O crime em Cleveland coincidiu com conferência anual do Facebook. Mark Zuckerberg repudiou o ato e disse: “Temos muito trabalho. Vamos continuar a fazer tudo o que pudermos para evitar este tipo de tragédia”
| REUTERS/STEPHEN LAM
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Violações, suicídios e homicídios online. Há cada vez mais crimes nos vídeos em direto nas plataformas cibernéticas.
Não são fake news, são reais e são mesmo dadas em primeira mão nas redes sociais. Dias depois de, em Cleveland, nos EUA, um homem ter assassinado a tiro outro em direto no Facebook Live, acabando depois morto após perseguição policial, surgiu um outro caso chocante: um pai usou um smartphone e a mesma plataforma para mostrar-se ao mundo a cometer o homicídio da filha de 11 meses. Suicidou-se depois. São os mais recentes crimes em direto que a internet permite, depois do registo já de violações, agressões, suicídios ou incitamentos ao suicídio, de que é exemplo o chamado jogo Baleia Azul , que em Portugal já fez duas vítimas: uma jovem que, numa tentativa de suicídio, se atirou para a linha férrea, e um rapaz, que "desenhou" uma baleia no braço com um objeto cortante.
As responsabilidades sobre este caminho podem dividir-se entre os vários intervenientes. Em primeira e principal instância, há a pessoa que comete o crime de forma pública ao fazer a sua transmissão por meios audiovisuais, sendo que em algumas situações acaba por também morrer em consequência dos atos. Depois a plataforma que permite a transmissão do vídeo, como o Facebook Live ou o Periscope do Twitter, entre outras. O que podem fazer para evitar a difusão de crimes e não só mensagens de ódio ou de incitamento ao terrorismo? E quem vê e partilha estes vídeos também pode ser apontado como propagador do crime e do voyeurismo?
No caso ocorrido em Phuket, na Tailândia, a mãe da bebé morta pelo marido, desculpa tanto o Facebook como os utilizadores que partilharam o vídeo. "Não culpo o Facebook e as pessoas que partilharam para mostrar o horror", disse Chiranut , 21 anos. Mas os dois vídeos gravados pelo marido estiveram mais de 24 horas online e tiveram centenas de milhares de partilhas. Chegou ainda a ser colocado um dos vídeos no YouTube.
O Facebook assumiu a necessidade de travar estes vídeos com mais rapidez, já que é praticamente impossível impedir no primeiro momento a exibição de um ato tresloucado quando se trata de uma transmissão em direto. Contactada pelo DN, a empresa criada por Mark Zuckerberg não faz uma declaração oficial, remete antes para a informação que tem veiculado recentemente e em que diz estar muita atenta às violações das regras da comunidade, apelando aos utilizadores para fazerem denúncias. O Facebook diz também estar a melhorar a resposta tecnológica para acudir mais eficazmente às denúncias e a recrutar mais pessoal para as equipas que analisam as queixas e monitorizam os vídeos em direto, por compreender a enorme responsabilidade que é a exibição de imagens em tempo real.
A tecnologia pode ser melhorada, admite o Facebook, que depende muito da combinação entre inteligência artificial, moderadores humanos e alertas dos utilizadores para monitorizar toda a vastíssima rede. Quando um vídeo ou um post tem várias denúncias, o algoritmo vai alertar os moderadores. A empresa assumiu já que precisa de fazer mais.
"Todas estas plataformas - especialmente as de live video - encorajam os utilizadores a fazerem uma atuação. "Deve o Facebook ter o dever de socorrer uma vítima de crime? E devemos nós fazê-lo, ou é correto para milhões de pessoas assistir a um crime ser cometido sem fazer nada a não ser partilhá-lo?", lançou Elizabeth Joh, professora de Direito na Universidade da California Davis, que tem dedicado atenção a este problemas.
A questão é que a sociedade usa em todas as suas vertentes as redes sociais. "As pessoas postam tudo nas redes sociais", aponta Rui Abrunhosa Gonçalves, psicólogo forense, para quem é possível ver nos vídeos com crimes uma extensão da diversidade social, para o bem e para o mal. "Requer uma investigação muito cuidada dos casos e sobre quem os pratica. A motivação de um homicida é diferente da de um suicida ou um violador. É preciso conhecer as motivações de quem faz isto. Há diferenças entre os casos. Haverá os narcisistas que gostam de dar nas vistas, os que procuram chamar a atenção para os seus problemas. Em geral, do que se conhece, não podemos falar em pessoas com um funcionamento normal da personalidade", disse ao DN o professor na Universidade do Minho.
Quem assiste e partilha também pode ter um perfil diverso. Pode haver quem o faça como forma de denúncia, embora discutível, mas não é nova a indiferença de pessoas perante crimes, já acontecia antes da internet. E a violência atrai. "As pessoas acolhem todas as situações que têm que ver com crime e violência. Há um sentido perverso de observar a desgraça. E quem difunde o crime sabe que vai ser visto e seguido por muitos, nem que seja para dizer mal", aponta Carlos Poiares, professor na Universidade Lusófona, com percurso nas áreas da psicologia criminal e do comportamento desviante. "A ostentação desse comportamento desviante nas redes sociais mostra que a sociedade atual é uma espécie de passerelle, com a internet a ser um local onde tudo é possível, onde se encontra explicações para tudo."
Os riscos desta difusão de violência e comportamentos antivida são reais e difíceis de travar. "Isto tem uma dimensão pouco controlável", refere Rui Abrunhosa Gonçalves, sobre o comportamento dos utilizadores, já que da parte das plataformas há possibilidade de melhorar os filtros. Os efeitos nos mais vulneráveis, sobretudo adolescentes, têm já repercussões com suicídios, violações em grupo. "Tem obviamente repercussões, com o fator mimético a ter relevância", diz Carlos Poiares. "A tecnologia controla estas atitudes. Tem de haver formação para a cidadania, com prevenção e bom senso. A prevenção junto dos mais novos é essencial e deve envolver as escolas, as autarquias e os profissionais de saúde mental."
Fonte: DN
Edição Segunda-Feira 01 de maio de 201716:41
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