sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Macroscópio – A sombra que paira sobre a Europa: Marine Le Pen

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 

O Macroscópio de hoje começa com uma sugestão: percam dois minutos e meio a ver o vídeo (viral) da campanha de Marine Le Pen. Julgo que os darão por bem empregues. Em vez de descrições ou resumos, a mensagem da candidata sem intermediação. Só vos deixo um comentário: como video de campanha, é muito poderoso e, suspeito, terrivelmente eficaz. Vê-lo ajuda a perceber o tema desta newsletter: começar, de novo, a pensar o impensável.
 
Por isso sigo já para um artigo, já com algumas semanas, do historiador britânico Timothy Garton Ash, um texto publicado no Guardian com um título que vem ao encontro do que nos propusemos hoje: Time to think the unthinkable about President Le Pen. Não é por acaso que escolho abrir com um texto de Garton Ash. É que em Junho do ano passado entrevistei-o em Cascais e o que ele então me disse sustentou o seguinte título: Eu vi como os ingleses votaram no Brexit. Por isso, não se iludam: Trump pode ganhar”. Sabemos o que se passou alguns meses depois, pelo que devemos levar a sério os seus avisos. Como este: “Le Pen is a strong candidate, the very model of a modern populist, who marshals all these arguments forcefully. Take a look at the Front National official Facebook page and watch her Wednesday evening TV interview embedded there. There she is, smiling down from the top of the page, with a nice blue rose (appropriating the Socialists’ symbol, but changing the colour) that lies horizontally between the words “Marine” and “Présidente”. Note the “e” on the end of “Président”: she would be France’s first female president.”
 
Desta vez este historiador está longe de estar sozinho, pois no seu Reino Unido não falta quem pense da mesma maneira. Ainda hoje, por exemplo, Jeremy Warner escrevia no Telegraph que Marine Le Pen has taken Europe one step closer to revolution. Para este colunista, “France’s great tragedy is that, unlike Britain, it has no rationally minded centrist parties capable of accommodating the growing Euroscepticism of its voters. (…) The established parties are so heavily invested in the European project that they cannot respond; egos and careers are inextricably linked to the ancien regime. For lack of alternatives, voters are being driven to the political extremes, including Le Pen, whose destructive mix of economic nationalism and big state socialism would be a complete disaster for France, and indeed for the rest of Europe, if it were ever to be given full rein. It is Europe’s curse, down the centuries, that it so frequently gets stuck in these political dead ends, with so few avenues of escape.”
 
Esta ideia de que na Europa, e na França em particular, se criaram as condições para um bloqueio que impede mudanças tranquilas, é uma das ideias melhor desenvolvidas por um professor de história francesa de Oxford, Robert Tombs, que na Spectator defendeu que The French election is now Marine Le Pen vs a collapsing French establishment. Recomendo vivamente que leiam este pequeno ensaio, até pela forma como procura enquadrar historicamente o que se está a passar: “France in its modern history has worn out five monarchies, five republics and 16 constitutions — and two of this year’s presidential hopefuls are demanding a 17th. Its people are still more ready than most to go into the streets. (…) This is because France fluctuates between short spasms of change and longer periods of immobility.”
Olhando depois mais de perto para o que se está a passar na campanha, Robert Tombs sublinha que, “few now rule out a Le Pen victory completely, and if Macron’s campaign runs into serious trouble, all bets are off. Every new scandal or terrorist incident plays into her hands. If she did become president, France would face a genuine crisis, the worst for half a century. (…) The consequences for the euro, the EU, western security and Britain’s relations with one of its closest allies would be dire.”
 
