segunda-feira, 28 de março de 2016

“Choca-me ter um país estrangeiro a comandar toda a banca portuguesa”


Silva Peneda, assessor do presidente da Comissão Europeia, espera um “bater o pé muito forte” à espanholização da banca em Portugal.
Imagem: rr.sapo.pt
Um “erro”, uma “fragilidade enorme”, “preocupa”, “choca” – José da Silva Peneda, assessor do presidente da Comissão Europeia, não poupa nas palavras na hora de se pronunciar sobre um hipotético domínio espanhol da descapitalizada banca portuguesa. Em entrevista ao Económico e à Antena 1, o ex-presidente do Conselho Económico Social defende a ideia original de banco de fomento, e lamenta que tenha ficado pelo caminho.
O mercado nacional terá de fazer uma consolidação. Choca-lhe a questão do capital estrangeiro?
Choca se for concentrado num único estado. Se for um único país a comandar tudo choca-me e preocupa-me.
Está a falar de Espanha?
Estou a falar de Espanha.
O mercado tem a percepção de que a Comissão Europeia está alinhada com o Banco Central Europeu no sentido em que favorece uma consolidação entre instituições bancárias europeias. Isso em Portugal na prática…
… mas a Comissão Europeia não dá ordens em Portugal, isso depende das autoridades portuguesas.
Não dá ordens, mas no caso do Banif percebeu-se, por exemplo, que foi feito para ser o Santander a comprar…
Foi feito em cima da hora, não houve tempo, há muitos argumentos. Aliás, acho muito felizes as declarações que o Presidente da República fez sobre isto, foi clarinho, o próprio primeiro-ministro [também]. Espero bem que haja um bater o pé muito forte na tentativa de pôr toda a banca dependente de um único país. Acho isso um erro e uma fragilidade enorme. A banca recolhe depósitos e aplica os investimentos. Significaria apanhar os depósitos e depois decidir os investimentos com critérios que nós não…
… mas será que se está a falar em toda a banca portuguesa? Fala-se de um manifesto contra a espanholização da dita banca…
Estou a dizer que é um risco. É bom que as vozes mais responsáveis alertem para esse risco. O meu papel deve ser esse.
Mas o que tivemos nos últimos anos também não foi grande coisa. A questão da nacionalidade não está a ser excessiva?
Não. Está a misturar muita coisa, erros de gestão, crimes. Seria negativo que toda a banca portuguesa ou que grande parte da banca portuguesa tivesse os poderes de decisão noutro país.
Ao referir a posição que o Presidente da República tomou está a dizer também que acha bem o primeiro-ministro ter uma intervenção?
Acho, porque estamos a falar em algo que é vital até para a segurança dos portugueses, estamos a falar do sistema financeiro. Tem que merecer cuidados muito especiais por parte do poder político, não é um mercado qualquer. Isto preocupa o cidadão comum. Não vejo que seja negativa uma intervenção efectiva, fundamentada e com lógica da parte dos poderes políticos em Portugal.
A banca está a passar por dificuldades em Portugal e na Europa. O que está a falhar?
Há vários planos. Desde logo, em termos de zona euro o pilar da União Bancária é fundamental e deram-se passos nesse sentido. Mas a grande dificuldade que temos com a parte da banca naquilo que é o seu papel fundamental, fomentar o investimento, é uma debilidade grande. Tem a ver com esta ideia de um banco que esteja vocacionado para financiar a médio e longo prazo. A nossa banca está habituada a financiar tesouraria. Vou contar uma história. Antes de entrar na União Europeia, o Banco Mundial na altura financiou um projecto no Douro. Chamou-se Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes, e uma das componentes foi o financiamento de plantio de vinha no Douro. O Douro tinha tido um problema no início do século que foi a filoxera, estava abandonado praticamente. Naquela altura, foi nos princípios dos anos 80, a taxa de inflação andava pelos 30% ou coisa do género, havia juros à cabeça. O Banco Mundial disponibilizou uma linha de crédito com período de carência de quatro anos, com uma taxa de juro de 4%. Este período de carência significava que as pessoas pagavam os juros e a primeira amortização já com as uvas da vindima. Se não houvesse uma linha a 20 anos com período de carência de quatro anos e uma taxa de juro daquelas, o Douro não tinha hoje os melhores vinhos do mundo.
E com isso…
E é com essa experiência que tive uma ideia, quando percebi que os fundos estruturais deixavam de ser subsídios e passavam a ser empréstimos reembolsáveis por parte da EU. Falei com o governador Carlos Costa: por que não criamos em Portugal uma instituição que faça este papel de banco financiamento de longo prazo? Ele achou a ideia excelente, combinou que eu iria falar com o ministro das Finanças. Em 20 minutos ele comprou a ideia…
O Vítor Gaspar.
O Vítor Gaspar. Comissão criada para constituir um grupo de trabalho, de qual fiz parte, tudo preparadinho. O Vítor Gaspar saiu e criou-se uma instituição que não teve nada a fazer com isso. Quem estava interessado em fazer parte do capital desse banco? O Bei, o Kfw e França enviou o recado a dizer que queria que a sua caixa geral de depósitos fizesse parte do capital Seria uma instituição fortíssima. Agora nas minhas actividades na Comissão, a tratar das autoridades para a competitividade, visitei a Irlanda e vejo uma instituição [deste tipo] e quem são os sócios? O kfw e o BEI, num banco irlandês que está a fazer um trabalho notável. Em Portugal era fundamental termos uma instituição com esta componente de investimento a médio prazo.
Fonte: economico

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