tão grande, é também necessário abordar os perigos da aquisição de medicamentos nos meios informais.

Constatações

O relatório indica que com o estudo “pretendíamos estudar a mediatização da saúde na imprensa moçambicana”.

O mesmo estudo ajunta ainda que se quisermos caracterizar o perfil das fontes as quais os jornalistas recorreram, poder-se-á dizer que esta é masculina, oficial e com fala desenraizada de um lugar geográfico especifico-portanto, de nível nacional.

É o caso do ministro da Saúde, Alexandre Manguele, que é uma fonte recorrente nas notícias analisadas, no contexto da greve dos médicos.

Observou-se também que predominam as fontes oficias, devido a utilização de comunicados e notas de imprensa emitidos pela Direção Nacional de Saúde sobre a crise dos medicamentos.

Por diante, explica ainda a fonte que temos vindo a citar que pelo facto de os jornais públicos analisados construírem as notícias sobre a greve dos médicos e a crise dos medicamentos com base em comunicados de imprensa e fontes oficias, faz com que haja uma replicação do conteúdo dos textos noticiosos de um meio de comunicação para outro.

“A falta de especialização nas redações e a escassez de tempo podem justificar a confiança dos jornalistas em informação pronta a publicar, previamente preparada por entidades oficias ou gabinetes de assessoria e relações públicas”.

Durante a greve dos médicos, o estudo frisa que ocupou a agenda dos órgãos de informação, o público foi recebendo informação transmitida por vários órgãos, com uns privados, pregando o caos no sector da saúde, e outros, os públicos, desdramatizando a situação vivida no sector.

“Foi através dos órgãos públicos que as mensagens das fontes oficias foram difundidas, alegando terem a situação controlada”.

Em termos de discurso, de acordo com a fonte, os jornais analisados transmitem duas mensagens distintas, as fontes oficias mantem um registo tranquilizador, evitando o alarme social, e as fontes especializadas dividem-se entre as explicações médicas e científicas e as críticas reiteradas ao governo, por ter ignorado a possibilidade da greve.

“Desta análise fica a ideia de que o discurso mediático representa as mulheres de forma muito reduzida, ou seja, o género feminino continua a ter pouca visibilidade”, lê-se

Recomendações

O estudo recomenda que mais do que publicar o conteúdo noticioso em forma de texto é necessário atribuir a fotografia a sua importância na definição do estilo informativo e gráfico das publicações e não assumi-la como género menor ou um mero suporte ilustrativo.

Recomenda-se ainda que a media deve oferecer ao público um conteúdo de qualidade com análise critica e aprofundada das questões abordadas.

Paralelamente, deve-se pesquisar e dar informações úteis a prevenção de doenças, bem como, divulgar e fiscalizar as políticas públicas.

Para o mesmo estudo, deve-se igualmente, divulgar e encorajar comportamentos e boas práticas de higiene.

Por fim, o mesmo estudo recomenda que deve-se evitar atribuir uma declaração ou comentário a fontes anonimas.

“O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte da informação”.

Por outro lado, o mesmo estudo destaca que a proteção das fontes de informação determina uma responsabilidade acrescida do jornalista naquilo que escreve e nela se joga boa parte da credibilidade.


Dávio David

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