Por José Cleves em 04/10/2011 na edição 662
Passou da hora de os jornalistas trocarem a crítica
genérica sobre a corrupção no país por algo mais prático. Quando o veneno da
execração pública já não mais resolve (veja caso Maluf), “porque o crime
compensa” (dos R$ 40 bilhões desviados dos cofres públicos federais entre 2002
e 2008, como informa a Fundação Getúlio Vargas, creio que nem 1% foi ressarcido
ao erário), a solução é evitar que o mal aconteça e a imprensa pode fazer isso
porque corrupção é uma doença contagiosa que prolifera pela omissão. A verdade
é que a lei que trata do crime de improbidade administrativa (8.429/92) é
maravilhosa na teoria e ordinária na prática.
Não acredito em crime perfeito e não admito o
argumento de que esse é um problema estritamente da polícia. Ora, todo mundo
sabe que polícia trabalha na consequência do fato. A Militar patrulha e
registra ocorrências e a judiciária (Civil e Federal) investiga o fato
acontecido. Nenhuma delas tem a função de fiscalizar os órgãos públicos. Esta é
uma tarefa do Ministério Público, que é um poder autônomo e desvinculado dos
demais, que são por ele fiscalizados – inclusive a polícia (art. 127 a 130 da
CF). Mas não é operacional. O promotor não frequenta repartições públicas, não
acompanha fisicamente o dia-a-dia da política, não fuça gabinetes. O mesmo
pode-se dizer dos conselheiros dos Tribunais de Contas, outra instituição
desvinculada dos demais poderes e responsável pela fiscalização das contas
públicas – dinheiro, bens e valores públicos (art. 71 CF).
Portanto, sobrou para os jornalistas, que são
obrigados a escarafunchar gabinetes, levantar tapetes e se intrometer nos
negócios do governo para relatar ao público o que os seus representantes e
prepostos estão fazendo com o seu dinheiro. Por essa razão, não podemos ficar
no limite do escândalo. Imagine um médico pasmo com o agravamento da doença de
seu paciente, sem fazer nada. Ao repórter omisso, aplica-se a mesma premissa do
juramento hipocrático, por crime de má conduta na apuração do fato. Como a
nossa atividade é autônoma e sem uma autorregulação, pela ausência de um
conselho federal, por exemplo, ela foge ao controle do Estado e da própria
classe, não havendo meios legais para se punir o mau profissional, a não ser
quando ele comete crimes comuns previstos em lei.
FRENTE CONTRA A CORRUPÇÃO
A informação é um bem social imprescindível
– foi por falta dela que os Estados Unidos sofreram o 11 de setembro, o maior
atentado terrorista da história. O Estado democrático e o dever de ofício levam
o jornalista e o promotor à condição de predadores dos agentes públicos infiéis – um fuça e o
outro jurisdiciona – com a diferença de que o salário do promotor é pago pelos
contribuintes, que não visam ao lucro. Já o jornalista presta serviço para
empresários que só pensam em dinheiro. O promotor desonesto pode perder o
emprego para sempre, mas se o repórter pegar um jabá, por exemplo, corre o
risco de ficar desempregado temporariamente porque essa é uma prerrogativa do
veículo onde trabalha. Ou seja, no caso do jornalista,
a relação patrão-empregado não passa pelo crivo da moralidade.
É por essas e outras razões que defendo, ardentemente,
a autorregulação da profissão de jornalista, seja através de um conselho ou
ordem, para o autocontrole da conduta ética e profissional da categoria,
através de instrumentos que vão além de meros preceitos éticos. É humilhante uma classe de intelectuais como a nossa,
responsável por tão nobre missão, não ter competência para se organizar na
forma de uma instituição como a dos advogados ou médicos, por exemplo, que
possuem instrumentos próprios para o controle dos registros profissionais.
Não admito que o controle de registro profissional do jornalista continue sendo
feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego, se temos plenas condições de ter o
seu domínio de forma mais eficiente e competente.
Lavando a roupa suja, temos que considerar que boa
parte dos jornalistas peca por falta de qualificação ou de caráter – ou dos
dois juntos. A falta de caráter não tem cura (e nem ensinamentos, como pensava
Sócrates), mas qualificar é possível. Por isso sugiro à Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj) e demais entidades representativas da classe que realizem
um encontro nacional da categoria para conscientizá-la sobre o seu real papel
na fiscalização dos agentes públicos e orientá-la sobre meios e métodos de
atuação – os critérios de conduta ética e a importância da imprensa como
guardiã do patrimônio público. O mote do encontro seria o verdadeiro papel da
imprensa diante do aumento da corrupção no país. Como convidados, teríamos a
participação de representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, da
Polícia, do Tribunal de Contas e do Poder Legislativo e Executivo.
Venda de espaço
Além de integralizar esses poderes, assuntos
importantes, como o acesso aos registros públicos e o aspecto jurisdicional das
acções, enriqueceriam o debate na busca de um atalho para o combate à corrupção
no país. O Brasil conta hoje com 5.502 municípios, creio que 70% deles com
cobertura jornalística, seja por veículos próprios ou regionais. Segundo a
Associação Nacional de Jornais (ANJ), existem no país 4.056 jornais filiados à
entidade e um número não calculado de não filiados. Mas, em termos efectivos,
pode-se dizer que 90% deste trabalho é ineficiente. Ou seja, praticamente sem
nenhuma fiscalização jornalística rigorosa.
