domingo, 26 de junho de 2022

Da descrença à autodestruição – a obra do ceticismo

 Alex O’Connor

  • Paulo Henrique Américo de Araújo

Um jovem de boa aparência coloca-se tranquilamente diante do microfone. Educado e respeitoso, apresenta-se para um debate programa “Unbelievable” (Inacreditável), veiculado por uma emissora de rádio na Inglaterra.1 Alex O’Connor (este é o nome do rapaz) transmite impressão favorável a quem, como nós católicos, gostaria de ver e admirar um jovem de bons princípios. Mas logo se desvanece tal primeira impressão quando ouvimos Alex expor seus pensamentos, pois ele se autoproclama cético. Não um cético qualquer, mas cético radical. E o título dado por ele à sua página na internet e ao seu canal no Youtube não deixa dúvidas: Cosmic Skeptic: question everything (Cético Cósmico: questione tudo).

Alex está cursando graduação em filosofia e teologia na conceituada Universidade de Oxford. Além desta credencial, talvez sua jovialidade e aparente segurança discursiva explique o porquê de sua fama nos ambientes ingleses e americanos embrenhados no ceticismo e ateísmo.2 Não quero parecer injusto, pois de fato ele demonstra capacidade intelectual invulgar na sua idade, daí o número de jovens atraídos por seu discurso.

A incapacidade de formar certezas

Em termos gerais, o ceticismo é uma doutrina filosófica que nega a capacidade do intelecto humano de conhecer qualquer certeza.3 Tendo tal doutrina como pressuposto, no seu programa de rádio Alex argumenta contra a existência de Deus. Seu opositor é Frank Turek, polemista protestante, conhecido nos meios apologéticos norte-americanos, autor de livros provocativos como “Eu não tenho suficiente fé para ser ateu”.

A discussão gira em torno da pergunta: será Deus o fundamento dos preceitos morais objetivos? Frank Turek, debatedor experiente, discorre sobre o assunto com desenvoltura e firmeza. Apesar de protestante, recorre a argumentos da apologética católica tradicional. Infelizmente, logo o diálogo mergulha em digressões sobre ontologia, epistemologia e semântica. Poupo ao leitor outras referências a assuntos tão superespecializados, mas Alex recorre a eles frequentemente, como escapatórias diante de certas dificuldades.

O mais interessante para atrair o ouvinte é que Frank Turek consegue evidenciar os dilemas e incoerências insanáveis da posição de Alex, e nessas ocasiões o rapaz titubeia, vacila, arrastando-se no terreno pantanoso e movediço da falta de certezas. Convicto da sua “falta de convicção”, ele repete muitas vezes contestações como “não necessariamente”, “não tenho certeza disso”. Um exagero didático, muito cômodo para quem “duvida de tudo”, é citar a si mesmo como autoridade: “De acordo comigo…”!

Nenhuma civilização sobrevive sem certezas

No fim do debate, o ouvinte dotado de bom senso se convence de que, independente das veleidades humanas, só pode haver moral objetiva se existe Deus para fundamentá-la. Caso contrário, qualquer desejo subjetivista justificaria as loucas atrocidades praticadas por Hitler, Stalin ou Mao Tsé-Tung.

Essa conclusão é óbvia, repito, para pessoas de bom senso. Mas a maioria dos seguidores de Alex O’Connor pertence àquela gama de espíritos incoerentes, ansiosos de não serem responsabilizados por seus atos diante de um Divino Juiz. Pois a consequência lógica de admitir uma moral objetiva é que se tem a obrigação de prestar contas ao Divino Autor e garantidor dessa moral. Disso o cético procura fugir a todo custo e agarra-se a qualquer solução, por mais pobre que seja. Para esses, Alex fornece saídas tranquilizadoras, pseudo-racionais.

A consequência lógica do raciocínio sem fundamentos4é um mundo igualmente sem fundamentos, autodestrutivo por si mesmo. Sem convicções, nada de seguro, elevado e sublime se constrói. Nenhuma instituição ou civilização pode perdurar sem bases sólidas. Caso o ceticismo triunfasse, chegaríamos ao fim da História.

No Brasil, não me consta que haja celebridades do ceticismo, como o jovem inglês. Apesar da falta de notoriedade (e talvez à procura dela), alguns resolveram recentemente levantar a voz para alcançar o público brasileiro.

