Há
alguns anos a esta parte, ouve-se com frequência falar de Oliveira Salazar,
como se fosse a pessoa ideal para salvar a Pátria. Com o devido respeito pelas
pessoas que manifestam esse género saudosismo, devo dizer de forma clara que
essa saudade a mim não me aquece nem arrefece.
A
Função Pública é com frequência o bombo da festa, em todas ocasiões,
independentemente dos governos eleitos. Já no tempo que Oliveira Salazar esta
classe social não era estimada, até se atribui culpas pelo condicionamento no
desenvolvimento do País. Ora leiam a mensagem que segue abaixo que foi lida em
5 de Setembro de 1940.
-
“Este singelo almoço, em que me deram o prazer de tomar parte os chefes de
todos os serviços do Ministério das Finanças, não se destinava a ser, ainda que
muito merecida, atenção meramente pessoal: no meu espírito estava sobretudo
agradecer, na pessoa dos mais altos superiores hierárquicos, a todos quantos
tomaram a sua parte, larga ou modesta, no trabalho de reorganização financeira
do País.
Não
é momento – e não me ficaria bem-fazer referências a essa obra da qual aliás me
pesa dizer não ser perfeita e não ficar completa. Desde muito cedo as
circunstâncias exigiram da mim muito do que não me pertenceria, e perturbaram
atenção e cuidados que não deviam ser apenas vigilantes mas absorventes e
exclusivos. Obrigado a trabalhar em extensão e não em profundidade, pela
vastidão imensa de outros campos de acção, foi impossível manter o ritmo
primitivo e levar inteiramente a cabo a obra reformadora delineada desde os
primeiros anos.
Apesar
de tudo nós podemos orgulhar-nos de haver realizado em condições adversas,
internas e externas, o que entre nós e antes de nós comummente atinge ofegante
os altos cumes, em esforço que não há-de repetir-se, e repousa descendo, mas
como quem lança alicerces, consolidados e estáveis, para obra duradoira.
Talvez
por circunstâncias ligadas ao conhecimento da nossa passada administração;
talvez pelo momento internacional prenhe de dificuldades a resolver como
herança de uma guerra quando outra se gerava; porventura pelo êxito de um
pensamento simples e claro e de princípios de estrita moralidade que se haviam
obliterado quase por toda a parte na consciência dos povos – a reorganização
financeira teve para nós importância maior do que normalmente lhe caberia. Foi
o ponto de partida de toda a reforma administrativa: influenciou beneficamente
a moral da Nação; serviu de fundamento e garantia à própria revolução política
e social; permitiu o revigoramento da economia e verdadeira floração de obras
de interesse geral; serviu entre as nações como carta de crédito da nossa
capacidade; entre elas foi tomada como o sinal mais certo do nosso
ressurgimento e sobre o prestígio que nos deu permitiu até se edificasse ou
reconstruísse, tomando alento em seus voos, a nossa política externa. Acima de
tudo porém, acima de tudo teve para mim o mérito inigualável de se encontrar na
base do verdadeiro processo de cura que tem feito ressurgir a Nação.
Ora,
mesmo descontado o que se deve às novas condições políticas criadas com a
Revolução – meio indispensável a trabalho seguido e eficaz – os resultados
obtidos não se devem a um só homem. Provem sem dúvida de um pensamento, mas, de
um pensamento que animou muitas outras inteligências; provem de uma vontade,
mas de uma vontade que se multiplicou em muitas outras vontades; provem de uma
nação que se repercutiu do centro até aos mais ténues ramos da periferia. Sem
esta concordância, sem este sincronismo, sem esta sinergia, mais um plano
cairia como desilusão e o novo esforço aumentaria pelo fracasso a razão de
descrer.
É assim de justiça, pura justiça a palavra que ponha em relevo a
colaboração do funcionário do Ministério da Finanças (ia dizer, mas tive receio,
da burocracia das finanças; esta tem sido tão desacreditada, tão aviltada, que
sem distinções necessárias nem eu mesmo me atreveria a fazer-lhe o elogio).
Haverá uma espécie de injustiça social, involuntária e
inconsciente, neste clamor da opinião pública contra o burocrata?