Moral da história, o que estava ruim, piorou ainda
mais. Até porque existem os jornais pontuais, que surgem em época de eleição
para dar apoio a este ou aquele candidato. São panfletos que não deveriam ter
nenhum crédito, mas são formadores de opinião – e o pior: por traz de cada um
desses jornais tem sempre um jornalista fazendo bico para sobreviver.
Sei que a forma com a qual a imprensa nanica fiscaliza
os agentes públicos no interior é altamente favorável à corrupção porque a
maioria destes veículos depende de verbas públicas para sobreviver. Vende
espaço e opinião em troca de favores. Esta relação incestuosa anula a imprensa
e faz do jornalista um contribuinte passivo da corrupção. Ora, é compreensível
que o dono de um jornal do interior dependa de verbas públicas para custear o
seu veículo, mas ele não pode se anular por completo. Tem, no mínimo, que
cumprir a sua obrigação de informar o público sobre todos os fatos políticos
que ocorrem na cidade porque éfunção do jornalismo nos regimes democráticos
fiscalizar os poderes públicos e privados e assegurar a transparência das
relações políticas, económicas e sociais.
O jornalismo declaratório
Por conta disso, a imprensa e a mídia são, às vezes,
cognominadas de o Quarto Poder, aquele que é responsável pela fiscalização dos
poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim sendo, é
obrigação do jornalista fazer a cobertura sistematicamente do Poder
Legislativo, comparecendo a todas as reuniões ordinárias e extraordinárias para
levar ao público o que rola nos seus bastidores e com isso fiscalizar o Poder
Executivo, que sem o Legislativo não faz nada. É preciso, ainda, ter profundo
conhecimento do seu Regimento Interno e da Lei Orgânica do Município.
Recomenda-se que o material obtido nos debates
públicos vá para o mix de reportagem, onde deve ser publicado com
isenção, ficando as impressões jornalísticas para a seção de opinião. Com isso,
o jornal cumpre o seu papel pela concisão do fato relatado. Este tipo de
trabalho sério normalmente é reconhecido pelas autoridades, até porque o bom
jornalista é aquele que se impõe pelo respeito e a seriedade de seu trabalho. O
segredo é se informar bem para informar melhor ainda.
Vale lembrar que as coberturas dos poderes
legislativos são exauridas ao final das reuniões porque este é um poder
representativo de todos os interesses políticos e colectivos. Dentro desta Casa
estão os representantes do povo, dos partidos políticos, do prefeito e de todos
os demais segmentos da sociedade, de forma que se a fala de um vereador ou de
um deputado ofender alguma autoridade, lá estará, com certeza, o representante
legal deste para fazer a sua defesa. Se isso não ocorre, não é problema do
repórter. Funciona assim. É o que chamamos de jornalismo declaratório – um fala
e outro se defende, através de um debate democrático e salutar. O jornalista,
neste caso, é mero mediador de fatos.
Relação estritamente profissional
Outra atenção especial deve ser dada às licitações
públicas que, por lei, são publicadas na imprensa oficial. O repórter precisa
conhecer a lei que rege as licitações públicas, ler os editais e checar os
aditivos, que não podem passar de 25% do valor da obra ou do serviço a ser
prestado. É sabido que as principais irregularidades detectadas pelos Tribunais
de Contas nas prestações de contas dos municípios estão nas licitações,
movimentação de pessoal e no sector de compras, procedimentos esses que não
passam pelo Legislativo. Portanto, é necessário ao repórter ficar atento a tudo
isso porque o tamanho do dinheiro público que vai para o ralo depende do
tamanho da omissão jornalística. Até porque, é sempre bom lembrar, o poder
judiciário trabalha por provocação. Por isso é importante ao jornalista actuar
em parceria com o Ministério Público, que tem poderes para, entre outras
coisas, mover uma acção cível pública contra um prefeito ou vereadores por crime
de improbidade administrativa.
A eficiência jornalística tem tudo a ver com a conduta
pessoal do jornalista. Portanto, o ideal é que o repórter evite qualquer
relação que venha mais tarde a criar constrangimentos para o livre exercício da
profissão. O repórter não deve ter nenhuma relação de amizade com políticos e
demais autoridades que fazem parte de seu contexto profissional. Evitar ao
máximo possível as informalidades, não aceitar nada que venha a comprometer o
seu trabalho, como favores ou agrados, e não fazer parte dos segredos
profissionais e/ou particulares de agentes públicos que ostentam poderes porque
isso compromete a relação profissional. Eu não vou a festa de político, não lhe
peço favores, não os aceito e nem dou margem para que eles me tratem como
amigo. A nossa relação tem que ser estritamente profissional, de respeito
mútuo, para que possamos ser cépticos, críticos e independentes, como dever ser
um bom jornalista.
Agindo desta forma qualificada e ética iremos, com
certeza, contribuir muito para a redução da corrupção no país.
*** Observatório da Imprensa
[José Cleves é jornalista, Belo Horizonte, MG]
NB: Artigo adaptado considerando o assunto em si, e o interesse público do mesmo. Os leitores o que têm para dizer sobre o assunto? Enviem-nos as vossas opiniões para e-amil:editorlitoralcentro@gmail.com
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