Os leitores do Macroscópio sabem que cito com frequência Timothy Garton-Ash, um historiador de Oxford que tem sido testemunha privilegiada das profundas alterações por que passou o nosso continente nas últimas décadas. Hoje, contra o que é hábito nesta newsletter, abro directamente com uma reflexão sua a propósito dos caminhos que se abrem à Europa. É a seguinte:
Muitos europeus já têm uma atitude algo conservadora em relação a esta união burkiana. Querem defendê-la contra a onda atual de ataques populistas e nacionalistas. Querem cuidar da casa da família, remendar a canalização da zona Euro e construir uma melhor cerca para o jardim Schengen, mas não querem redesenhar a casa toda, como os malditos arquitetos continuam a insistir. E vamos ser francos: nestes tempos sombrios, simplesmente manter o que foi construído na Europa desde 1945 já seria uma grande conquista.
Numa altura em que alguns líderes europeus querem colocar o pé no acelerador, sejam eles o Presidente francês, que apresentou a sua “grande visão”, sejam o líder do SPD alemão, Martin Schulz, que quer uma federação até 2025, em Este é o tempo do Euro-conservadorismo e de um Ano Europeu do Silêncio – um texto publicado no Observador e cuja versão original, The conservative case for Europe, pode ser lida no Financial Times – Timothy Garton-Ash defendeu que o tempo não está para essas propostas, que não se deve “alimentar a descrença ao promover outro grande plano futurista que nunca vai ser realizado”.
Este é, pela sua riqueza, um bom ponto de partida para regressarmos a ums reflexão sobre o futuro da Europa no dia em que o Conselho Europeu, reunido em Bruxelas, aprovou a passagem à segunda fase das negociações do Brexit. Mas se neste ponto houve unanimidade e Theresa May, primeiro-ministro britânica até foi aplaudida, em quase todas as outras frentes persistem divisões profundas, como conta o Político em 4 takeaways from the EU summit: é que, excluindo o Brexite, “there was uncertainty and tension, the former created by Germany’s failure to get a government in place and the latter by deep divisions on how to reform the bloc’s approach to migration.”
Para se ter uma ideia da dimensão das divergências e de como, mesmo em Bruxelas, cada um parece apenas quer puxar para o seu lado, é de ler uma reportagem da Spiegel na capital belga, Ego Trip in Brussels: Juncker Seeks Greater Commission Control over Eurozone. Como a revista alemã explica, “European Commission President Jean-Claude Juncker would like the EU executive to have more control over the Eurozone in the future. But member states aren't eager to give up control.” Pior: Juncker parece nem sequer as querer ouvir, pois decidiu apresentar os seus planos sem sequer ouvir os ministros das Finanças da zona euro, que por acaso até estiveram reunidos em Bruxelas a semana passada para, entre outras coisas, elegerem o novo presidente do Eurogrupo.
Mas adiante que o ponto mais relevante da reunião dos líderes europeus foi mesmo a luz verde para as negociações do Brexit passarem à fase mais técnica, sendo por isso interessante ler como tudo se passou nos bastidores das dramáticas reuniões entre May e Juncker de onde saiu o desejado acordo. É isso que fez o Financial Times numa investigação especial, Brexit: Inside the UK’s messy deal to secure an amicable divorce, um relato por vezes quase romanesco de como “As the talks neared conclusion, mishaps over an agreement for Northern Ireland almost brought Theresa May’s government crashing down”.
Já para compreender o que se vai seguir sugiro um “perguntas e respostas” do Politico, FAQ: What happens in Brexit Phase 2?, escrito ainda antes da cimeira de hoje mas bem actual e onde se detalha como, “From trade talks to WTO curveballs, the Brexit negotiations are about to get really tricky.”
Deixadas estas referências, e até porque estamos à entrada de mais um fim-de-semana, achei interessante deixar-vos um apanhado de reflexões ora sobre o Brexit, ora sobre o futuro da Europa que têm um único ponto comum: são relativamente surpreendentes e dão que pensar. São também bastante diferentes entre si, oferecendo visões do futuro bem contrastantes.
