Vasco Câmara
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Esta é Cristina de Middel
O festival PHotoEspaña deu-lhe carta branca: é comissária de um conjunto de exposições que fecha em Madrid a celebração dos 20 anos do festival de fotografia e artes visuais e que não revelam apenas os seus gostos pessoais; são também uma afirmação de como se coloca perante a vida: não se levando demasiado a sério. Houve logo quem tivesse medo com a carta branca de Cristina. Porque a fotógrafa espanhola é uma das artistas hoje que mais pensam em dinamitar os alicerces do que (ainda?) resta da fotografia como documento.
Irrequieta, prolífica, de gargalhada fácil, nomeada para a agência Magnum, Cristina escolheu, para o aniversário do festival madrileno, o campo onde se sente melhor: a atitude lúdica perante a fotografia. O título provocatório que dá ao seu texto de apresentação da carta branca, Realidade 0 – Fotografia 1, não podia ser mais claro sobre o seu programa expositivo: os universos do jogo, do lúdico, do ficcional e do alegórico. Sérgio B. Gomes falou com ela (aqui). E aconselha-nos cinco exposições de entre um mar de propostas (a maior parte das quais pode ser vista até final de Agosto), que serão as pérolas do PHotoEspaña.
Já aqui "ao lado": depois do Porto, a Colecção Cabrita Reis - cerca de 400 obras, compras que o artista foi fazendo, que revelam um gosto autoral sobre o trabalho de amigos e conhecidos - mostra-se em Lisboa. Juntamente com o monumento concebido pelo artista coleccionador para o campus da Fundação EDP. É uma estrutura com dez metros de altura, construída com cubos feitos com lâmpadas de tipo industrial, com que Pedro Cabrita Reis, conta-nos, quis fazer um “lugar de luz sobre o rio". É, na verdade, um anti-monumento: é o único nas duas margens do rio que não opõe qualquer barreira à contemplação da paisagem.
Passamos para o outro lado do Tejo: Almada. Pela 35ª vez o Festival de Almada está aí até dia 18, para mostrar como o teatro pode operar milagres mais ou menos revolucionários: do Burkina Faso tocado por Fela Kuti e transposto para os corpos de Serge Coulibaly (Kalakuta Republik, já hoje) ao subúrbio europeu, tão do início do século XX como do nosso tempo, que Jean Bellorini reinventou e faz brilhar no escuro (Liliom - Vida e Morte de um Vaganbundo) com as memórias dos filmes de Frank Borzage e Fritz Lang na cabeça.
E agora uma actriz, e agora um ícone: a dinamarquesa Trine Dyrholm e a alemã Christa Päffgen, isto é, Nico. E agora uma realizadora, Susanna Nicchiarelli. E agora o resultado: Nico, 1988, que importuna o “filme biográfico” com uma personagem que não estava confortável na sua pele. Trine não é parecida com Nico, não canta como Nico. Mas Nico aparece-lhe. Como se tivesse sido convocada. A actriz contou, numa entrevista, que tendo lido entrevistas à intérprete de These Days, All Tomorrow’s Parties, My Heart is Empty, a pista para a personagem foi uma resposta da cantora-compositora a uma pergunta sobre o que é que mais lamentava na vida: “ter nascido mulher, não ter nascido homem”. O incómodo que Nico, 1988 causa ao biopic tem então esse corpo. Nico, 1988 respira o desajustamento que habitava em Nico. E coisa bonita desta reinvenção dos últimos tempos e os últimos concertos da cantora, deste filme on the road, entre Paris, Praga, Nuremberga e Manchester, sobre uma digressão e sobre o abandono progressivo da heroína e o resgate afectivo do filho Ari: a comédia humana que tem para revelar. Entrevista com a realizadora aqui.
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