Em artigo publicado pela “Folha de S. Paulo” em 10 de setembro de 2020, Contardo Calligaris confessa sua inclinação ao ceticismo: “Somos condenados a sermos liderados por fanáticos incultos?”. Nas entrelinhas, muitas semelhanças com a mentalidade de Alex O’Connor: vacilações, irresponsabilidades e a consequente ruína da civilização.

A queda do Império Romano se deveu ao fato de os “céticos cultos”, “gozadores da vida” (as expressões são de Contardo Calligaris), terem tomado as rédeas do poder em Roma.
[ Destruição do Império Romano – Thomas Cole, séc. XVIII. New York Gallery of Fine Arts]

A Roma católica deu novo impulso ao Império Romano

Em resumo, Calligaris usa a narrativa da queda do Império Romano do Ocidente (século V d.C.) para fazer uma espécie de alerta sobre o grande erro — segundo ele — de sermos governados atualmente por pessoas convictas de suas ideias. Para ele, o perigo são os fanáticos “incultos, analfabetos funcionais ou, no mínimo, leitores de um livro só”. Obviamente, o alvo aqui são os cristãos.

Ainda segundo o autor, uma minoria de “cristãos fanáticos e incultos” assumiu o poder no Império Romano e provocou a queda da outrora grandiosa Roma dos Césares. Do mesmo modo, a “minoria fanática” de hoje — leia-se o movimento conservador — galgou o poder nos últimos anos no Brasil, e assim vai preparando a derrocada da nossa cultura.

Sem entrar em todos os pormenores do artigo, apenas desejo apontar as vacilações e incongruências do autor. Antes de tudo, demonstra uma ignorância histórica imperdoável. Roma se tornou grande exatamente em razão das convicções e certezas de seus habitantes. A noção da Pax Romana impregnava a mentalidade dos romanos. Eles estavam certos de que levariam o bem-estar aos povos sujeitos à sua administração, e com tal convicção forjou-se a grandeza de Roma. Pouco importa se alguém está de acordo ou não com essa política, o fato é que os romanos se mostraram coerentes com ela.

Ora, a queda do Império se deveu justamente ao fato de os “céticos cultos”, “gozadores da vida” (para usar as expressões de Calligaris) terem tomado as rédeas do poder em Roma. Eles constituíam a parcela dos irresponsáveis da época, incoerentes em seus raciocínios e adversos à ideia de serem julgados por seus atos no tribunal de Deus. Ao contrário do que diz o autor, o último recurso para a salvação do Império veio precisamente dos cristãos.5 O Imperador Constantino o percebeu, e por isso lhes deu a liberdade.

Os católicos daquela época recolheram os restos do Império decadente e empreenderam a sua reconstrução. Foi daí que vieram as instituições medievais. Com Carlos Magno, o Império Romano renasceu. Mais tarde a solidez da fé católica produziu as magníficas catedrais, as grandes universidades, a heroica e caritativa nobreza cristã, a síntese escolástica, as corporações de ofício… Todo esse conjunto de fatores proporcionou o surgimento da civilização cristã, esplendorosa e repleta de coerência.

Se hoje nossa cultura está morrendo, tal se dá em boa medida pela corrosão promovida por falsos “cultos” e por céticos como Alex O’Connor, Contardo Calligaris e seus frustrados seguidores, sejam eles jovens ou anciãos. Poderíamos perguntar-lhes: o seu ceticismo ilógico, o que produziu de verdadeira cultura? Ouviríamos provavelmente uma resposta vacilante, ou então as palavras cínicas do autor brasileiro: “Os cultos e céticos lutam para que cada um possa tocar a vida e gozar do jeito que lhe parece certo, sem ser julgado (apenas nos limites do Código Penal)”.

Somente católicos convictos de sua fé podem resgatar os restos de civilização cristã. O futuro pertence a eles, e não a céticos incoerentes e irresponsáveis.

ABIM

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Notas

  1. O debate está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=b5a3MxIqZOs
  2. No canal de Alex, o debate já tem quase 1 milhão de visualizações.
  3. Cfr. Enciclopédia Católica na internet: https://www.newadvent.org/cathen/13516b.htm
  4. Idem: “O cético assume a capacidade do intelecto de criticar a faculdade do conhecimento e, ao mesmo tempo, ele nega conhecer qualquer coisa. Assim, implicitamente contradiz a si mesmo”.
  5. Cfr. ESOLEN, Anthony, Manual politicamente incorreto da Civilização Ocidental, Vide Editorial, Campinas, SP, 2019.

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