quinta-feira, 28 de março de 2019

Governo prepara Fundo Soberano de Moçambique à porta fechada com multinacionais e banqueiros

Foto da Presidência da República
Sem a presença do povo, membros dos partidos de oposição ou de jornalistas o Governo começou, nesta quarta-feira (27), a preparar à porta fechada a pertinência da criação de um Fundo Soberano com as receitas da exploração dos recursos minerais, que o Presidente Filipe Nyusi disse serem “pertença de todo o povo”. Questões sobre o momento certo para sua criação, como conciliar as necessidades imediatas com as necessidades futuras ou os modelos de fiscalização estão a ser discutidas em Maputo apenas com as multinacionais e banqueiros.
Quase 20 anos depois dos recursos naturais de Moçambique terem começado a ser explorados pela Sasol sem grandes benefícios para o povo o nosso país prepara-se para se tornar no segundo maior produtor de gás natural do continente africano. A Anadarko deverá anunciar a sua Decisão Final de Investimento (DFI) até finais de Abril próximo e ainda este ano seguir-se-á a DFI da ExxonMobil, que juntamente com a produção da Eni, deverão gerar receitas aos cofres públicos de 49,4 biliões de dólares norte-americanos nos próximos 30 a 40 anos.
Discursando na abertura de Seminário organizado pelo Banco de Moçambique em parceria com o Fundo Monetário Internacional com o mote de preparar Moçambique para a era do gás natural o Presidente Filipe Nyusi partilhou aquela que disse ser a visão do seu Governo sobre como esses recursos devem ser geridos. “O nosso princípio é de que os recursos minerais são pertença de todo o povo moçambicano, pelo que os benefícios devem ser partilhados por todos os moçambicanos, desta geração e das gerações vindouras. Devemos usar desta oportunidade para fazermos a transformação que a nossa economia precisa para crescer de forma robusta, sustentável e inclusiva, elevando os padrões de desenvolvimento do nosso povo”.
“A maldição dos recursos ocorre quando os rendimentos gerados pela sua exploração são ilicitamente apropriados ou delapidados e/ou quando essas receitas apenas beneficiam um limitado grupo de interesses e não contribuem para alavancar e diversificar a economia do país”, afirmou o Chefe de Estado que, recorde-se, pretende penhorar já parte desses rendimentos para pagar as dívidas ilegais das empresas Proindicus, EMATUM e MAM.
Reflexão sobre diversificação da economia com chá, café e açúcar importados
Foto da Presidência da República
Nyusi aprofundou que a visão que tem para que a exploração dos recursos beneficie a todos moçambicanos consiste “na criação de um mecanismo de poupança para que nem tudo o que é extraído seja gasto; (...) na definição de uma proporção das receitas que serão canalizadas, anualmente, ao Orçamento do Estado para o financiamento da actividade do Estado, com destaque para o suprimento do défice de infraestruturas e financiamento às áreas sociais” e ainda na “adopção de uma estratégia induzida para a diversificação da nossa economia, com destaque para aprofundamento do nosso sector agrícola”.

Ironicamente este foi mais um evento com a participação do Chefe de Estado e onde a diversificação da economia foi enfatizada assim como a aposta da agricultura porém detalhes como o chá, o café e o açúcar servidos eram importados quando pelo menos esses produtos são produzidos e até protegidos em Moçambique.
Foto de Adérito Caldeira
Em mais um discurso recheado de boas intenções o Presidente da República convidou os participantes a clarificarem o modelo de Fundo Soberano a ser adoptado por Moçambique e reflectirem sobre: “Qual é o momento certo para a constituição do Fundo soberano?; Como conciliar as necessidades imediatas com necessidades futuras da geração vindoura?; Sobre as fontes das Receitas do Fundo Soberano; Quais são os grandes vectores das Despesas do Fundo Soberano?; Modelo da Segurança das Transacções; Áreas de Intervenção dos Investimentos; Qual é o melhor esquema de Fiscalização e Supervisão?; Uma visão clara sobre a Delimitação das Funções”.

Num encontro onde o povo não esteve presente e no qual participou somente um membro da Sociedade Civil os jornalistas foram impedidos de acompanhar as reflexões que membros do Governo, do banco central, gestores de topo dos bancos comerciais, representantes da Confederação das Associações Económicas, alto funcionários da ENI, Anadarko e ExxonMobil, representantes dos bancos centrais do Botswana, Trinidade e Tobago e da Noruega ficaram a fazer sobre como usar o dinheiro a ser obtido dos recursos que supostamente são de todos os moçambicanos. Participou ainda do encontro à porta fechada um representante do Fundo Soberano da Noruega que paradoxalmente é accionista do Credit Suisse, o banco que está no epicentro das dívidas ilegais contraídas a contar com as receitas do gás natural da Bacia do Rovuma.
Fundo Soberano poderia contribuir para aumentar a resiliência às mudanças climáticas
João Mosca, um dos mais experientes economistas moçambicanos e director do Observatório do Meio Rural, relatou ao @Verdade que teve de apelar ao ministro Adriano Maleiane para ser convidado, contudo recebeu um convite com acesso limitado e optou por não não participar.
Entretanto num artigo de reflexão publicado no início da semana o Observatório do Meio Rural alertava que: “A constituição de um Fundo Soberano no contexto do funcionamento e gestão pública, onde persistem zonas cinzentas e até de promiscuidade, onde as instituições partidarizadas servem interesses de elites do sistema político e da governação, corre um grande risco”.
A organização da Sociedade Civil sugere que um primeiro objectivo do Fundo Soberano “poderia ser o da constituição de reservas para estabilizar a taxa de câmbio, reduzindo os efeitos da designada doença holandesa”.
“Segundo, Moçambique é dos países do mundo mais vulneráveis às mudanças climáticas. Tudo indica que os ciclos de inundações e secas são cada vez mais frequentes e de maior dimensão (amplitude). Existem poucas ou nenhumas infra-estruturas que reduzam esses efeitos e existe uma baixa capacidade financeira para socorrer as populações e para a recuperação das infra-estruturas. O Fundo Soberano poderia contribuir para aumentar a resiliência através da protecção das zonas de maior risco de inundações (diques de defesa nas margens dos rios), a construção de barragens para a regulação dos caudais e de regadios nas zonas de maior probabilidade de secas prolongadas, desenvolvimento de variedades de sementes mais resistentes à seca, entre outras medidas”, acrescenta Mosca.
Na visão do Observatório do Meio Rural “o Fundo Soberano poderia reforçar as acções de prevenção e resolução de conflitos, que geralmente requerem muitos recursos, por exemplo, a desmilitarização das forças da Renamo que tem encontrado dificuldades, que entre várias razões, também se inclui o enquadramento na vida normal desses elementos”.

Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique

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