segunda-feira, 28 de março de 2016

Macroscópio – Ainda a Páscoa, antes de outros assuntos

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


O intervalo da Páscoa foi, este ano, mais agitado do que é habitual num período em que, por regra, há menos notícias e menos temas a animarem as redacções. Os atentados de Bruxelas provocaram um novo sobressalto e, como referimos em mais do que um Macroscópio a semana passada, vieram colocar-nos face ao dilema de não sabermos até que ponto estamos a viver uma nova, e assustadora, normalidade. Não regresso porém ao tema, já que me pareceu oportuno assinalar o período que atravessamos para sugerir algumas leituras mais tranquilas, relacionadas com a quadra que acabamos de viver. Nem sequer a promulgação pelo Presidente da República do Orçamento do Estado e a sua inédita comunicação, pela sua previsibilidade, sugerem que me cinja a um dos temas do dia (quem, mesmo assim, quiser conhecer as opiniões de um naipe de comentadores, convidados pelo Observador, pode consultá-lasaqui).

O primeiro texto que vos sugiro é uma entrevista com Joseph H.H. Weiler, um intelectual de renome que defendeu perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos o direito da Itália a ter crucifixos nas paredes das escolas e o direito da França a não os ter. O resultado da conversa saiu no Observador com um título sugestivo – “Há pelo menos 14 erros no julgamento de Jesus” – e dele retirei a seguinte passagem:
Aquilo que digo sobre o julgamento de Jesus costuma deixar alguns cristãos e alguns judeus muito zangados e outros cristãos e outros judeus muito contentes. É igualmente ofensivo e não ofensivo. Os judeus ficam muito zangados porque durante dois mil anos disseram que não eram responsáveis pela morte de Jesus. E nos meus seminários e conferências eu digo que eles foram, efetivamente, responsáveis pela morte de Jesus. E os cristãos ficam muito zangados porque eu digo que era isso que Deus queria. Eu digo que os judeus mataram Jesus porque, de acordo com a lei que Deus lhes deu, era isso que tinha de ser feito.

Esta entrevista foi possível porque Joseph H.H. Weiler passou recentemente pela Gulbenkian, onde deu uma conferência, a que na altura assistiu um colunista do Observador, P. Gonçalo Portocarrero de Almada, que lhe dedicou uma crónica, “O julgamento de Jesus”. Eis o essencial do que extraiu dessa conferência: “Na sua abalizada opinião, esse processo, cujas repercussões culturais vão muito além do âmbito confessional ou meramente religioso, estabeleceu três principais consequências, que o jurisconsulto norte-americano considerou estruturantes da cultura jurídica moderna, bem como da civilização ocidental. A saber: todas as pessoas, desde as socialmente mais importantes até às aparentemente de mais baixa condição, têm direito a serem julgadas; todos os julgamentos devem ser justos, ou seja, realizados de acordo com as exigências da justiça e as normas processuais vigentes; e todas as pessoas, também as condenadas pelos piores crimes, têm direito a um tratamento de acordo com a dignidade humana.”

Passo agora ao Expresso, onde Frederico Lourenço escreveu O Túmulo Vazio (paywall), um texto introduzido como sendo “Um olhar histórico sobre a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, o mistério maior da fé que se coloca há dois mil anos. Para crentes e para todos os outros”. Uma boa parte do texto corresponde a uma análise da forma – nem sempre coincidente, bem pelo contrário – como os quatro evangelhos descrevem a descoberta do túmulo vazio onde deveria estar o corpo de Jesus Cristo. Comparando as descrições de Marcos, Mateus, Lucas e João, o autor nota que “Madalena é o verdadeiro denominador comum dos quatro relatos sobre o túmulo vazio. É ela que chega sozinha ao túmulo no domingo de manhã: ainda estava escuro (contrariamente ao que nos diz Marcos, que afirma explicitamente que já nascera o sol). Ao ver a pedra removida da entrada, Madalena desata a correr. Vai dar logo a notícia a Pedro e ao discípulo “que Jesus amava” (João 20:2), que, por sua vez, se põem também a correr. Vão todos em alvoroço até ao túmulo, mas quem corre mais depressa é o próprio autor do Evangelho, o discípulo amado. É ele que chega primeiro ao túmulo. Espreita lá para dentro e vê os panos depostos. Pedro chega logo de seguida e entra no túmulo. O discípulo amado entra atrás dele. “Viu e acreditou”. 

