Depois de uma longa noite de muito trabalho, o Pai Natal e as suas renas vão descansar. E terão muito tempo para fazê-lo. Mas o que fará o velhinho de barbas brancas durante o ano? O Notícias ao Minuto foi procurar a resposta que, claro, só podia ser dada pelo próprio. O ‘nosso’ Pai Natal, de verdadeiro cabelo e barbas branquinhos, que espalha a magia do Natal e arranca sorrisos a miúdos e graúdos, é um antigo comerciante e combatente no Ultramar, que muito jovem perdeu a mãe e irmã.
PAÍS LAPÓNIA EM MASSAMÁ?
HÁ 9 HORASPOR ANA LEMOS
Todos os anos, desde meados de novembro até à véspera da Consoada, vários são os Pais Natais com lugar cativo em festas de escolas, lares, e centros comerciais. Para esses lugares transportam a magia da época e alimentam a ideia de que são reais. E são.
O Notícias ao Minuto conversou com o Pai Natal Duarte Loureiro para conhecer o seu percurso de vida e o que faz durante o resto do ano.
O nosso velhinho de barbas e cabelo brancos (verdadeiros) tem 66 anos, nasceu e foi criado em Lisboa, e sempre foi um curioso aventureiro mas também um rapaz responsável, que cedo aprendeu a lição de que nem sempre a vida é fácil.
Começou a trabalhar aos 13 anos, quando os pais se divorciaram e o pai rumou para a vizinha Espanha. Enquanto filho mais velho foi obrigado a prematuramente entrar no mercado de trabalho e passar os estudos para o plano noturno. O primeiro emprego foi numa loja de roupa para homem próxima da Praça da Figueira, e, ainda não sabia, mas estava a traçar o seu destino: “Foi uma escola para mim”, relembra.
A minha pobre mãe viu partir dois filhos. Um para sempre, outro para a tropa
Naquele tempo não eram permitidos namoros entre funcionários mas o coração de Duarte falou mais alto. Acabou por sair para outra loja, a Eduardo Martins, que ardeu no grande incêndio do Chiado em 1988. Aí chegou a fazer trabalhos como modelo fotográfico para ilustrar os catálogos com as novas modas.
Em simultâneo crescia o prazer de desenhar, “ganhava 200 escudos por desenho, sem dominar técnicas. Secava o guache e as aguarelas, para avivar as cores, e tornava a retocar”. Com esses pequenos trabalhos, encomendados por “um desenhador”, chegou a juntar “dinheiro suficiente para comprar o primeiro carro: um Cooper S em 18.ª mão" e “ainda não tinha carta de condução”.
Mas esta vida acabaria interrompida com a partida rumo a outro Continente. Esteve na guerra do Ultramar durante 36 meses. Mas um mês antes de embarcar, a irmã de Duarte suicidou-se. "A minha pobre mãe viu partir dois filhos. Um para sempre e o mais velho para a tropa”, recorda. Valeu o que ganhava enquanto furriel e que mandava para Portugal para ajudar a mãe e incentivar o irmão mais novo a tirar boas notas na escola.
Regressado a Lisboa em março de 74, com mazelas de um acidente “com uma mina anticarro”, nova desgraça tomou conta da família. “Passados três meses do meu regresso faleceu a minha mãe”, que nunca superou a perda da filha. Viu-se sozinho “com um irmão dez anos mais novo” para cuidar e orientar. Foi então que o pai de Duarte reapareceu: “Começámos a dar-nos outra vez”. Até porque, conta, destino diferente escolheu o irmão. O "vício do álcool e das drogas" dominaram-lhe a vida desde novo, acabando por matá-lo aos 50 anos. Memórias que ainda hoje entristecem o 'nosso' Pai Natal.
Quando regressou de África retomou o trabalho na Eduardo Martins, mas após o 25 de Abril de 1974 foi convidado para trabalhar “numa loja maravilhosa na Avenida da Liberdade, entre o cinema São Jorge, e o Hotel Tivoli”. Ganhava bem e a isso ajudava o facto de “falar línguas”, nomeadamente francês (à data obrigatório na escola) e inglês, que aprendeu na meninice com os rapazes e raparigas estrangeiros que “chegavam nos barcos-escola à gare de Alcântara”.
