Só três jornalistas portugueses relataram no local o drama das crianças tailandesas, um deles do Observador. Assine o jornalismo de qualidade e que faz a diferença.
A nossa atenção tem estado dividida entre o drama do resgate das crianças presas numa gruta na Tailândia – um drama que terminou hoje da melhor forma, como nos contou a enviado do Observador, Cátia Bruno, em Depois do sufoco, a explosão de alegria em Mae Sai, assim como aqui, muito por obra e graça de um treinador cuja impressionante história a Marta Leite Ferreira nos contou em Fintou a morte duas vezes e viveu dez anos num templo budista e de como os últimos 50 centímetros de corda salvaram os rapazes da gruta, como relatou em Os detalhes de um resgate quase impossível –, a transferência de Cristiano Ronaldo para a Juventus e os últimos e decisivos jogos do Mundial de 2018 (e à hora a que escrevo, um pouco tardia, já se sabe que a França ganhou à Bélgica e vai disputar a final). Tudo isto junto tem relegado para o segundo plano no alinhamento das notícias uma actualidade internacional marcada onde há muitas e importantes novidades. Na Europa os olhos estão postos no Reino Unido, onde o plano para o Brexit do governo de Theresa May levou à demissão de dois dos seus principais ministros. Nos Estados Unidos ficou a conhecer-se o juiz que Donald Trump quer que ocupe a vaga deixada no Supremo Tribunal pela saída de Anthony Kennedy. Tudo isto quando se aproxima mais uma cimeira da NATO e um encontro de Putin com Trump. Tanta coisa que, mais do que tratar um a um estes vários temas preferi hoje deixar-vos com apenas algumas sugestões de leitura alinhadas de acordo com um critério básico: serem inteligentes e desalinhadas com as vozes do mainstream. É preciso sair da armadilha do coro em que todos repetem o mesmo sobre Trump, ou sobre o Brexit, ou sobre os populismos.
Soft-Brexit, hard-Brexit
No final da passada semana o governo britânico aprovou o seu plano para o Brexit, um soft-Brexit que será agora a base para prosseguirem as negociações com a União Europeia. Uma boa explicação para o conteúdo do que foi decidido e do seu significado pode ser encontrada na síntese do Financial Times The soft-Brexit Chequers deal: what it means. Aí se expõem os diferentes pontos da posição negocial do Reino Unido e, mesmo tratando-se de um Brexit “soft”, isso não significa que se esteja já perto de um acordo com os outros 27 de União Europeia: “Even though it has evolved, Britain’s position on future relations with the EU still fundamentally contradicts principles laid down by the bloc’s leaders in their Brexit “guidelines”. Crucially these called for the “indivisibility” of the single market, a position the European Commission and France want to defend — even if the price is a no-deal Brexit.”
A decisão do executivo de Theresa May levou à saída de dois defensores de uma posição negocial mais dura, sendo que a visão continental é muito negativa sobre a posição em que se colocou o governo de Londres. O El Pais fala de El suicidio inglés e o site Politico Europa considera Theresa May, Britain’s zombie prime minister. Se este é o tom geral dos comentários, análises e editoriais, cabe-me destacar uma voz mais distanciada do coro europeísta, a da Wall Street Journal, que me parece colocar o dedo na ferida ao analisar as debilidades da estratégia conciliatória de Theresa May. Em Moment of Truth for Brexit sublinha-se: “The lesson is that a party can’t govern if it doesn’t believe in its own policies. Britain needs either a pro-Remain government committed to negotiating soft exit terms, or a staunchly pro-Brexit government committed to free trade and domestic reform to make it work.”
Passo agora a dar voz aos que ficaram em minoria, isto é, os adeptos de uma linha dura, com destaque para o agora ex-ministro dos Negócios Estrangeiros. A Spectator reproduziu na íntegra Boris Johnson’s resignation letter, full text e julgo que é documento que vale a pena ler – até porque o autor escreve muito bem. A sua posição é que o caminho para um soft-Brexit deixará o Reino Unido submetido às mesmas regras europeias que detesta e com ainda menos poder para as influenciar. Daí que fale mesmo num estatuto de “colónia”, o que é sustentado nestas passagens:
- “if Brexit is to mean anything, it must surely give ministers and Parliament the chance to do things differently to protect the public. If a country cannot pass a law to save the lives of female cyclists – when that proposal is supported at every level of UK Government – then I don’t see how that country can truly be called independent.”
- “The British Government has spent decades arguing against this or that EU directive, on the grounds that it was too burdensome or ill-thought out. We are now in the ludicrous position of asserting that we must accept huge amounts of precisely such EU law, without changing an iota, because it is essential for our economic health – and when we no longer have any ability to influence these laws as they are made. In that respect we are truly headed for the status of colony – and many will struggle to see the economic or political advantages of that particular arrangement.”
Uma outra voz completamente desalinhada é a de um colunista do Telegraph que já citei várias no Macroscópio, Ambrose Evans-Pritchard, um defensor do Brexit por entender que a saída da UE era a única forma de o governo do Reino Unido continuar a depender do Parlamento de Westminster. Em A sovereign Brexit is suddenly possible again defende a ideia que aquilo que considera ser a condenável rendição de May e da elite dirigente – “The collective loss of nerve by the British establishment is pitiful to behold. They have succumbed to a psychology of fear. Vested interests have run amok.” – pode abrir caminho a uma clarificação e ao afastamento de um governo de conciliação de opostos. Nessa altura, na sua opinião, o Reino Unido deve ser mais duro a negociar pois também tem trunfos na mão: “Observing the European side of the Brexit drama closely over the last two years, my views have hardened. Much ink has been spilt on the likely damage to the UK economy if Britain opts for a clean Brexit, that is to say if it leaves the customs union and the single market, and opts for the WTO rather prostrating itself in hope of a Canada-minus trade package on the EU’s ideological terms. Little has been written on the traumatic consequences for EU itself if – as a result of its own actions – trade barriers with Britain are erected in March 2019, and if it loses full access to the City’s capital markets. My conclusion is that the EU is extremely vulnerable to such a shock. Large parts of European industry would be paralysed. Recession would reignite the EMU banking crisis. The political fall-out would lead to bitter recriminations between EU states with different strategic interests.”
O juiz de Trump
Saltemos agora o Atlântico e vamos até Washington, onde Donald Trump acaba de indicar Brett Kavanaugh para ocupar o lugar que ficou vago no Supremo Tribunal. Num país onde a jurisprudência daquela instância é tão ou mais poderosa do que a produção legislativa do Congresso, a nomeação de um juiz, sendo prerrogativa do Presidente e dependendo da aprovação pelo Senado, é sempre um momento de enorme importância pois trata-se de uma nomeação para a vida, com consequências que se prolongam por décadas. Num tribunal onde há hoje quatro juízes mais à esquerda e quatro mais à direita, a escolha de um magistrado conservador pode determinar durante muitos anos o sentido das decisões do Tribunal, o que tem enorme influência nos Estados Unidos.
Como sempre, duas dicas para ficar a conhecer melhor o nomeado, começando por Who Is Brett Kavanaugh?, um perfil jurídico elaborado pelo Wall Street Journal onde se sublinha que “President Trump’s pick for the Supreme Court has spent most of his career in roles placing him at the epicenter of the conservative movement”. Porém, como nota a The Economist em The nominee would steer America rightward, “Mr Kavanaugh has been vetted and vaunted by the Federalist Society, the conservative legal organisation that has approved Mr Trump’s picks for his Supreme Court and lower-court appointments. The nearly 300 opinions Mr Kavanaugh wrote as an appellate judge place him as a solid and reliable conservative, but few of them give Democrats obvious points of attack. Since the Washington, DC circuit court hears mainly regulatory and separation-of-powers cases that tend not to make headlines, Mr Kavanaugh has authored relatively few rulings touching on divisive political questions”. Mesmo assim há matéria para uma discussão dura, com um escrutínio cerrado sobre as suas posições em temas como o aborto ou os direitos dos homossexuais, duas áreas onde o juiz de saída alinhou com a ala esquerda do tribunal. Mesmo assim,“If Democrats are to have a hope of defeating the Kavanaugh nomination, they will have to achieve unanimity in their 49-senator caucus (no easy feat) and persuade at least one of those two Republican senators, Susan Collins of Maine or Lisa Murkowski of Alaska, to defect.”