Mas que sentido fará recapitular estes textos, dois mil anos passados? Frederico Lourenço responde: “Para aqueles que não são crentes nem ateus, mas que leem de espírito aberto estes textos indispensáveis, constituirá porventura ressurreição suficiente o facto de, neste mundo onde Jesus de Nazaré morreu, podermos afirmar que, bem vistas as coisas, Ele afinal não morreu. Porque a verdade é esta: tanto crentes como não-crentes andaremos às voltas com Jesus nas nossas cabeças, enquanto houver seres humanos na Terra.”

Esta conclusão funciona bem como passagem para um texto do Wall Street Journal, The Challenge of Easter, precisamente porque neste se pretende mostrar que “Whether you’re a believer or not, there is no way to ignore the radical claim of the Resurrection”. A perspectiva é agora diferente, pois o autor assume-se como crente e defende que a Páscoa manteve um identidade mais forte do que as festividades de Natal. E tenta explicar porquê:
If you don’t believe in the Resurrection, you can go on living your life while perhaps admiring Jesus the man, appreciating his example and even putting into practice some of his teachings. At the same time, you can set aside those teachings that you disagree with or that make you uncomfortable (…). You can set them aside because he’s just another teacher. A great one, to be sure, but just one of many. If you believe that Jesus rose from the dead, however, everything changes. In that case, you cannot set aside any of his teachings. Because a person who rises from the grave, who demonstrates his power over death and who has definitively proven his divine authority needs to be listened to. What that person says demands a response. In short, the Resurrection makes a claim on you.

O que nos pode levar a uma outra questão, que o El Pais coloca abertamente e que tem um âmbito mais vasto do que esta época da Páscoa ou mesmo o Cristianismo: ¿Por qué la gente sigue creyendo en Dios? O interesse maior deste texto, na minha perspectiva, é que não estamos perante um ensaio filosófico e muito muito menos teológico, antes numa secção de Ciência e falando de evolução. O seu ponto de partida é que “La universalidad de las creencias religiosas sugiere que fueron útiles para la supervivencia y favorecidas por la selección natural”. A tese, como é natural, é desafiante tanto para crentes como para não crentes. Eis como apresenta um dos estudos que cita (mas há mais, há mais ao longo do texto): “Los estudios con gemelos idénticos y mellizos separados al nacer llevados a cabo por el investigador Thomas Bouchard muestran que la carga genética está relacionada con lo religiosa que es una persona. Los gemelos nacidos de un mismo óvulo tenían una forma de pensar mucho más parecida entre sí que los mellizos que nacieron a la vez pero de distintos óvulos. Uno de los hallazgos más llamativos de este tipo de estudios es que si un gemelo era criado en una familia atea y otro en una católica practicante, ambos acabarían manifestando de un modo muy similar su fe o su falta de ella. Además, Bouchard vio que la relación entre la influencia genética se incrementa respecto a la del entorno con el paso de los años, cuando la influencia de los educadores se reduce.”



Antes de terminar uma referência especial a uma Páscoa especial, uma Páscoa de há cem anos. Ou, mais exactamente, à “Revolta da Páscoa”, momento marcante da luta dos irlandeses pela independência. Quem se recorda do filme Michael Collins (1996) sabe que esse retrato de um dos principais líderes da luta independentista começa exactamente nesse momento de viragem, pelo que não surpreende que a imprensa anglo-saxónica esteja a marcar este centenário. Do que tem sido publicado, deixo duas sugestões:
  • Ireland: ‘A Terrible Beauty Is Born’, um ensaio de Denis Donoghue na New York Review of Books e que tem como base um livro recente, Vivid Faces: The Revolutionary Generation in Ireland, 1890–1923, de R.F. Foster. Um livro cjo objecto resume assim: “Foster’s aim in Vivid Faces, as I interpret it, is to remove the halo of the sublime from the martyred Pearse and his friends, and to present “the revolutionary generation” as a generation like any other: just like the American, the French, the Russian, Paris in 1968, Berkeley, any rising you care to name. He recognizes that a sense of the sublime is not subject to criticism: there is no point in assuring a victim or an adept of the sublime that he has nothing to fear; he has plenty to fear, to begin with, and he must tense his nerves and feel satisfaction in doing so.”
  • My family’s link to the 1916 Easter Rising é um relato de Ed Vulliamy, um veterano do Guardian, sobre o que ele próprio descobriu sobre o seu passado e as suas raízes: “For several years our writer’s great aunt corresponded with one of Ireland’s leading republican rebels. Previously unpublished, these remarkable letters reveal the vision of the country’s founding fathers – and abuse at the hands of the British army.”

E por aqui me fico por hoje. Esperando que tenham tido uma boa Páscoa, e ainda possam ler e meditar sobre o seu significado e enquadramento histórico, despeço-me com desejos de bom descanso e boas leituras. Até amanhã.

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2015 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário