quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Recomeço dentro do mar conservador

 

  • Péricles Capanema

Um amigo que leu o artigo “Orfandade” comentou comigo: — você precisa continuar no tema, vai ajudar muita gente. Muitas vezes o auxílio vem pela recordação. Não foi a primeira vez que tratei da orfandade, nem me parece que no último artigo tenha posto todos os dados importantes. Meses atrás, a 5 de julho, postei “Mar conservador”, depois reproduzido em alguns órgãos, em que discorro sobre a orfandade da opinião pública. Vou lembrar aqui alguns temas lá desenvolvidos.

Comentei no mencionado artigo a observação feliz do jornalista Alexandre Garcia que negava existir no Brasil uma onda conservadora; o que existia e sempre existiu, sustenta ele, é um mar conservador. Até matizou o pensamento: existem ondas encrespadas, contudo o mais importante é o mar conservador.

Aí aproveitei o gancho do jornalista e examinei, entre outras matérias, a orfandade dos conservadores no Brasil:

“Existe no Brasil e vem de longe um oceano conservador pacato; de momento temos ainda ondas conservadoras encrespadas. Visto mais de perto, o oceano conservador é imenso, retorna logo à calmaria, depois das borrascas e tormentas; mais, gosta dela e para ela retorna, logo que possível. Público de hábitos simples, com escassas possibilidades de se fazer representar na vida pública, tem o olhar posto na família, está desabituado a considerar longamente interesses além do círculo doméstico. Preza a honestidade, a discrição, a palavra dada. Seu maior entretenimento é o convívio, em especial no interior da família. Temperante por atavismos, desagradam-lhe incontinências, desmandos, linguagem chula, palavrões, insolências, agressões destemperadas. Desconfia de perspectivas e planos mirabolantes. Tem, a bem dizer, nenhuma presença na vida pública, não é visto nos meios de divulgação, não chama atenção na economia. Quanto representa do total da população? Não sei, bem pode ser mais que a metade. Entre o mar tranquilo e as vagas crispadas, o mais importante é o oceano sereno, ainda que, as segundas apareçam mais, o primeiro seja quase nunca visto.

O Brasil mar tranquilo se vê representado no Brasil ondas encrespadas? O tom agrada? O conteúdo convida à adesão? A postura tranquiliza? Não, o Brasil divisado acima ainda se sente órfão — pelo menos em larga medida. Ou, quase sempre, a sensação do público é, estamos em presença de contrafações”.

Volto aos conservadores entocados, os que chamei órfãos. Vivem no ostracismo da esfera pública, estão banidos dos meios de divulgação, são inscientes de sua real importância. São os exilados internos, sombra melancólica no meio de fulgurações fátuas — intensas, por vezes. Uma tarefa de restauração nacional seria colocá-los à luz do dia, nos espaços que seu número e talento naturalmente reivindicariam. A vida pública brasileira então, mais arejada, seria aperfeiçoada pela polidez e cultura, bem como ganharia em elevação, lógica e preocupação com o bem comum.

Reconheço, é objetivo dificílimo. Mas o começo de uma solução é apresentar bem o problema. Outros poderão apontar para soluções. Aqui estão apenas esboços de grave problema brasileiro. Recorro a exemplos. Dois homens marcaram as respectivas épocas, ainda que em graus e motivos diversos. Peter Drucker (1909-2005), luminar da administração, foi requisitado teórico, professor e consultor de empresas. Para o êxito, dizia ele, “o trabalho mais importante e mais difícil não é encontrar a resposta correta, mas fazer a pergunta certa”. Em comentário parecido, Voltaire (1694-1778) observou que “um homem deve ser julgado mais pelas suas perguntas do que por suas respostas”. Vamos então, no presente esforço, com olhos no público órfão, procurar formular bem os problemas e encontrar as perguntas a serem feitas; essa é a tarefa primordial. As respostas aflorarão depois. Teríamos recomeço sadio com barco singrando com instrumentos seguros de orientação. A mais, tal esforço ajudará a manter limpo o mar conservador.

ABIM

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