João Marques de Almeida defendeu no Observador uma perspectiva muito semelhante, em As eleições francesas podem acabar com a Europa, um texto algo sombrio – “A última vez que assisti a um confronto entre a economia e a imigração, no referendo britânico, ganhou a segunda.” E tuda indica que o confronto pode vir a ser exactamente esse, pois no caminho de Marine Le Pen para uma eleição que significaria muito provavelmente o fim da moeda única e da União Europeia “está um jovem que nunca concorreu a umas eleições, que chegou à política há cinco anos, como assessor de Hollande e que foi banqueiro no Banco Rothschild. O desempenho de Macron numa campanha eleitoral contra uma adversária temível, como Le Pen, é uma incógnita. Mas não deixa de ser profundamente irónico que, depois da grande crise financeira, a esperança na sobrevivência da Europa esteja com um antigo banqueiro, que se confessa liberal.”
 
Mais informação sobre como a campanha está a correr de feição à líder da Frente Nacional pode ser encontrada em Como ciervos abrumados, uma análise de Sami Nair no El Pais onde se nota que “La campaña electoral francesa para las presidenciales sigue produciendo daños en los bandos conservador y socialista”. É de facto o mínimo que se pode dizer depois da sucessão de casos que têm debilitado as campanhas dos principais adversários de Marine Le Pen.
 
Temos porém de ter consciência que o avanços eleitorais destas forças ocorre porque são elas que, para boa parte do eleitorado, parecem querer responder às suas inquietações sobre as políticas de imigração. No londrino The Times podia ler-se hoje que Merkel to kick out migrants as Europe backs Trump ban, um título que servia de introdução a duas notícias: primeiro, um endurecimento das políticas seguidas pela Chanceler alemã; depois a revelação de uma grande sondagem realizada em 10 países europeus que mostrava que a maioria dos cidadãos defende posições face à imigração semelhantes à da administração Trump. Em concreto, “An average of 55 per cent of respondents across ten European countries — including 53 per cent in Germany — agreed with the statement that “all further migration from mainly Muslim countries should be stopped”, according to the respected Chatham House think tank.” (no quadro as colunas vermelhas sinalizam as percentagens dos que defendem que se deve parar com a imigração vinda de países maioritariamente muçulmanos)
 
Na página da Chatam House pode encontrar mais informação sobre este estudo em What Do Europeans Think About Muslim Immigration?, sendo especialmente significativo que que os investigadores daquele think tank recordem que este estudo de opinião não é o primeiro a indicar um forte sentimento anti-islâmico em muitos países europeus:
These results chime with other surveys exploring attitudes to Islam in Europe. In a Pew survey of 10 European countries in 2016, majorities of the public had an unfavorable view of Muslims living in their country in five countries: Hungary (72%), Italy (69%), Poland (66%), Greece (65%), and Spain (50%), although those numbers were lower in the UK (28%), Germany (29%) and France (29%). There was also a widespread perception in many countries that the arrival of refugees would increase the likelihood of terrorism, with a median of 59% across ten European countries holding this view. 
 
Acontece porém que, como defendem cronistas como Helena Matos, as elites não estarão a querer perceber o significado destes indicadores. Este último domingo, no Observador, em A inexplicável Vendeia, desenvolveu um paralelo histórico entre os tempos que vivemos e os da revolta camponesa contra os excessos da Revolução Francesa, uma revolta que os revolucionários não tinham antecipado nem compreendido. Contudo “Em 2016 e 2017 o povo não pega em armas como fez em França entre 1793 e 1796. Simplesmente vota. E a cada votação – Brexit, Trump, referendo na Colômbia… – as elites reagem com a estupefacção dos clubes de iluminados de Paris perante a revolta dos camponeses da Vendeia. (…) A grande questão já não é quando acontecem as novas Vendeias mas sim durante quanto tempo as elites irão tolerar essas inexplicáveis Vendeias que lhe saem das urnas. Presumo que mais rapidamente se aniquilarão entre si do que serão capazes de parar para pensar sobre a origem dessas Vendeias que elas fabricaram com a sua arrogância. Por aqui e por ali vão chegando vozes que apelam à resistência contras as maiorias eleitorais…”
 
Julgo que Helena Matos se referia, por exemplo, a autores como o belga David van Reybrouck que, em "Against Elections" ("Contra as Eleições"), lançou a proposta de acabar com as eleições pode salvar a democracia. O Observador também deu conta dessas ideias num especial naturalmente polémico, Votar está a dar cabo da democracia. Sim, leu bem, onde Edgar Caetano fez a síntese das propostas desse intelectual flamengo.
 
