quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Macroscópio – Colónia, ou quando o nosso mundo é menos bonito de ver

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
Noite de Ano Novo, estação central de Colónia (aHauptbahnhof), não muito longe de uma das mais magníficas catedrais góticas de toda a Europa. Horas a fio, perante a impotência ou a incompetência de polícia, centenas de mulheres são agredidas sexualmente – neste momento são mais de 500 as queixas formais. Entre os agressores, começou depressa a saber-se, havia sobretudo homens que se exprimiam em árabe e que pareciam vindos de África ou do Médio Oriente. Mais tarde apurou-se alguns deles eram refugiados – isto é, tinham sido recentemente sido acolhidos numa Alemanha que lhes abriu as portas quase de par em par. Ainda não se sabe tudo sobre os factos, mas o que já se sabe tem todo o potencial para incendiar ainda mais um debate incómodo e difícil, o da relação da Europa com os que a ela chegam procurando abrigo ou apenas uma nova oportunidade. Os populistas anti-imigração não podiam deixar de aproveitar o momento. Angela Merkel, a chanceler que este Verão abriu as fronteiras do país, ficou embaraçada e prometeu medidas mais duras, como deportações. A esquerda não conseguiu esconder a perturbação, ficando paralizada entre o medo de ser acusada de xenófoba e o receio de abandonar à sua sorte mulheres cujos direitos sempre disse defender.
 
Serviu este primeiro arágrafo para introduzir de forma muito sucinta a nova crise que divide a Alemanha e os termos de uma debate que já se estende bem para lá das suas fronteiras. Mesmo assim é importante fixar melhor os factos, e para isso a nossa melhor sugestão é a leitura de um longo, mas também muito completo, artigo da Spiegel: Chaos and Violence: How New Year's Eve in Cologne Has Changed Germany. Aí se procura explicar o que se sabe sobre o que passou e os novos desafios políticos: “New Year's Eve in Cologne rapidly descended into a chaotic free-for-all involving sexual assault and theft, most of it apparently committed by foreigners. It has launched a bitter debate over immigration and refugees in Germany -- one that could change the country.
 
De uma forma muito sintética, também a The Economist considerou que estaremos agora perante A less welcome culture: migration after Cologne. Tudo porque “Fear, anger and division are putting Germany’s “welcome culture” under unprecedented strain.” No mesmo sentido vai o texto do correspondente do El Pais em Berlim: Los ataques a extranjeros en Colonia avivan el miedo a un brote xenófobo.
 
Antes de vermos um pouco do que se escreveu por essa Europa for a sobre estes acontecimentos, comecemos por Portugal, onde já há alguma reflexão produzida, sobretudo no Observador (três artigos, com perspectivas diferentes como veremos mais adiante) e no Diário de Notícias (dois artigos), sem esquecer o Expresso (um artigo).
 
No Observador as diferenças começam logo no ângulo da abordagem. Arranquemos, também por isso, pela crónica de Helena Ferro de Gouveia, uma jornalista portuguesa que trabalha e vive na Alemanha. Em Colónia – Noite que mudou tudo? defende a ideia de que está a haver muito exagero e demasiada comoção na forma como a discussão alemã. Para ela há mesmo “uma histeria” que “não surpreende”: “Muitos esperavam por algo semelhante para fazer pagar aos alemães e em particular à sua chanceler a “arrogância” e o “unilateralismo” de fazer respeitar o direito internacional e se mostrar a única líder à altura num momento histórico complexo e numa União Europeia que transformou a política num negócio de mercearia sem qualquer grandeur.” Isto porque se criaram ao que considerem serem alguns sofismas (o de que “mil homens atacaram mulheres em Colónia”, o da “violação em massa” e o do “silenciamento” ou “branqueamento” dos media alemães) que estarão a ser explorados por “correntes radicais”.
 
