sábado, 30 de junho de 2018

O retrato dos retratos em Portugal


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Ipsilon
 
 
  Vasco Câmara  
Vamos começar com música e com a ambição épica do senhor Kamasi Washington. É jazz? É filiação tão livre de constrangimentos - escreve Vítor Belanciano neste suplemento - que é como se convocasse essa memória mas não ficando recluso dela. Tem conquistado seguidores, um entusiasmo transversal. Jazz e funk sumputuosos, afecto e ferocidade, um todo exuberante: está aí Heaven and Earth.
E assim ficamos in the mood para uma pièce de resistance: tirar o retrato à história do retrato em Portugal. É isso o que faz o Museu Nacional de Arte Antiga. Pega em 200 obras, antigas e contemporâneas. Responde à pergunta: como é que os portugueses se representam a si próprios?
É uma história, de sete séculos, de sombras com algumas luzes. Por esses corredores navegou a jornalista Isabel Salema com os curadores da exposição, Anísio Franco, Filipa Oliveira, Paulo Pires do Vale. Deixo-vos com eles aqui, a nossa capa.
Agora incito-vos: é preciso ir ao magnífico espaço de outro tempo, Núcleo de Arte - Oliva Creative Factory, em São João da Madeira, para ver a retrospectiva de um artista deste tempo: Apichatpong Weerasethakul. Instalações, vídeos, luz, sonhos, pesadelos e memórias - da história política da Tailândia. Serenidade da Loucura, o título da exposição, aponta no sentido de uma violência sublimada. José Marmeleira já experimentou. Conta que ali o sonho também irrompe do pesadelo.
O punk, sem ter de deixar a rua, pode e deve ter existência académica. A conferênciaKeep it simple, play it fast (KISMIF), que decorre de 4 a 7 de Julho na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é composta por uma série de comunicações afectas este ano à temática Gender, differences, identities and DIY cultures. Entre os conferencistas estão Ana da Silva e Gina Birch. São as duas forças motrizes por detrás das The Raincoats, grupo seminal do pós-punk, inspiração para todo o movimentoriot grrrl e mais além. Mário Lopes falou com Ana Da Silva. Em 1974, partiu de Lisboa para passar uma temporada em Londres. Ficou lá até hoje. Em 1977, criou com Gina Birch as Raincoats, dinamitando as convenções sobre o que podia ser o rock no feminino. Vamos vê-las em concerto em Braga, Lisboa e Coimbra, e vamos ouvi-las contar a sua história no congresso KISMIF. Uma parte dela, contada por Ana da Silva, está aqui.
E agora vamos para a Cinemateca. Depois de, em Janeiro, termos conversado comFrancisco Valente sobre o cinema americano dos anos 70, a que ele, programador, chamou American Way of Life, conversamos agora sobre o cinema europeu - ou de um território sentimental específico, dentro do ciclo Feios, Porcos e Maus - Um Olhar EuropeuLeva-nos de Claude Sautet a Abdéllatif Kechiche.
Está cheio de rostos plenos de vida e de solidão, comoventes, violentos e solitários estes europeus: Romy Schneider adormecendo no final de Une Histoire Simple(Claude Sautet, 1978) sem saber o que fazer à vida; Isabelle Huppert iniciando comLa Dentellière (Claude Goretta, 1977) a sua disponibilidade para ser usada — começando aí o périplo de vingança que a trouxe até hoje; Alberto Sordi e os gestos da vidinha de borghese picollo, picollo no tremendo filme de 1977 de Mario Monicelli, transformando-se em anjo exterminador; ou Patrick Dewaere, insolente, trágico, entre a raiva pronta a explodir de La Meilleure Façon de Marcher (Claude Miller, 1976) e o recolhimento de um dos seus últimos filmes, Un Mauvais Fils (Claude Sautet, 1980), tendo, entre um e outro, de facto, explodido (Série Noire, Alain Corneau, 1979). Insolente, frágil, de uma “violência doce”, como caracterizou Alain Corneau que o dirigiu no alucinante Série Noire, Patrick Dewaere suicidou-se há 36 anos. Mas não desapareceu. Não deixamos que isso aconteça.

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