Já em As fronteiras são tão antigas como as civilizações, o Conversas à Quinta desta semana com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto onde falámos de fronteiras, muros e vedações, de liberdade de circulação, segurança, migrações e invasões, assim como de estados e nações, de soberania e globalização. E se as coisas são sempre mais antigas e mais complicadas do que parecem, aqui se notou que nem sempre, ao abolir fronteiras, se teve o cuidado necessário, nomeadamente ao construir, na Europa, o “espaço Schengen”.
 
É por reconhecer que estes problemas existem que li com curiosidade e interesse uma entrevista com outra mulher que está a perturbar a tranquilidade europeia, em concreto Frauke Petry, the New Face of Germany’s Anti-Immigrant Right. Não é primeira vez que recomendo a leitura de entrevistas com a líder da AfD alemã, pois o seu discurso e a sua história é bem diferente da da Frente Nacional francesa, não convindo amalgamar tudo. Desta vez trata-se de uma entrevista à revista judaica Tablet onde “the rising politician talks about her rejection of Islam, being called a neo-Nazi, and why Jews should see European nationalism as a welcome development”. A certa altura, ao criticar a política de imigração de Merkel, classifica-a como “a utopian idea”, o que a faz opor-se-lhe ainda mais: “Coming from a socialist country, I’m very sensitive when it comes to utopias.” Eis uma outra passagem que considerei reveladora:
By denying that borders are necessary, that rules are necessary, you are also starting to discriminate against your own people in a way that, for example, illegal migrants are allowed to behave in our country as if it were theirs, or as if we guaranteed them exile from disastrous living conditions in their home country. So, yes, I think if we continue the way Merkel and also previous governments have, we might experience that this free Europe, this free Western society might disappear. And that’s something that I don’t want to experience. That’s something I don’t want my children to experience.
 
 
Como hoje é sexta-feira, o fim-de-semana se anuncia chuvoso e frio e julgo que essas circunstâncias podem proporcionar uma oportunidade para a leitura de um texto mais longo, escolhi como sugestão final um ensaio sobre geoestratégia de um especialista do Brookings Institute, Robert Kagan: Backing Into World War III. A tese é que “America must check the assertive, rising powers of Russia and China before it’s too late”. E que “Accepting spheres of influence is a recipe for disaster.” Kagan sustenta a sua argumentação recorrendo às lições da História, recordando, por exemplo, que “For decades, the strong global position enjoyed by the United States and its allies has discouraged any serious challenge. So long as the United States was perceived as a dependable ally, Chinese and Russian leaders feared that aggressive moves would backfire and possibly bring their regimes down. This is what the political scientist William Wohlforth once described as the inherent stability of the unipolar order: As dissatisfied regional powers sought to challenge the status quo, their alarmed neighbors turned to the distant American superpower to contain their ambitions. And it worked. The United States stepped up, and Russia and China largely backed down — or were preempted before acting at all.”
 
Como sabemos, os ventos em Washington não sopram de feição a quem tem preocupações como as de Kagan, pelo que devemos estar atentos nestes dias em que sabemos que Trump esteve longamente ao telefone como Presidente chinês, Xi Jinping, e que correm rumores de interferência da Rússia de Putin nas eleições francesas, onde Moscovo apoiaria Marine Le Pen. Ou seja, não é só lá fora (para quem como eu está a acabar de escrever esta newsletter junto a uma lareira) que está frio e sopra o vento – está frio e sopra o vento um pouco por todo o lado. Também por isso, desejos um fim-de-semana retemperador.

 
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