“Henrique com seis mulheres se casou. Uma morreu, uma viveu, de duas se divorciou e de duas a cabeça cortou”, cantava-se na Inglaterra.
Na história da Inglaterra há uma involuntária simetria entre dois polos. De um lado, Henrique VIII (1491-1547), o sinistro fundador do anglicanismo, e do outro, do lado bom, um cruzado, um santo: Alfredo, o Grande (849-899). Em 2015, uma pesquisa da Associação dos Escritores Históricos daquele país considerou Henrique VIII o pior monarca de sua história.
Isto não passou despercebido das esquerdas, que lhe prestaram eloquente “homenagem” póstuma em desagravo pelo ato de vandalismo perpetrado contra uma estátua dele na noite de Ano Novo de 2007, quando perdeu o braço direito e seu machado. Após ambos serem substituídos, a estátua voltou a ser vandalizada, perdendo novamente seu machado.
No outro polo está alguém muito diverso: Alfred, o fundador da Inglaterra e seu protótipo, muito menos conhecido do que merece. Culto e piedoso, incentivou — certamente inspirado em Carlos Magno — a educação, melhorou o sistema legal e a estrutura militar de seu reino. Esteve em guerra com os vikings durante toda a sua vida e obteve uma vitória decisiva sobre eles na balhata de Edington, quando os perseguiu até seu reduto em Chippenham e os venceu.
Um dos termos da rendição estipulava a conversão do chefe viking Guthrum ao Cristianismo. Três semanas depois, o rei dinamarquês e 29 de seus principais chefes recebiam o batismo em Aller, onde estava a corte de Alfredo, que recebeu Guthrum como seu filho espiritual com o nome de Christian Æthelstan.
Com a vitória, Alfred mereceu o título de “o Grande”, sendo o único monarca inglês a receber essa honraria e se tornar análogo a Carlos Magno inglês.
No ano de 883 — embora haja algum debate sobre a data —, o rei Alfred, devido ao seu apoio e doação de esmolas a Roma, recebeu uma série de presentes do Papa Marino, entre os quais se encontrava um fragmento da verdadeira Cruz — verdadeiro tesouro para o rei saxão.
Alfred foi também grande guerreiro do ponto de vista naval. Em 896, ordenou a construção de uma pequena frota — talvez uma dúzia de navios longos com 60 remos — que era duas vezes maior que os navios de guerra vikings. O autor da Crônica anglo-saxã, e provavelmente o próprio Alfredo, consideravam-na marcante no importante desenvolvimento do poder naval de Wessex. O cronista lisonjeia seu patrono real, referindo que os navios de Alfredo eram não apenas maiores, mas também mais rápidos e mais estáveis, conservando-se melhor à superfície da água do que qualquer navio viking ou frísio.
Após obrigar os dinamarqueses a se retirarem, Alfred voltou sua atenção para a Marinha Real, cujos navios haviam sido construídos de acordo com seus projetos. Segundo alguns historiadores, esse foi o nascimento da marinha inglesa.
* * *
Em 1994, o bispo anglicano de Worcester fez uma declaração que, segundo Plinio Corrêa de Oliveira, parecia provir de uma autêntica conversão. Ei-la:
“O nosso futuro está em Roma. Há anos esperei e rezei em silêncio. Sofri muito, mas continuei acreditando firmemente que um dia a Igreja anglicana tornaria a ser católica, reconhecendo de novo a autoridade do Papa e voltando a crer que o centro da Cristandade está em Roma. A Igreja de Roma é a única que se pronuncia de maneira clara sobre as principais questões morais e doutrinárias, e é isto que atrai, é disto que sentimos necessidade.”
Há ainda outras profecias sobre a conversão da Inglaterra.
O bispo de Birmingham visitou São João Maria Vianney e pediu orações pelo Reino Unido. Com um olhar luminoso, o santo respondeu: “Estou certo de que a Igreja de Inglaterra recuperará seu antigo esplendor.”
Santo Eduardo, rei inglês que viveu na Idade Média, previu em seu leito de morte a apostasia da Inglaterra, mas disse que depois essa “árvore”, “pela misericórdia do Deus compassivo, deverá retornar à sua raiz original, reflorescer e dar abundantes frutos”.
Um último fato. São João Bosco teve um diálogo muito interessante com São Domingos Sávio, já gravemente doente:
— “Se eu pudesse falar ao Papa — disse o jovem santo —, quereria lhe dizer que em meio às tribulações que o aguardam não deixe de trabalhar com especial solicitude pela Inglaterra; Deus prepara um grande triunfo do catolicismo naquele reino. Vou contar-lhe, mas não mencione isso aos outros, pois podem achar ridículo. Mas se o senhor for a Roma, diga-o a Pio IX por mim. Certa manhã, durante minha ação de graças após a comunhão, voltei a ter uma distração, que me pareceu estranha; eu julguei ver uma grande parte de um país envolvida em grossas brumas, e estava cheia com uma multidão de pessoas. Estavam se movendo, mas como homens que tendo perdido o caminho, não estavam certos onde pisavam. Alguém próximo disse: “Esta é a Inglaterra”.
* * *
Enquanto Alfred estava escondido nos pântanos de Athelney — conta uma lenda —, recebeu abrigo de uma camponesa idosa que não tinha reconhecido o rei. Ela pediu-lhe que tomasse conta dos bolos que tinha deixado para assar no forno. Preocupado com os problemas do reino e a guerra contra os Vikings, Alfred se distraiu e deixou os bolos queimarem. Quando a camponesa voltou, reclamou demais e até ousou bater nele. Pouco depois chegaram alguns cavaleiros e o chamaram de Sua Majestade. Ela então percebeu que se tratava do rei e pediu perdão. Mas Alfredo se declarou culpado e disse que era ele quem devia pedir perdão. Essa narrativa mostra como Alfred não era apenas herói, mas também paternal. Tal como Carlos Magno!
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