O burocrata é, no simplismo e também por vezes na justeza dos
juízos populares, o homem inútil que se compraz em multiplicar as formalidades,
encarecer as pretensões, a amortalhar em papéis os interesses, embaraçar os
problemas com dúvidas (de toda a espécie), atrasar as soluções com os
despachos, obscurecer a claridade da justiça em nuvens de textos legais (?),
ouvir mal atento ou desabrido as queixas e as razões do público que são o pão,
ou o tempo, ou a fazenda, ou a honra, ou a vida da Nação perante o estado e a
sua Justiça; trabalhando pouco, ganhar muito e certo, sem proveito nem
utilidade social, parasitariamente, sorver como esponja o produto do suor e do
trabalho do povo.
Estes traços têm caricatura e infelizmente aqui e acolá também
retracto. De quem são as responsabilidades?
Quando
nos países em desordem os políticos defendem as suas posições com a criação e
distribuição de lugares às clientelas partidárias, praticam ao mesmo tempo acto
imoral e ruinoso para a economia da Nação; mas quando, no aperto das crises, os mesmos responsáveis pela
delapidação dos dinheiros públicos ou simplesmente pela inconsiderada extensão
de serviços apregoam, como medida salvadora, o despedimento de funcionários em
excesso, certo é fazer-se confusão entre problemas de moralidade administrativa
e a necessidade de reforma do Estado. Quando por espírito de favoritismo
pessoal ou partidário, por fraqueza ou mal-entendida bondade, corrupção ou
ignorância das consequências, se preferem os maus aos melhores, degrada-se a
moral do Estado e comete-se acto grave contra a justiça; mas no campo do
interesse colectivo isso não é o mais grave. O pior de tido é não se poder
dispor de instrumentos de trabalho úteis, é funcionarem com rendimento
baixíssimo e de má qualidade o serviços públicos.
Muitos
se admiram de que sejam tão precários, tão modestos ou tardios os feitos das
suas reformas, de que os sinais das coisas se alterem do Governo até à Nação, o
bem seja causa de injustiças e a justiça fontes de muitos males. Outros não
sabem explicar-se porque aqui ou além uma ideia política e um acto do governo
parecem dotados de tal poder de penetração no corpo social, de tal justeza na
aplicação, que os resultados correspondem às previsões e os actos traduzem fielmente
o pensamento que os ditou. Prudentemente deveriam uns e outros verificar como
em ambos os casos estará montada a máquina do Estado.
Nunca
hesitei em considerar da maior importância o problema do funcionalismo público,
mesmo para a eficácia das reformas estranhas à Administração de que ele
verdadeiramente constitui a técnica e a alma. E nesta
conformidade desde princípio procurei a sua renovação ou reforma, sem
violências inúteis e pondo apenas em jogo o tríplice sentido da utilidade, da
justiça e da responsabilidade.
Se
ao funcionário, integrado numa ordem administrativa qualquer, se deu a
compreensão de como seu trabalho, simples que seja, se combina com o dos mais
para a consecução de determinado resultado; se se lhe deu a consciência da
grande obra em que participa e que sem o seu concurso seria impossível ou
ficaria ao menos imperfeita, incutiu-se-lhe também o sentido da sua utilidade,
na qual assenta em primeiro lugar a dignidade profissional.
Depois
da utilidade, o sentido da justiça – da justiça do Estado para com ele, em
recompensar-lhe o esforço, em premiar-lhe o mérito, em reconhecer-lhe as suas
preferências, em coloca-lo, em promovê-lo, em conciliar o interesse do serviço
com o seu interesse pessoal ou familiar, em o libertar de influências
aviltantes, desnecessárias para a justiça que se lhe deve e insuficientes para
favores que não se lhe podem fazer.
Por
ultimo, o sentido da responsabilidade – agora a justiça do funcionário para com
o Estado e para com a Nação. Este homem, por vezes isolado e modesto, sabe que
reside nele uma parcela desse poder sagrado que é a autoridade; que esta existe
não por imposição da força de quem quer mas por necessidade de vida em comum e
para o maior bem de todos; sabe que dos seus actos ou da sua incúria, do seu
saber ou da sua incompetência podem advir benefícios ou danos, riscos ou
prejuízos para os indivíduos e para a colectividade nacional. A sua
responsabilidade é enorme: da sua informação inexacta nasceu o despacho errado;
do seu parecer tendencioso proveio a denegação da justiça; por causa dos factos,
ou, dos números que levianamente não verificou veio a acontecer que actos de
governo e até toda uma política foram completamente errados.
