Portuguesa, afastada precocemente nos 1500 metros, conta como lida uma atleta com a frustração de ver o trabalho de um ano esfumar-se em poucos minutos
Ao caminhar-se em direção ao estádio, por entre constantes ziguezagues perante os diferentes ritmos da romaria que têm sido os Mundiais de Atletismo de Londres (que decorrem até domingo), há uma mensagem que salta à vista em letras garrafais quase como a dar as boas-vindas a quem chega: See the best, be the next (Vê o melhor, sê o próximo).
A frase, colada por todo o lado, espelha as ambições de todos os que um dia sonham ser os melhores dos melhores. Não só do público que ali se senta, aplaude e se inspira nestas máquinas humanas de precisão ímpar, mas também dos atletas lá em baixo que aguardam a vez para deixarem de olhar e passarem a ser olhados como os melhores. Marta Pen, de 23 anos, disputava em Londres os seus primeiros mundiais seniores. Chegava com a esperança de deixar de ser a próxima para passar a ser a melhor na sua prova de eleição: os 1500 metros. "Antes de partir, estava superambiciosa, não via hipótese de não me qualificar. Queria mostrar que tinha crescido, vingar-me do que tinha feito nos Jogos Olímpicos (eliminada na 1.ª eliminatória)", recorda ao DN.
Quatro minutos, 22 segundos e 10 centésimos depois, o sorriso que transbordava confiança na linha de partida desvaneceu-se e o mundo desabou no 8.º lugar (da sua série) e na precoce eliminação. Ficava para a próxima a oportunidade de ser melhor. Mas o que passa pela cabeça de um atleta quando o trabalho de mais de um ano se esfuma assim? "Estava triste, era uma sensação muito vazia. Fui dar uma volta com o meu treinador e perguntei--lhe: "Como é que alguma vez vou ganhar uma prova num Mundial se nem sequer consigo passar uma eliminatória?" Eu trabalho tanto e sei que sou capaz", diz a portuguesa.
Marta Pen não se esconde em desculpas. Assume que esse não é o caminho: "Odeio discursos conformistas. Eu acredito normalmente que 99% das vezes a culpa é nossa quando as coisas não correm bem. Eu deveria saber mais." De seguida, vem a autoanálise. Tenta-se controlar as emoções para que a razão se sobreponha e a ajude a perceber o que se passou. "Há dias em que ganhamos e outros em que aprendemos. Eu queria que este fosse um dia de vitória e não de aprendizagem. Infelizmente não foi assim. Preciso de ter mais experiência, tenho de ir a grandes provas do circuito mundial para me sentir mais confortável. Foi uma experiência, uma aprendizagem, mas odeio esta conversa. É estranho...", explica.
Desistir podia passar pela cabeça de muita gente, mas não na de Marta. A atleta olha para esta palavra de uma forma distinta: "Desistir não é uma coisa totalmente má. Podemos desistir da frustração, desistir de estarmos chateados. Acaba por ser uma palavra importante para chegar ao sucesso. Só não podemos desistir de nós próprios."
A prova dos 1500 metros continuou e Marta Pen viu da bancada a queniana Kipyegon sagrar-se campeã mundial, com 4:02:59, menos três segundos do que o recorde pessoal da portuguesa. O pensamento seguinte é: e agora? "Agora? Amanhã é outro dia. Nós podemos ver o copo meio cheio ou meio vazio. Estou a tentar controlar a minha natureza e a começar a aceitar que o copo está meio cheio", conclui.
Fonte: DN
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