Luis Dufaur
A“Bíblia de Pedra”, como é conhecida a catedral de Notre-Dame de Paris, durante oito séculos resistiu a toda espécie de guerras, revoluções e intempéries. Mas esteve a ponto de ruir no incêndio do telhado e da agulha, em 15 de abril de 2019, deixando o mundo estupefato. Tendo em vista que essa catedral é tida em todo o mundo como um símbolo da própria Igreja Católica, a catástrofe que a atingiu pode também ser vista simbolicamente como a grave crise que devora a Igreja.
Por outro lado, o resgate quase milagroso do Santíssimo Sacramento e das mais preciosas relíquias da catedral, como a Coroa de Espinhos e a túnica de São Luís, soou como uma promessa de restauração católica, a ser realizada depois da infernal “penetração da fumaça de Satanás no templo de Deus”, conforme a qualificou Paulo VI.
Pouco depois de debelado o incêndio, o presidente francês Emmanuel Macron, sob o pretexto de modernizar a catedral, anunciou e propôs um “gesto arquitetônico contemporâneo”. Em consequência, foram adiantados projetos de índole ecologista, tribalista ou psicodélica que deformariam grotescamente o majestoso templo gótico. Um setor imenso da população francesa e mundial reagiu incontinenti, chamando por uma restauração à l’identique (ou seja, idêntica ao modelo original da Idade Média), acrescida de aperfeiçoamentos congruentes dos séculos posteriores, inclusive os do genial arquiteto Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879) no século XIX. Na liderança desse movimento pela restauração à l’identique destaca-se o abaixo-assinado promovido pela Société française pour la défense de la Tradition, Famille et Propriété, que até o momento recolheu mais de 140.000 assinaturas. (Cfr. TFP France, https://tfp-france.org/).
Aspecto do telhado onde se aprecia a madeira de carvalho com a qual havia sido feito.
É auspiciosa, porém não inteiramente tranquilizadora, a notícia de que a disputa está perto de se resolver sensatamente. Tanto o telhado como a flecha de Notre-Dame devem ser reconstruídos tais como eram antes do incêndio. Ou seja, feitos com madeira de carvalho. Em grande medida esta decisão se deve ao fato de que o general Jean-Louis Georgelin [foto], responsável pela restauração, foi convencido pelos especialistas de que a reconstrução à l’identique é a solução mais rápida, mais barata e mais confiável. Pois o carvalho é flexível, resistente, isolante e quase indestrutível. E se a armação antiga tivesse sido feita de concreto ou aço, os objetos preciosos não poderiam ter sido salvos. Ao contrário do que inicialmente se pensou, a causa do incêndio aponta para o sistema informatizado de detecção de fogo, que falhou completamente. Portanto, a combustibilidade da madeira não está em questão.
Um belo exemplar de carvalho de uma floresta francesa.
Dados e informações levantados nos arquivos indicam que no século XIII foram utilizados na construção apenas mil carvalhos, abatidos em apenas três hectares. E levantamentos atuais mostram que a França dispõe hoje de seis milhões de hectares plantados com carvalho. Segundo Frédéric Épaud, especialista do CNRS, tudo pode ser feito de modo rápido, e a inauguração poderá ocorrer em 24 de abril de 2024. E comemora: “Vamos agora cortar o carvalho. Não falta mais nada”.
ABIM
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 830, Fevereiro/2020.
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