Vasco Câmara
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Primeiro, Nadya Tolokonnikova...
Tem 28 anos e já uma greve de fome marcada no corpo. E um historial de torturas psicológicas que lhe tiram o sono “duas a três vezes por semana”. É co-fundadora e porta-voz das Pussy Riot. É-lhe impossível esquecer os 21 meses em que esteve presa por causa do mais impactante protesto, a “oração punk” de 2012, contra o regime de Putin.
Nadezhda Tolokonnikova, Nadya, é intensa. Mariana Duarte faz o retrato:
"Fala rápido, mas sem descarrilar. Ri-se muito, com um nervoso miudinho. É uma pugilista das ideias. Talvez não pudesse ser de outra maneira, depois de ter sofrido 'tortura psicológica' na colónia penal de mulheres IK-14, na Mordóvia, onde esteve vários meses a coser uniformes durante 16 horas por dia e a ver prisioneiras a serem castigadas por causa dela, porque 'falava com advogados' ('dividir para reinar', sintetiza). Talvez não pudesse ser de outra maneira, depois de ter visto reclusas a levarem porrada, depois de ter feito uma greve de fome para denunciar as condições sub-humanas da prisão, depois de lhe terem dito que 'era uma péssima mãe porque tinha sido presa'”.
Há em Nadya uma inteligência selvagem, um radicalismo na recusa - continua Mariana que a entrevistou. Mas também há o medo. “Sempre que vejo um polícia na rua penso que devia ter trazido a minha escova de dentes porque se calhar vou acabar outra vez na prisão”, diz ela. Mas garante que continua de punho erguido. Os próximos capítulos acontecem em Paredes de Coura, no dia 17. É a estreia das Pussy Riot em Portugal.
E agora epifanias.
Treze anos depois, o primeiro concerto dos Arcade Fire em Portugal continua inscrito na memória colectiva. Inês Nadais esteve lá.... "uma epopeia de bocas escancaradas e cabeças enfiadas em capacetes, coros vindos das entranhas e bombos em despique, mais pandeiretas, acordeões e violinos numa desafinação incendiária que contada a quem não estava em Paredes de Coura nesse fim de tarde de 17 de Agosto de 2005 pareceu mentira, mas que sobrevive até hoje na memória colectiva de milhares de pessoas e num vídeo do YouTube (são 54 minutos e 53 segundos, mas o chamamento todo em apoteose, com Wake up, basta para perceber que neste caso não é preciso optar entre os factos e a lenda)."
De regresso a Paredes de Coura, como cabeças de cartaz no dia de encerramento, os Arcade Fire terão pela frente 27 mil pessoas — e a sua própria mitologia. Será que as epifanias se repetem? É aqui que as opiniões se dividem - é o que conta Inês Nadais que, dessa forma, enfrenta o Santo Graal de Paredes de Coura.
Dois retratos para completar o dossier: os contagiantes King Gizzard and the Lizard Wizard e uma das vozes mais importantes da música britânica, Skepta.
"Os asteróide somos nós", diz Frédéric Neyrat, que numa série de livros tem desenvolvido um pensamento político e filosófico à altura dos desafios colocados pelos desastres ecológicos com que estamos confrontados e os fantasmas de extinção a que deram origem. Eis um excerto da longa entrevista que deu a António Guerreiro:
"Como é que a humanidade pode chegar à extinção? É preciso compreender que estamos em pleno processo da sexta extinção, uma extinção de massa que se desenrola num período de tempo extremamente reduzido. Houve extinções maiores das espécies vivas antes da nossa. A última foi a que teve lugar há 65 milhões de anos e que conduziu ao desaparecimento dos dinossauros. Uma extinção causada pelo impacto de um asteróide que veio de fora e chocou contra a Terra. Hoje estamos numa situação diferente, o asteróide somos nós próprios, enquanto força antropocénica, enquanto força de construção e destruição do mundo. Destruindo o planeta, alterando o clima, tornando o solo infértil, produzindo a diminuição da biodiversidade, somos a causa da destruição do ser vivo." Para ler, aqui...
E ainda - numa semana em que há discos de Dirty Projectors ou Children of Zeus e um concerto de Rafael Toral - a conversa de Isabel Lucas com Geoff Dyer. Não faltam rótulos para o classificar: melhor escritor cómico britânico, melhor autor de não-ficção... Esta conversa é uma forma dele ele dizer que nenhum lhe serve. Areias Brancas está aí, nas fronteiras do ensaio, da viagem, da crítica, do conto, ou seja, perdendo essas fronteiras.
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