João Galamba | Expresso | opinião
Como só conseguiu reduzir o défice cortando no rendimento dos portugueses e cortando nos serviços públicos, o PSD parece não compreender, muito menos aceitar, que haja quem recuse essa via e procure alternativas à austeridade que caracterizou a sua governação. A histeria em torno dos dividendos do Banco de Portugal (BdP) é o último exemplo do desnorte do PSD, que ataca quem ousa propor reduzir o défice impondo menos custos aos portugueses. Aparentemente, poupar os contribuintes, as pensões, os salários e os serviços públicos quando se reduz o défice é um sacrilégio.
Não se trata, em circunstância alguma, de “ir às reservas do Banco de Portugal” ou “deitar a mão ao dinheiro do BdP”. Em primeiro lugar, porque ninguém falou em reservas, mas sim em provisões e dividendos. Em segundo lugar, porque não se trata de dinheiro do BdP, mas sim de dinheiro do Estado e dos contribuintes. Vamos lá ver se nos entendemos: o Estado, enquanto accionista do BdP, tem direito, nos termos da lei, aos proveitos da actividade do BdP. É assim em Portugal e é assim em todo o lado. Por outro lado, os dividendos são uma receita de capital, reconhecida como tal pelo INE e pelo Eurostat.
O que está em causa no relatório sobre a dívida é muito simples: o programa de compra de dívida pública do BCE aumenta os proveitos de bancos centrais nacionais, o que aumenta as receitas do Estado, porque o Estado, que é o seu accionista, tem direito a receber os seus lucros, por via dos dividendos (e do imposto pago sobre esses lucros). Mario Draghi nunca fala do impacto orçamental das políticas do BCE, mas esse impacto existe e não é pequeno: seja por via da redução dos juros, seja pela via dos lucros dos bancos centrais, os orçamentos dos Estados-Membros são fortemente beneficiados. E são tanto mais beneficiados quanto mais dívida for comprada e quanto mais elevados forem os juros. Esse impacto orçamental positivo pode ser mitigado pela criação de provisões, que reduzem artificialmente os resultados do banco e, portanto, implicam menos impostos pagos e menos dividendos distribuídos.
Como se procurou demonstrar no relatório, o Banco de Portugal foi um dos bancos centrais que mais provisões criou. A criação de provisões é inteiramente legítima, desde que seja fundamentada. No entendimento dos membros do grupo de trabalho, não há qualquer fundamento para a criação de provisões no âmbito do actual programa de compra de títulos de dívida pública portuguesa, que dá e dará lucros significativos ao BdP.
A solidez do balanço do BdP não está em causa nem pode ser posta em causa pelo programa de compra de títulos de dívida pública, por razões que são explicadas de forma detalhada no relatório. Por outro lado, importa referir que um banco central não é um banco normal, porque não vai à falência, no sentido em que não pode ficar sem dinheiro para assumir as suas responsabilidades financeiras. Não sou eu que o digo, é o próprio BCE e o Bank of International Settlements, o banco central dos bancos centrais. Como é fácil de entender, quem tem o monopólio de criação de moeda e de reservas bancárias não fica “sem dinheiro”. Aliás, qualquer pessoa minimamente atenta ao que se tem passado desde a crise financeira percebe que escassez de dinheiro é algo que não afecta um banco central. É por essa razão que, ao contrário dos restantes bancos, os bancos centrais não têm qualquer requisito de capital, não havendo nada que se assemelhe a um rácio regulatório que os bancos centrais têm de cumprir.
O capital próprio dos bancos centrais não é relevante para assegurar a solvência do banco central, mas sim a sua independência face ao Estado. Por essa razão, sobre requisitos de capital, não há nenhuma instituição que diga mais do que o seguinte: os bancos centrais não devem ter capital próprio negativo durante muito tempo, porque isso implicaria financiamento monetário do Estado à custa da viabilidade financeira do banco; e que bancos centrais independentes devem ter os recursos necessários para desempenhar as suas funções sem depender de injecções de capital recorrentes do seu accionista, porque isso comprometeria a sua independência financeira.
Nada disso é posto em causa pelo relatório. O que se diz é que provisões que não visem garantir a independência do BdP e que não sejam fundadas em qualquer estimativa de riscos que as justifiquem não devem ser criadas, porque não têm utilidade e, nesse caso, são um desperdício de recursos públicos.
Aparentemente, o PSD não aceita isto e quer dotar o BdP de recursos de que este não precisa. Não deixa de ser revelador comparar o que diz o PSD sobre os dividendos do BdP com o que disse aquando da capitalização da Caixa. O PSD, na Caixa, opôs-se a uma capitalização que era necessária e que estava sujeita a requisitos de capital obrigatórios, mas agora defende uma capitalização desnecessária e que ninguém exige. São as prioridades de um partido desnorteado, que contrastam com as prioridades de uma maioria que põe mesmo os interesses dos portugueses em primeiro lugar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário