sexta-feira, 13 de julho de 2018

"Os cristãos e os islamitas passam-se da cabeça nisso de confundir o auto-sacrifício com o sacrifício do cordeiro"


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Ipsilon
 
 
  Vasco Câmara  
Foi esta a resposta de Paul Schrader, cineasta e argumentista, a uma pergunta sobre o sangue, o sangue nos seus filmes, como uma patologia...  "Isso vem de todas as religiões abraâmicas, judaísmo, islão, catolicismo. Tudo começa com a noção de sacrifício de sangue. Os cristãos e os islamitas passam-se da cabeça nisso de confundir o auto-sacrifício com o sacrifício do cordeiro"...
Pensemos num filme, num só, chamado Taxi Driver, com a personagem mais icónica do cinema americano dos anos 70, Travis Bickle. Foi Schrader que em dez dias, e como se expulsasse de si o fascínio pelas armas, a obsessão pelo sexo, as tendências suicidas e uma úlcera, criou Bickle, compêndio de solidão. Fê-lo para Martin Scorsese naquele que seria o primeiro encontro entre o mundo protestante e rural de um (Schrader) e o mundo urbano e católico de outro (Scorsese) — O Toiro Enraivecido, A Última Tentação de CristoBringing Out the Dead seguiram-se-lhe.
Pois bem, Travis Bickle "vive" na personagem do novo filme do realizador, No Coração da Escuridão: o silencioso, grácil e assustador reverendo Toller (Ethan Hawke), homem em agonia espiritual e física que, perante a corrupção do corpo (um cancro), da igreja e do meio ambiente (descobre ligações entre a igreja e multinacionais que lucram com a destruição do planeta), veste o colete de explosivos como quem herda um património: o sangue limpa — como Travis Bickle quis limpar.
Datado de 2017, parece não querer saber da cronologia e colocar-se no tempo em que Schrader realizou os seus primeiros filmes, Blue Collar (1978) e Hardcore(1979), e eternizou Bickle. É um filme que violenta as práticas cinematográficas actuais: retira as bengalas da empatia e as "instruções" ao espectador (que costumam ir na montagem, na música...), impõe um cinema de que, para nosso mal, já nos esquecemos - mas quando nos lembrarmos, vai ser a nossa graça.
Há dossier sobre No Coração da Escuridão. Com entrevista ao realizador. O perfil começa assim: "Paul Schrader não tem memórias de cinema da infância. Na restrita educação calvinista em que foi formado, a Dutch Reformed Church de Grand Rapids, no estado de Michigan, só as palavras eram ideias. As imagens da televisão e do cinema eram meio caminho andado para o inferno — a mãe espetou-lhe um dia uma agulha na mão, aquilo, essa dor 'sempre', isso era o inferno..." Continuem aqui.
Mais cinema, antes da música: um plano para nos guiarmos no Festival de Curtas de Vila do Conde e, para ficarmos com inveja, três páginas sobre o que foi visto no festival Il Cinema Ritrovato, em Bolonha. É o ponto de encontro incontornável da cinefilia de todo o mundo que vai (re)descobrir filmes: por exemplo, o "maldito" Last Movie de Dennis Hopper, um mais desconhecido Marcello Mastroianni, um filme que Bergman renegou e um estarrecedor cineasta chamado Luciano Emmer... Scorsese também esteve lá a mostrar a cópia restaurada de O Toiro Enraivecido...
Agora precisamos de Bossa Nova. Aconselha Nuno Pacheco: "Quem passar pelas lojas e vir uma caixa onde sobressaem, a amarelo e rosa, as palavras Bossa Nova, não siga adiante; pare. E veja com atenção o que tem pela frente." É uma selecção de 20 álbuns notáveis em 9 CD, que espelha um olhar americano sobre este género musical brasileiro. A isso se junta uma reedição também made in USA de duas pérolas de Ary Barroso e Dorival Caymmi. A festa sonora pode começar aqui. Depois passemos a Nas e aos Gorillaz.
Conheçam agora Jota Mombaça.
Escreve e faz performance das suas ideias em torno das relações entre monstruosidade e humanidade, “estudos kuir”, justiça anti-colonial... Para uma nova geração de artistas, activistas, investigadores e curadores investidos no debate sobre a descolonização, tornou-se impossível pensar a questão do racismo sem cruzar as dimensões de classe social ou de identidade de género. Quanto a Jota, 27 anos, nascida e criada no Nordeste brasileiro, "fica-se com a impressão de que não apenas devorou teoria com a urgência de quem quis sobreviver, mas que esta lhe atravessou o corpo", como escreve Pedro F. Morais que a encontrou na Bienal de Berlim. Domingo na Praia Homem do Leme, na Foz do Porto, às 19h30, Jota fala sobre "Dor, Dívida, Dilema, o que significa descolonizar?".

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