Desses tempos recorda a paixão por uma francesa que, por “aventura”, o fez rumar a França. Esteve lá pouco mais de um mês na casa da tia-madrinha, na véspera do Maio de 68 e de partir para o Ultramar, vivendo dos trocos que ganhava a tirar “fotografias a grupos de turistas”. Mas Denise, a bela menina francesa, nunca mais viu.
Foi na loja Santos e Nascimento que conheceu a primeira mulher, com quem viria a ter dois filhos rapazes. Nesta altura da sua vida “surge a oportunidade” de se “estabelecer com mais dois amigos” e “montar uma firma na Avenida Infante Santo”, também “só de roupa para homem e com alfaiataria”. O novo projeto “durou três anos”. Com dinheiro no bolso decidiu apostar num negócio só seu. “Comprei uma loja na Rua Braamcamp” mas, entretanto, “zanguei-me com a mãe dos meus filhos" e "encontrei a minha atual companheira de há 30 anos”, que “veio trabalhar comigo”.
Chegámos a ter anos em que estávamos em casa um mês intercalado e 11 meses fora no passeio
A morte de um dos seus fornecedores ditaria nova reviravolta. Acabou por estabelecer-se apenas numa “grande loja em Massamá”. Foi aí que achou que devia apostar noutros mercados: roupa de senhora e mais tarde apenas de criança. “Trabalhava sábados, domingos e feriados das dez da manhã às dez da noite, durante oito anos”, conta Duarte, até que um dia uma multinacional se mostrou interessada no espaço. Com 55 anos decidiu desfazer-se de tudo. Mas o que iria fazer daí em diante? A casa e o carro estavam pagos, os filhos orientados. "Comprámos uma autocaravana, tem tudo,” e “gasto o mesmo estando em casa”, conta o aventureiro Pai Natal.
Juntos já foram a “Itália, França, Espanha” e percorreram “Portugal de lês a lês”, passando "temporadas de meses" onde lhes apetece. “Chegámos a ter anos em que estávamos em casa um mês intercalado e 11 meses fora” no passeio, “o que nunca aconteceu na nossa vida de trabalho”. Este ritmo de aventura só foi travado quando “há três anos a minha mulher teve um problema muito grave de saúde” e “passado um ano o mesmo me aconteceu devido a um cancro nos intestinos”. Mas, diz com a alegria de um verdadeiro Pai Natal, “felizmente a minha mulher ficou bem e eu também”.
Uma série de circunstâncias fez-me pensar que seria um bom Pai Natal: tenho tempo, cabelo e barbas brancos, sou brincalhão e toda a vida lidei com crianças
E foi precisamente nesta altura, “num almoço de família, que a minha comadre (dona de um espaço para festas de crianças) me viu com uma barba de cinco dias e disse ‘davas um Pai Natal giro’. E assim foi”. Superada a comichão provocada pela grande barba branca, “uma série de circunstâncias fez-me pensar que seria um bom Pai Natal: tenho tempo, cabelo e barbas brancos, sou brincalhão e toda a vida lidei com crianças”. Além disso, confessa, “já o tinha feito em família para os filhos, sobrinhos e netos”. Enquanto criança também Duarte vivia intensamente o Natal, “um momento mágico” que recorda com saudade, particularmente “as idas ao musgo para fazer o presépio” e “o pinheirinho que enfeitava com os chocolates que o avô trazia da fábrica onde era encarregado”.
Duarte, o 'nosso' Pai Natal, reconhece ter passado “por muitas situações difíceis na vida”, mas hoje faz por compensar tudo isso “junto da companheira, dos filhos e netos” e, claro, com os seus vícios/hobbies: a pintura. “A minha arrecadação é o meu atelier. Tenho estivador, cavaletes, tintas, telas, chego a passar lá oito/dez horas. Quando começo a pintar perco a noção do tempo e dos cigarros que fumo”, admite. Além disso, “é rara a sexta-feira que não vá a Alfama encher a barriga de fados”.
Quando começo a pintar perco a noção do tempo e dos cigarros que fumo
“Depois de estar reformado é que tenho a vida que mereço e gosto. Se soubesse tinha-me reformado mais cedo porque só a partir dos 40 anos é que canto fado, ando por todo o lado na autocaravana, pinto a óleo e faço exposições com os meus quadros, e depois disto a arte de representar o Pai Natal” e “dar às crianças o que elas precisam. Soube aproveitar as oportunidades que tive, e tal como queria quando fosse mais velho, estou grato à vida e sinto-me em paz”, confessa Duarte Loureiro.
Fonte:noticiasaominuto
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