Por
meios tão simples afinal se modificam a mentalidade, a formação, as qualidades
profissionais e morais, o rendimento do funcionalismo de finanças. Assim se viu ressuscitar esse velho tipo de funcionamento
que conhece todas as minúcias do seu trabalho, só pensa no desempenho da sua
função, se entusiasma com a boa ordem e aperfeiçoamento dos serviços, é
progressivo, é zeloso, é exacto, não tem horas de serviço por que são todas, se
é necessário, e sobretudo tem o espírito de justiça e o amor do povo. Perante gente humilde, para quem as dotações orçamentais
esgotadas, o esforço de verbas, os manifestos, as matrizes, os lançamentos, os
relaxes, as execuções são coisas terrivelmente obscuras e misteriosas, que
escuta com pavor e incompreensão e lhe amarfanham a alma porque por vezes lhe
destroem a vida; perante credores ou devedores do Estado, esse funcionário não
é altaneiro, nem arrogante, nem imensamente superior; é mestre e guia, antes de
ser juiz e severo executor da lei.
Vive
do seu lugar, porque vive do seu lugar; é respeitado porque se respeita,
sente-se digno porque se sabe útil, e mesmo no mais baixo da escala, nos
mestres mais humildes ele pode tocar a perfeição, segundo o pensamento de
Junqueiro, pode ser-se sublime a varrer as ruas.
Se
a moral profissional do funcionalismo se refugiara em poucos, está hoje em
muitos; se este tipo de funcionário chegou a ser algum dia quase abstracção – e
pelo menos tendia a ser raro – não é assim agora felizmente. Sob a imediata
direcção de chefes, alguns dos quais trabalharam devotamente comigo desde a
primeira hora, a esse funcionário se deve a compreensão de um vasto plano de
reformas, as minúcias e delicadezas da sua execução e em grande parte o seu
triunfo. A ele recordo neste momento e o quero ver dignamente
representado nos seus chefes supremos, por cujas prosperidades de homens, de
funcionários, de portugueses tenho a honra de levantar o meu copo.”
Tema:
A Função Pública e a Burocracia, pág. nº. 277.
Fonte:
Discursos e Notas Políticas de Oliveira Salazar, III Tomo datado 1938-1943, 2ª.
Edição, editado pela Coimbra Editora, Lda.
Considerações: Todos nunca somos de mais, para dizer basta de tanta
burocracia a reinar nas instituições públicas a que nos dirigimos. Perante esta
avalanche de burocracia que há anos nos tem vindo a esmagar, não devemos dar
lugar ao temor de tomar atitudes de afrontamento, pois ela bloqueia o
desenvolvimento do País. Vivemos num reino de impunidade, porquê? Porque se é funcionário público, qual cedro do Líbano que resiste a todas as tempestades.
Contudo,
a verdade que todos sentem e ninguém se atreve a confessar é que o País vive em
profunda crise de medo: saber como e em que condições se deve apresentar
reclamações contra a burocracia, que nos vai votando descaradamente a uma
indiferença contínua, no "deixa andar", caso contrário fica-se na eminência de
vir a perder os seus postos de trabalho e a sofrer na vida vicissitudes só pelo
facto de querer contribuir de forma frontal, para o bem deste País, que desde
há muito anda à deriva, esbanjando descaradamente os subsídios pedinchados à Comunidade
Europeia.
Quem
visitar as instituições públicas, certificar-se-à de que a
realidade é bem mais flagrante da que procurei descrever aqui, mas, Oliveira
Salazar já naqueles tempos foi frontal nas suas afirmações. Deparamos-nos com
funcionários a ler revistas de entretimento e jornais, outros sentados às
secretárias na cavaqueira, indiferentes a tudo ao que se passa ao seu redor, enquanto
os utentes que para ali descontam, aguardam horas com a senha na mão à espera
de serem atendidos, causando muitas vezes discussões evitadas.
Nem
todos devem ser tidos por igual é certo, mas, a diferença é mínima. Para esses
poucos exprimo o meu profundo respeito. O vírus da burocracia e da desmotivação
veio para ficar como a Toyota. O país assim não passa da cepa torta. A quem
interessa este marasmo, esta apatia? À quem chame a isto o reflexo dos tempos
de crise, falta de motivação e empenho, etc. etc...
Com
tudo isto associado, e a impunidade que se respira no funcionalismo público, estão reunidos os ingredientes para saltar a tampa da panela de
pressão.
Serão
todos, farinha do mesmo saco? Estou certo que não. Para que servem as greves a pedir mais aumentos
nos vencimentos, passar para o quadro? O cidadão contribuinte que sustenta a
pesada máquina pública com os seus impostos, tem ou não uma palavra a dizer? Certamente que sim. Urge agir, que se faz tarde.
J.
Carlos
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