domingo, 21 de fevereiro de 2016

«Não há homogeneidade na aplicação dos inquéritos aos dadores» de sangue

Presidente do IPST diz que precisa que a DGS inspecione os serviços
O objectivo era saber se permanecia a discriminação dos dadores de sangue com base na sua orientação sexual.
Ficámos a saber que «há hospitais que não estão a aplicar o questionário como deve de ser» e que, mais do que distinção, «não existem dados fiáveis» em Portugal que permitam justificar quais os critérios para a recusa.

O presidente do conselho directivo do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), Hélder Trindade, assegurou aos deputados da Comissão Parlamentar de Saúde da Assembleia da República (CPS AR), no passado dia 29, que a Resolução n.º 39 de 2010, da Assembleia da República (AR), estava a ser cumprida e que «não existe discriminação dos dadores de sangue com base na sua orientação sexual».

Para além disso, foram dadas orientações para que a pergunta «sendo homem, teve contacto sexual com outro homem?» fosse retirada do questionário entregue ao candidato a dador de sangue.



Foram dadas orientações para que a pergunta «sendo homem, teve contacto
sexual com outro homem?» fosse retirada do questionário entregue ao candidato
a dador de sangue. Contudo, a mesma pergunta é «obrigatória oralmente»,
confirmou Hélder Trindade
 

Contudo, a mesma pergunta é «obrigatória oralmente», confirmou Hélder Trindade aos jornalistas, a seguir à audição requerida pelo Bloco de Esquerda (BE), justificando que os contactos sexuais de homens com homens são um «factor de exclusão do dador», tal como dizem as recomendações ou directivas do Conselho da Europa.

De acordo com aquela entidade, explicou, «a prática sexual entre homens, designada HSH (homens que fazem sexo com outros homens) foi considerada um factor de risco para transmissão de doenças via sexual, nomeadamente do VIH, prática muito ligada ao coito anal desprotegido», garantiu.

«É a DGS que inspecciona e autoriza os serviços. Precisamos da colaboração da DGS para saber se as directrizes emanadas pelo IPST são cumpridas», fundamentou o responsável, assegurando que se for feito «um bom inquérito» o dador «será levado à auto-exclusão» 

Segundo o responsável, «se o dador admite que é homossexual mas não admite que teve práticas sexuais com homens, pode dar sangue», o que leva a concluir que não há descriminação desde que os homossexuais sejam abstinentes.

Questionado pelos jornalistas sobre se as pessoas heterossexuais, que também praticam sexo anal, serem apenas eleitas para dar sangue se não fizerem sexo, Hélder Trindade disse ter «um critério para o heterossexual e outro diferente para o homossexual que tem coito anal». «Não vou pôr no mesmo saco um coito anal heterossexual e outro homossexual. Temos que estabelecer diferenças», tinha já dito aos deputados o especialista, salientando várias vezes a elevada prevalência de VIH entre os homossexuais quando comparada com os heterossexuais.

Critérios de suspensão dos dadores por saber desde 2010 

A deliberação da Resolução da AR de 2010 também estabelecia que é da responsabilidade do Governo a «elaboração e divulgação de um documento normativo por parte do Ministério da Saúde que proíba expressamente a discriminação dos dadores de sangue com base na sua orientação sexual e esclareça que os critérios de suspensão de dadores se baseiam na existência de comportamentos de risco e não na existência de grupos de risco». No entanto, «esse documento não existe.



«A prática sexual entre homens, designada HSH (homens que fazem sexo com outros homens) foi considerada um factor de risco para transmissão de doenças via sexual, nomeadamente do VIH, prática muito ligada ao coito anal desprotegido», garantiu Hélder Trindade 

Os senhores deputados têm razão», admitiu Hélder Trindade, argumentando que, por outro lado, «existe formação dos profissionais, determinação e divulgação para fora da instituição de que não há discriminação por grupos de risco». Esta ausência da norma que esclareça que os critérios de suspensão de dadores se baseiam na existência de comportamentos de risco e não na existência de grupos de risco está a levar a que nem todos os hospitais portugueses hospitais portugueses estejam a cumprir as directrizes no que toca à aplicação do questionário.

Como reconheceu o presidente do IPST, «há hospitais que não aplicam o inquérito padrão, pelo menos como deve de ser». Apesar de tudo, o IPST não se escondeu atrás das recomendações ou das directivas emanadas pelo Conselho da Europa e criou inclusive, a 18 de Dezembro de 2012, após a Resolução da AR, um grupo de peritos para «orientar» a questão da discriminação.

«Se o dador admite que é homossexual mas não admite que teve práticas sexuais com homens, pode dar sangue», afirmou Hélder Trindade 

Com uma composição mantida em absoluto segredo há quase dois anos, finalmente foram conhecidos os nomes dos membros deste grupo, novidade que Hélder Trindade divulgou prontamente (ver caixa).



Como justificação para a ausência de produção de qualquer documento, o presidente do IPST apresentou, logo após as primeiras reuniões, no final de Março, o surgimento de uma Resolução do Conselho de Ministros, do Conselho da Europa, que «aponta que devem os Estados-membros a definir o que é a recusa definitiva para os dadores de sangue, obter e tratar dados epidemiológicos que permitam uma análise do risco e, mais do que isso, escalonar esse risco».

«A categoria que está a utilizar para desenvolver o seu raciocínio, HSH é preconceituosa e é absurda do ponto de vista da avaliação do risco», disse José Soeiro ao presidente do IPST 

Em termos práticos, cabe agora a cada Estado decidir o que fazer com base em estudos que avaliam o risco e «justificar» a alteração.
Recorde-se que o sangue doado é sempre testado antes de ser utilizado, no entanto, o questionário realizado ao dador é considerado um passo crucial para a segurança da transfusão, uma vez que há uma «janela de tempo», que é variável, em que o vírus do VIH pode não ser detectado na análise ao sangue doado.

Faltam «dados fiáveis» 

Após a mudança de regras do Conselho Europeu, o IPST elaborou um inquérito, validado pelo grupo de perito, enviado a todos os hospitais que fazem triagem.

Os resultados foram morosos e, além disso, reconheceu Hélder Trindade, concluiu-se que «não há homogeneidade na aplicação dos inquéritos aos dadores».

Este facto cria outro problema ao IPST, que é «a falta de dados fiáveis que permitam a este grupo de trabalho propor a alteração requerida pela AR». Para além dos hospitais, o dedo foi igualmente apontado à Direcção-Geral da Saúde (DGS) que também não tem ajudado na verificação do cumprimento das normas, acusou o presidente do IPST confessando que não pode «actuar sozinho» ou «fazer as coisas de um momento para o outro».
«É a DGS que inspecciona e autoriza os serviços.

Precisamos da colaboração da DGS para saber se as directrizes emanadas pelo IPST são cumpridas», fundamentou o responsável, assegurando que se for feito «um bom inquérito» o dador «será levado à auto-exclusão» e que para poder calcular o facto de risco têm de ser tidos em conta «factores epidemiológicos, saber incidências, prevalências» e que, para isso, é preciso ter «grupos homogéneos».

A discussão destes aspectos será o próximo passo do grupo de trabalho criado que, segundo o presidente do IPST, produzirá conclusões «em breve».

Oposição critica continuação da discriminação sexual 

Os partidos da oposição não gostaram das respostas de Hélder Trindade e foram unânimes em considerar que o factor de exclusão assumido pelo IPST continua a ser discriminatório.

Segundo Elza Pais, deputada do Partido Socialista, «as garantias de segurança para quem recebe a dádiva devem ser feitas com base no rigor científico e não no preconceito», questionando como se garante a segurança «quando os heterossexuais também têm sexo anal». Já a categoria HSH (homens que têm sexo com outros homens), sublinhou a deputada, «é mais uma pergunta na categoria do grupo de risco do que na linha da exclusão».

José Soeiro, do Bloco de Esquerda (BE), concorda e vai mais longe. «A categoria que está a utilizar para desenvolver o seu raciocínio, HSH é preconceituosa e é absurda do ponto de vista da avaliação do risco», disse o deputado ao presidente do IPST.

«HSH não é um factor de risco. É um jogo de palavras», afirmou José Soeiro

Para José Soeiro, «essa categoria contém duas falácias, presumir que um homem que faz sexo com homens faz sexo anal e não considerar o fator da desprotecção.
E HSH não é um factor de risco.
É um jogo de palavras».

Portanto, concluiu José Soeiro, «a interpretação do IPST viola a Resolução do Parlamente» e «enquanto se utilizarem categorias que não são rigorosas, o que se está a promover o é o desperdício, ao mesmo tempo que se fazem campanhas para as pessoas serem dadoras de sangue».

Paula Santos, do Partido Comunista Português, confirmou e lamentou que, passados tantos anos, «a discriminação persiste».

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Constituição do grupo de peritos divulgada 

O Grupo de Trabalho sobre Comportamentos de Risco com Impacto na Segurança do Sangue e na Gestão de Dadores, criado no final de 2012, tem como missão perceber se há fundamento científico para a actual exclusão de homo e bissexuais masculinos da dádiva de sangue. Até agora não foi apresentado qualquer relatório. O nome dos peritos foram mantidos em segredo durante cerca de dois anos e meios são os seguintes:
•    Ana Paula Sousa (IPST)
•    Ricardo Camacho (virologista) •
    Lucília Nunes (vice-presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que substituiu Cíntia Águas)
•    Fernando Araújo (director do Serviço de Imunohemoterapia do Centro Hospitalar de São João)
•    António Diniz (director do Programa Nacional para a Infecção VIH/Sida)
•    Nuno Janeiro (infecciologista)
•    Isabel Elias (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género).


Laura Alves Lopes

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