A perspectiva de uma outra mulher, Maria João Marques, é muito diferente, não só porque, em Islamite aguda, não discute os factos sobre o que ocorreu em Colónia (nem os "sofismas"), como recorre muito à sua experiência pessoal para justificar aquilo a que chama a sua embirração com o Islão – ou do Islão com ela, “uma mulher ocidental, independente, livre, que não pede nem nunca pediu permissão a um homem (fora os tempos em que os meus pais mandavam em mim) para viver a sua vida, que se sustenta a si e aos seus filhos, que se veste de forma mais ou menos sexy conforme lhe apetece”. A sua conclusão é que “podem queixar-se à vontade do aproveitamento que a extrema-direita faz destas agressões sexuais. A extrema-direita só está a aproveitar a receita explosiva que a esquerda multiculturalista com irresponsabilidade criminosa cozinhou. E pagaram as mulheres.”
 
Deixei para o fim, no que toca ao Observador, o texto de Rui Ramos, O invasor bárbaro e o bom selvagem, pois neste procura fazer-se uma leitura mais política do que se está a passar não apenas na Alemanha mas em toda a Europa. Aí se defende que, “Na "crise dos refugiados" na Europa, não há verdadeira discussão, porque ninguém quer argumentar, mas apenas calar os outros, aproveitando as emoções do último incidente”. Sendo que esse incidente tanto pode ser a imagem de uma criança síria morta numa praia turca como os relatos de uma das mulheres agredidas em Colónia. Contudo o problema é sério e pode ter sérias consequências:
A crise migratória revelou muita coisa. Numa Europa supostamente integrada, as dificuldades continuam a ser pensadas sempre como dificuldades dos outros. No sul, que tem servido sobretudo de ponto de passagem, este é um problema do norte, da Alemanha. No entanto, a crise das migrações afecta todos. Está a dar espaço aos populismos no norte, tal como a crise do euro impulsionou os do sul, separando ainda mais a União Europeia. Pode explicar uma saída do Reino Unido, onde a “questão europeia” é cada vez mais a “questão da imigração”.
 
Esta reflexão dá uma boa passagem para o texto de António Barreto no Diário de Notícias, A orgia de Colónia, onde descreve as divisões existentes – “Racistas europeus, de direita e de esquerda, já se pronunciaram: "É preciso mandá-los todos embora!". Alguns europeus persistem em garantir que a Europa tem de os receber todos. As boas almas afirmam que as causas são as condições sociais e as culpas são dos brancos. Algumas polícias europeias, diante de desacatos deste género, ficam passivas e têm medo de ser acusadas de racistas.” – antes de sublinhar aonde a actual situação pode conduzir: “A liberdade europeia, o regime democrático e o valor da tolerância estão em xeque. Não só porque houve manifestações racistas e machistas de rara violência, mas também porque a justiça europeia tem dificuldade em reagir adequadamente. Quando a democracia e a justiça não conseguem resolver estes problemas com determinação, não faltarão os fanáticos que o queiram fazer à maneira deles.”
 
No mesmo jornal a reflexão de Viriato Soromenho Marques,"Proxémia" e liberdade, parte da convicção de que “Muitos dos vândalos embriagados que ofenderam mulheres fizeram-no porque no seu "mundo sensorial" as mulheres são consideradas criaturas inferiores, indignas de frequentar o espaço público.” para fazer uma exigência clara: “uma resposta firme e rápida, também da polícia e dos tribunais.” Senão, “A hesitação e a pusilanimidade deixarão a rua entregue ao medo, e aos extremistas da ultradireita que dele se aproveitam para, em nome da segurança, destruírem as liberdades públicas.”
 
Por fim referência a Henrique Raposo que, no Expresso, em Je suis Cologne (link para assinantes), vai mais longe do que todos os demais na condenação do que aconteceu: “Em 2016, a polícia de um estado europeu foi incapaz de conter a violação organizada de dezenas de mulheres e essa violação foi silenciada durante uma semana pelos média e ainda hoje é uma espécie de tabu. Lamento, mas isto é mais grave do que o ataque ao Charlie.”