Primeiro que tudo dois textos da The Economist que, mesmo sendo mais informativos do que analíticos, ajudam a temperar um pouco os espíritos porventura mais exaltados com as propostas de Macron de Schulz. Sobre a febre federalista deste último a revista despeja um verdadeiro balde de água fria em Why did Martin Schulz call for a United States of Europe?, explicando que ele estava a falar sobretudo para dentro do partido e que, na verdade, “The SPD’s substance on Europe does not live up to its (largely symbolic) rhetoric”. Já sobre a hiperactividade diplomática do Presidente francês, em The Duracell Bunny of diplomacy - What to make of Emmanuel Macron’s frenetic foreign policy considera-se que esta deriva muito do vazio deixado por outros (Alemanha sem governo, Reino Unido preocupado com o Brexit, e por aí adiante). Mas o mais surpreende deste artigo é uma constatação, quase desconcertante, que faz no final: “Mr Macron’s most important role, therefore, is probably as Europe’s only leader to enjoy a good relationship with Mr Trump. The two presidents publicly disagree on matters of substance, for example over climate change or America’s recognition of Jerusalem as Israel’s capital. But they click at a personal level, speaking frequently, bonding over mutual experiences as political outsiders who recently stormed to high office. That should help.”
Mas há mais quem ache que Trump pode estar a ter um efeito na Europa diferente da vulgada, caso de Edward Lucas que, no The Times, defende que Trump is better for Europe than Obama. Em concreto: “Yes, he is a reckless, ignorant bully but this president has done more for our security than his much-lauded predecessor”. E isto está a acontecer em boa parte porque “Worries about America have forced Europe to take defence seriously”.
Mas se este texto parece sair da norma, considerem os três que se seguem:
- Is the European Union wasting an opportunity for reform? é uma análise de Paul Wallace na britânica Prospect, um texto onde se defende que, estando a economia europeia finalmente de boa saúde, era boa altura para reforçar a união monetária, só que, “as ever, it’s complicated”. E é complicado por um motivo que poucos referem: as prioridades políticas internas dos diferentes governos da União Europeia: “Arguably, however, the biggest enemy of reforms of the monetary union is the very return of health to the European economy. Although in principle this makes now a propitious moment to push through difficult changes, in practice it takes away the pressure to do so. In which case, the ECB’s extreme easing policies that were supposedly to buy time for structural reforms have done so only for national politicians to waste it.”
- Brexit suggests we’re on the right side of history, de Robert Tombs, é o texto que faz capa da Spectator desta semana e já estou a ver muita gente indignada só com o título. O argumento do artigo é porém bastante elaborado e anda em torno da seguinte ideia: “For more than a century, theorists have advocated just such an approach: the nation was obsolete, the future lay with great continental or even global federations run by high-minded elites. Whatever the theorists say, ordinary people seem intuitively to feel the opposite: they look for security to the people they know and trust, and to governments over which they have some direct control. That is what Brexit means, and it will leave us with two huge tasks. First, to work to restore and enhance our solidarity as a multinational nation. Second, to show that like-minded countries can work together while maintaining their democratic sovereignty.”
- I Have Seen London’s Future and It Is Caracas, de Theodore Dalrymple, editor do City Journal de Nova Iorque, é a minha provocação final de hoje. Texto sombrio e muito pessimista sobre o futuro de um Reino Unido pós-Brexit, mas não pelos motivos habitualmente defendidos pelos “remainers”. Pequena passagem que ilustra o núcleo da tese do autor: “The present Prime Minister, Theresa May, is very much a statist, indistinguishable from European social democrats, and the leader of the opposition, Mr Corbyn, who might well be the next Prime Minister, is an unapologetic admirer of Hugo Chavez. It is hardly to be expected that foreign investors will place much trust or confidence in an isolated country whose next government might very well weaken property rights, impose capital controls and increase corporate taxation in favour of supposed social justice. It would not take very long to turn Britain into a northern Venezuela: a Venezuela without the oil or the tropical climate.”
Termino por hoje, e por esta semana, com votos de um bom descanso e leituras desafiantes. Que a força esteja convosco (ou pelo menos com os fãs da regressada Star Wars)!
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