segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Optimismo irritante? Ou paz podre?



Raul Vaz

Raul Vaz 20 de Janeiro de 2017 às 00:01









Pedro Passos Coelho colocou-se do lado errado na questão da TSU – ao lado da esquerda, contra os patrões e contra um acordo de concertação social que evitou uma subida unilateral do salário mínimo – mas há um ganho político que já ninguém lhe tira. Provou, aos que tinham dúvidas, que a maioria "estável e duradoura" apregoada por António Costa não é estável e arrisca-se a não ser duradoura.


A talentosa habilidade política do primeiro-ministro ajuda a gerir dificuldades, mas não faz milagres. E as divisões programáticas à esquerda são mais evidentes.


Primeiro sinal de alarme: António Costa sabia que os parceiros que o sustentam eram contra o acordo que celebrou na concertação social. Mas avançou, apesar disso. Deu de barato que o PSD estava obrigado a salvá-lo. E o optimismo irritante do primeiro-ministro (há muito diagnosticado pelo Presidente da República) descambou em sobranceria. Nem pensou perder tempo com o líder do PSD.


Passos Coelho, que há um ano remói o estatuto de vencedor sem poder, cheirou a oportunidade, trocou o fato de ex-primeiro-ministro pelo de líder da oposição e partiu para a guerra. Não salvará Costa. E o Governo, que aprovou a baixa da TSU num Conselho de Ministros electrónico (!), sinal de que nem dentro de casa a questão é consensual, ficou às aranhas para tentar encontrar um plano B.


É previsível que o encontrem, mas os sinais de alarme ecoaram. Enquanto se tratou de reverter os cortes que a direita impôs para gerir um resgate, PS, Bloco e PCP entenderam-se. Mas o tempo das facilidades vai-se esgotando e se tentarmos vislumbrar nesta maioria um programa político coerente, seja de reformas, seja de rumo estratégico, sobretudo nas políticas sociais, temos dificuldade em encontrá-lo. 


O ministro da Saúde tenta disfarçar o que já decidiu – vai manter as PPP no sector – apenas para amaciar o choque à esquerda. E não será o único caso de desfasamento entre a agenda socialista e as cartilhas bloquista e comunista. O que os une é gelatina. O poder consegue transformar gelatina em argamassa. Mas a realidade vem com o vento e o que hoje se vive é mais consentâneo com uma paz podre do que com um estado de estabilidade política. 


Jerónimo de Sousa, que não é de rodriguinhos, já tinha avisado que "o caminho é cada vez mais estreito". E Francisco Assis, a voz do PS que nunca acreditou na geringonça, veio repor na agenda a hipótese de eleições antecipadas. Com autárquicas daqui a oito meses, ninguém as quer. Mas é sintomático que o tema tenha voltado.


Neste contexto, Passos Coelho ganhou fôlego e mobilizou o partido. Para já, para o combate autárquico. Depois, é uma incógnita, para o PSD e para o PS. Episódios como o da TSU fazem mossa entre os socialistas e vão minando as relações de António Costa com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Devagarinho, é certo, e com a cobertura de Marcelo Rebelo de Sousa, que não quer ouvir falar de crises políticas. Mas as coisas são o que são. O arranjinho das esquerdas já foi mais arranjinho. 

Fonte:Jornaldenegocios

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