Já quanto ao significado desta nomeação são inúmeras as tomadas de posição, com os comentadores mais à esquerda ao ataque, os republicanos a aplaudirem ou, nalguns casos, a lamentarem que Trump tenha optado por alguém que mesmo assim consideram ser um moderado. Sendo impossível reflectir todos os argumentos, destaco apenas o editorial do Wall Street Journal, um diário que não tem sido meigo com Trump mas que também não está sempre em campanha contra a sua presidência. Em Kavanaugh for the Court faz-se um elogio das qualidades pessoais do candidato – “Trump’s second nominee will be an intellectual leader on the bench” –, mas sobretudo expressa-se o desejo de que ele possa ajudar a despolitizar um tribunal que tem sido demasiadas vezes protagonista central nalgumas das grandes controvérsias que dividem a América: “The change we expect would be a Court that returned to the role it played before the 1960s when the Justices became an engine of progressive policy. The American left is distraught because it fears losing the Court as its preferred legislature. A conservative Court won’t overturn liberal precedents willy-nilly. But we hope it will be inclined to let most political questions be settled where they should be in a democracy—by the political branches.”
Este novo mundo que custa a entender
Termino a newsletter de hoje com referências a dois textos bem diferentes, mas ambos muito interessantes, sobre a nova realidade internacional. Ambos propçoem chaves de leitura pertinentes para um mundo onde as regras estão a mudar e que é menos previsível e menos fácil de entender.
O primeiro desses textos é de Walter Russel Mead e saiu no Wall Street Journal, tratando de explicar How Trump Plans to Change the World. A sua tese central é é que “He rejects the postwar order on the ground that it puts the U.S. at a disadvantage”, obsessão que o levou a distanciar-se do establishmentde Washington e a agir de acordo com os seus instintos: “Mr. Trump has taken the measure of the foreign leaders with whom he must deal, and they do not intimidate him. Looking ahead, it seems likely that he will act with growing confidence on the world stage, bringing the instincts of a casino operator, a real-estate developer and a reality-television producer to the tasks of geopolitics. Drama, crisis and risk have been Mr. Trump’s constant companions for many years. He will not be easily deterred. His unorthodox foreign policy may not succeed, but he is determined to give it a try. We should brace ourselves for a wild ride.”
O segundo texto é Timothy Garton Ash e foi publicado no Guardian, estando mais centrado neste nosso continente: Liberal Europe isn’t dead yet. But its defenders face a long, hard struggle. O seu argumento é longo e parte da evolução recente das preferências políticas em muitos países europeus, onde a emergência de novas forças políticas desafia a ordem democrática construída no pós-guerra. Um dos interesses deste texto é que nele não se tem medo de enfrentar o sensível tema do regresso dos nacionalismos: “Liberal Europe has to find ways of addressing those deep emotional needs for community and identity that populists exploit. As you can see in every World Cup football crowd, national identity remains an incomparable source of passion and belonging. For the foreseeable future, it is an illusion to believe that any transnational or supranational identity can compete. While doing everything we can to strengthen a shared European identity, and indeed a global one (which the World Cup in some sense also represents), we cannot abandon the nation to the nationalists. To complement Europeanism and internationalism, we need a positive, civic patriotismo.”
E assim como que regressamos ao início desta newsletter e à referência do Mundial da Rússia, que afinal pode-nos ensinar mais coisas do que apenas as virtudes das estrelas ou os limites do vídeo-árbitro. De resto, desejo-vos bom descanso, boas férias se for caso disso, e ansiedade q.b. para o Inglaterra-Croácia que há-de definir o outro finalista deste campeonato.
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