 
Prossigo agora a minha ronda com um salto ao Financial Times, do qual vou destacar dois artigos. O primeiro, do colunista de assuntos internacionais Gideom Rachman, é importante por obrigar a olhar o problema de frente: Mass migration into Europe is unstoppable. Partindo do que temos de assumir como uma evidência – “Population pressures in Africa and the Middle East will drive immigration far into the future” –, o autor não tem dúvidas sobre quem acabará por vencer o debate que divide o nosso continente: “The big question in the coming decades is how Europe’s faith in universal liberal values will withstand the impact of mass immigration. A battle between nativists and liberals is beginning to shape politics. In the long run I expect the nativists to lose, not because their demands are unpopular but because they are unenforceable. It may be possible for island nations surrounded by the Pacific Ocean, such as Japan or Australia, to maintain strict controls on immigration. It will be all but impossible for an EU that is part of a Eurasian landmass and is separated from Africa only by narrow stretches of the Mediterranean.”
 
Mas se assim é – isto é, se não há mesmo forma de controlarmos os fluxos migratórios –, então como é que devemos lidar com os imigrantes (e os refugiados) e o que é que devemos exigir-lhes em troca da nossa hospitalidade, seja ela mais forçada ou mais voluntária? Para começar a procurar uma resposta é importante ler o texto de Mariam Lau, editor no alemão Die Zeit, publicado no mesmo Financial Times: Cologne attacks create a defining moment for German tolerance. Aí se defende que “If newcomers want to live here, they must accept certain values or else move on”. Ou seja, têm de aceitar os nossos valores e as nossas regras. Depois de recordar que os incidentes de Colónia não foram isolados – também ocorreram problemas graves noutras cidades, como Hamburgo e Stutgard – destacou algumas tomadas de posição importantes: “Kristina Schröder, the former minister for family affairs in Ms Merkel’s ruling Christian Democratic Union party, tweeted: “For far too long, we have overlooked a misogynist attitude among Muslim men.” O que o levou a subscrever a tomada de posição de uma conhecida líder feminista alemã, Alice Schwarzer: “Once again, I am being accused of racism by the usual suspects” for pointing out that Germans have been “naively importing male violence, sexism and anti-semitism”. In doing so, Ms Schwarzer added, “we not only endanger our own safety and our values. We also treat these brutish young men unfairly, who were not born as perpetrators. We should help them become decent people.”
 
Este ponto é especialmente sensível, pois a reacção das defensoras dos direitos das mulheres esteve longe de ser forte, ou mesmo uniforme, como notou Rod Liddle na Spectator, em I’m not one for conspiracy theories, but something fishy is going on in Europe. Mais concretamente, ele sublinhou a recusa de alguns sectores em condenarem este tipo de comportamentos e a fraqueza da reacção das autoridades: “there has been a deliberate, concerted and one would assume officially-sanctioned attempt on the part of the European authorities to downplay these crimes, to pretend they were minor, or were not committed at all, in the hope that the rest of us will not notice. The question is whether or not this mass evasion of the truth was co-ordinated or simply the consequence of a mindset which is at one and the same time liberal, in the modern sense, and totalitarian in a very old sense.”
 
Termino este selecção de recomendações de leitura com uma referência à Standpoint, onde saiu um texto importante de uma feminista de esquerda, Julie Bindel: France, Islam, And The Second Class Sex. Apesar de escrito antes dos acontecimentos da passagem de ano, este texto (que Maria João Marques também identifica no seu artigo) é uma crítica dura à inação dos que, com medo de serem criticados por xenofobia, racismo ou islamofobia, preferem calar-se:
If French feminists could see Islamism as a reactionary, anti-feminist ideology rather than the cri de coeur of the oppressed they might be able to do more for the real victims — the women, both Muslim and non-Muslim, who suffer under Islam or are killed by terrorists. (…) Meanwhile, feminists and others on the Left in France and elsewhere in Europe — the very people that should be ensuring Islamist fascists can never come to power — instead find ways to defend them. 
 
E por hoje é tudo. O Macroscópio regressa amanhã, com outro tema e mais sugestões. Tenham bom descanso e boas leituras. 

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2015 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário