terça-feira, 22 de março de 2016

Macroscópio – Uma dia histórico em Cuba. Um dia que muda a História?

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Não tenho por hábito, nesta newsletter ou noutros textos que escrevo, ceder à tentação de considerar “históricos” os eventos que se afastam da norma. Desta vez, porém, é difícil fugir a esta avaliação. A última vez que um Presidente dos Estados Unidos esteve em Cuba fora há 88 anos. E há 54 anos que dura um embargo que é, seguramente, o tema que mais conta para as opiniões públicas dos dois países. A visita de Obama a Havana, e o seu encontro com Raul Castro, constitui por si só um momento histórico, mas falta saber se tem força para mudar a História. De facto, como se explica num especial do Observador, não sabemos se aquele aperto de mão que pode realmente vir a encurtar os 150 quilómetros mais longos do mundo.

No fundo, é assim: “Na sua primeira visita a Cuba, para além de passear por Havana e aproveitar para conhecer melhor a sua própria família, Giancarlo [Soto, um ubano-americano de 32 anos] acabou também por se encontrar com alguns pequenos empresários. “Eu perguntei às pessoas como é que os seus negócios estavam a correr, qual era a relação que tinham com o Governo. E eles diziam-me sempre que não é fácil. Mas também quem é que disse que ter um negócio é fácil? Não é, em parte nenhuma do mundo. E estas pessoas estão a fazê-lo em números que são incríveis para a realidade cubana”, refere.”

O é assim é o “não é fácil”, pois a frase “no es facil…” é a que se ouve por todo o lado em Cuba: foi a que mais ouvi quando visitei a ilha há já 17 anos, é a que continua a ouvir-se a acreditar neste testemunho. Essas dificuldades devem-se sobretudo ao regime – Cuba era o país com melhor nível de vida da América Latina na altura da revolução, mesmo superior ao Portugal de então, e hoje é um dos mais pobres do subcontinente – mas encontram uma eterna justificação no velho embargo de 54 anos, a que os cubanos chamam sempre “bloqueo”. De facto, como recorda Teresa de Sousa, no Público, em Obama, o realista, “Fidel utilizou o embargo americano como pretexto ideal para justificar as duras condições de vida dos cubanos e um regime altamente repressivo”.

O resultado é também uma permanente escassez, mesmo depois das tímidas formas económicas de 2008. A The Atlantic descreve, em Guerrilla Marketing: How Cubans Work Around a National Ban on Advertising, o absurdo de um sistema que já permite alguma iniciativa individual, mas proíbe os potenciais empreendedores de promoverem os seus produtos. Com resultados como estes: Those opening new bed-and-breakfasts and restaurants [paladares] by converting extra rooms inside their homes are not technically considered  entrepreneurs, but rather “self-employed,” or cuentapropismo, in the preferred nomenclature of the state. Such a categorization apparently accommodates personal initiative while limiting the acquisition of private property used for purely profit-oriented ends, as well as any potential inequality derived from that. “[Government leaders] don’t see this as a transition to capitalism. They see this as a temporary aberration in the transition to a more perfect socialism,” says Scarpaci.”



Olhemos contudo um pouco para a discussão sobre o que esta visita pode mudar em Cuba, lendo sobretudo a imprensa espanhola e norte-americana, onde há mais informação e melhores textos. Antes, porém, recomendo que passem os olhos por esta Cronología de 50 años de conflicto, onde se reúnem fotografias de todo este período e se assinalam os principais momentos de tensão e, também, de mudança.

Do mesmo El País, eis uma mão cheia de textos interessantes:
  • Obama en Cuba, de Jorge G. Castañeda, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros no México: “No es que Obama se haya olvidado de la pequeña y perseguida oposición cubana. Tiene previsto reunirse con disidentes, lo que causa malestar al régimen castrista. Además, Obama se referirá a la democracia y el respeto de los derechos humanos en su discurso para el pueblo cubano, que se transmitirá por televisión en vivo. Los medios que acompañen a Obama durante su visita (incluido, por desgracia, el inoportuno partido de béisbol) reflejarán estos temas cruciales en sus notas y comentarios(…). En sus tratos con la isla, Estados Unidos no puede olvidar (ni parece que vaya a hacerlo) los principios democráticos y los derechos humanos, pero hay una diferencia entre las reglas democráticas y las políticas económicas. De hecho, el mayor desafío al que se enfrenta Estados Unidos en sus intentos de normalizar vínculos con Cuba viene del frente económico.”
  • Béisbol, diplomacia y tragedia, do escritor Leonardo Padura: “Quizás el partido del 22 de marzo con la intervención honorífica del presidente Obama no quede solo como un gesto diplomático, sino que también ayude a lograr una normalidad en esa relación tan visceral y activa que por más de un siglo y medio han sostenido Cuba y Estados Unidos a través de un juego que constituye una forma compartida de ser y estar en el mundo. Porque si algo debe cambiar en las relaciones entre los dos países, ese cambio tiene que incluir algo tan trascendente como es el beisbol.”
  • Cuba después de Obama, de Rafael Rojas: “Obama se despedirá de los cubanos a pocos días de que comience el VII Congreso del Partido Comunista, la última reunión de ese tipo antes de que se produzca la inevitable renovación generacional de la cúpula gobernante en 2018. La hora de la biología ha llegado, y persistir en un Gobierno controlado por nonagenarios puede ser más señal de fragilidad interna que de una empecinada idea mafiosa del poder.”

Mas se há algum optimismo neste textos, há também quem seja crítico da visita de Obama por temer que esta resulte num reforço do regime – Obama é de longe o líder, nacional ou estrangeiro, mais popular em Cuba… – e não em mais pressão para uma abertura democrática. É o caso de Armando Valladares, poeta e dissidente, que escreve no Washington Post:I was a prisoner of Castro’s regime. Obama’s visit to Cuba is a mistake. Eis um dos seus argumentos: “The president’s decision to go anyway sends a message of favoritism for the strong at the expense of the weak. Dictators dream about friendly visits from heads of state; such a favor from the president of the United States is the ultimate fantasy. It provides an endless trove of propaganda material that helps lend legitimacy to the Castro regime, whose agenda of late consists of courting big corporations desperately needed to boost a failed experiment in socialism on the one hand, and bulldozing house churches on the other.”

Um outro dissidente, Carlos Alberto Montaner, também escreve no seu blog contra a visita, em Es la incoherencia, estúpido. Eis uma passagem: “La Constitución especifica que el comunismo es irreversible y que el país está condenado a la dirección eterna del Partido Comunista. Se lo acaba de reiterar Granma al presidente Obama en un editorial terminante. Seguramente, el próximo congreso del Partido, anunciado para mediados de abril, ratificará ese rumbo siniestro. El sistema no tiene cura. Es como el que nace bobo, enano o cabezón. No existen los exbobos o los exenanos. Así será hasta que muera. Han abierto un mínimo espacio económico, pero muy vigilado y sin otro objeto que apoyar al Capitalismo Militar de Estado diseñado por Fidel y Raúl Castro.”

Por fim cito Mary Anastasia O’Grady, a especialista em América Latina do Wall Street Journal, que em Behind the President’s Visit to Havana, considerando que “The spectacle is designed to pressure Congress into lifting the Cuban embargo.” No texto dá vários exemplos de como o regime cubano continua a ser altamente repressivo. Por exemplo: “On March 13, the secret police in Havana again set upon the Ladies in White, a group of peaceful dissidents. One member, Aliuska Gómez, told the online newspaper Diario de Cuba about her arrest. “After they had taken away all of my belongings,” she said, “they told me to strip naked, and I refused . . . so they threw me down on the floor and took off all of my clothing, right in front of two men” and “they dragged me completely naked into a jail cell.” That alone should have been enough for Mr. Obama to cancel his trip.”

São relatos que a Amnistia Internacional confirma, como se pode ler no seu mais recente relatório sobre o país, CUBA 2015/2016.

Mas deixemos, antes de terminar, a política, e olhemos antes para os encantos de Cuba. Uma forma de fazê-lo pode ser através da literatura, como fez o Diário de Notícias em Dez livros sobre Cuba. De Graham Greene a Leonardo Padura. Livros como Ter e não Ter, de Ernest Hemingway, Três tristes tigres, de Guillermo Cabrera Infante, Antes que anoiteça, de Reinaldo Arenas ou ainda Trilogia suja de Havana, de Pedro Juan Gutiérrez.

Outra forma de celebrar a ilha caribenha é apreciá-la através das fotografias da equipa do New York Times: Cuba on the edge of change é uma extraordinária selecção de imagens, acompanhadas por um texto de Azam Ahmed: “Cuba at times can feel like a nation abandoned. The aching disrepair of its cities, the untamed foliage of its countryside, the orphaned coastlines — a half-century of isolation has wrapped the country in decay. Yet few places in the world brim with as much life as Cuba, a contrast drawn sharper amid its faded grandeur.” É de lá a imagem com que termino esta newsletter. Tenham bom descanso.


 
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