Não é costume começar esta newsletter directamente com uma citação, mas hoje faço-o. Com esta: “E qual é a solução para o problema do extremismo? “A solução?“, pergunta Deimante, depois de espreitar por trás do ombro para ver se podia falar à vontade. “Sair deste país. Este país deu-lhes demasiada liberdade e eles tomaram conta de tudo“. Deimand é lituana e vive no bairro de onde saíram os terroristas do mais recente ataque em Londres. O testemunho foi recolhido por Edgar Caetano, o enviado do Observador às eleições britânicas, e julgo que retrata bem o desespero de muitos. Isso pode ver-se com maior detalhe na sua reportagem Na farmácia de Londres onde o terrorista gritou: “Eu corto-te a cabeça fora”, um relato que mostra como é diferente os jornalistas irem aos locais onde as notícias estão a acontecer, ouvirem, relatarem e tentarem compreender.
É certo que a cobertura do Observador não se fica por aqui – já publicámos também dois bons retratos tanto da líder dos conservadores – Os ziguezagues de Theresa May – como do chefe dos trabalhistas – A encruzilhada de Jeremy Corbyn – e um trabalho sobre a evolução da economia desde o referendo do ano passado – Só agora a economia britânica está a sentir a “ressaca” do Brexit. São textos mais informativos do que analíticos, sendo que das análises até agora publicadas na imprensa portuguesa a que destaco é a de Teresa de Sousa no Público, O Reino Unido regressa ao passado pela mão de May e de Corbyn. Para ela May e Corbyn “não têm uma visão para o seu país a não ser um impossível regresso ao passado num mundo em acelerada transformação”. No texto argumenta-se que “No Reino Unido, a herança de Thatcher acabou definitivamente. “O conservadorismo queimou Reagan e Thatcher”, escreve Martin Wolf no Financial Times. May acreditou que teria no Presidente americano um aliado na sua luta pelo melhor “Brexit”. Já descobriu que o que ele diz ontem pode mudar já amanhã. Está sozinha. Aos herdeiros de Blair resta olharem para o outro lado da Mancha e reverem-se em Emmanuel Macron, o seu ilustre sucessor. Tudo pode mudar, no entanto, nos próximos 15 dias.”
O texto de Martin Wolf a que a colunista se refere já tem duas semanas, mas não deixa por isso de constituir uma leitura interessante, pois em Conservatism buries Ronald Reagan and Margaret Thatcher o mais reputado colunista financeiro britânico defende que “Theresa May repudiates Thatcherism still more explicitly than Mr Trump rejected Reaganism. Her Conservative election manifesto states: “We must reject the ideological templates provided by the socialist left and the libertarian right and instead embrace the mainstream view that recognises the good that government can do.”
A verdade porém é que se discutiu muito menos economia do que se esperava nestas eleições, assim como quase não se debateu o Brexit em condições, até pelo horor dos ataques terroristas, algo que levou Janan Ganesh, do mesmo Financial Times, a defender que afinal Terrorism forces a serious end to this frivolous general election. Ele nota que “The attacks on Manchester and London have forced a serious end to a frivolous general election. If politics is to stay serious, more is required of Mrs May. It was not Labour that chose to call a sudden vote, test our patience with a seven-week campaign and then say next to nothing of consequence.” Mais: “The overall impression from the past seven weeks is of a nation protected by the best of its citizens, and governed by merely the best available.”
Passemos agora a um conjunto de textos que me pareceram interessantes, todos bastante críticos para as lideranças dos dois partidos. Começo pelos trabalhistas e por citar uma reportagem/análise de Jason Cowley na The New Statesman – uma revista mais próxima da esquerda – e onde não se alimentam grandes ilusões sobre as possibilidades eleitorais dos trabalhistas. The Labour reckoning é de resto um texto informado por recolha de informação no terreno: “In recent days, I have been speaking to Labour candidates, including those defending small majorities in marginal seats, as well as to activists. The picture emerging is bleaker than the polls would suggest and the mood is one of foreboding: candidates expect to lose scores of seats on Thursday. There’s a sense, too, that two campaigns have been conducted simultaneously: candidates with majorities under 10,000 are trying to hold back the Tory tide, while Corbyn is, as some perceive it, already contesting the next leadership contest – one in which, at present, he is the sole candidate.”
Numa outra revista, esta mais próxima da direita, a The Spectator, encontrei o testemunho de um militante trabalhista, “a passionate leftist and liberal”, que entendeu explicar muito detalhadamente Why you shouldn’t vote for Jeremy Corbyn. Como nos explica na introdução Nick Cohen, jornalista da Spectator, esse membro do Labour “compiled a vast, but by no means exhaustive list of the moral and political failings of the Labour leader”. Isto porque, e passa a citar esse militante, “I’ve noticed that a few of my very clever, thoughtful, moderately left-wing friends were pro-Corbyn, which amazed me. What I discovered was that they knew almost no facts about him or his fellow travellers. I then noticed that any given critical article about Corbyn only listed one or two facts about him. Normal, good people, who aren’t political anoraks like me, don’t have time to read hundreds of articles on politics – they read a few articles and base the rest of their opinions on gut feeling and general trend of the headlines/social media. I decided to collate in one place the most striking, verifiable facts about Corbyn and the movement he represents.” O que se segue é uma longa lista, área por área, ponto por ponto, de tudo o que Corbyn defendeu ao longo dos anos em conflito com a tradição trabalhistas. Para quem quiser conhecer melhor quem realmente é o líder do Labour, faço minhas as palavras da secular revista britânica referindo-se à recolha de todos esses factos: “They are well worth Reading”.
Theresa May também não tem sido nada bem tratada pela imprensa, mesmo nos jornais que recomendaram o voto nos conservadores, como o The Times de Londres. Só um exemplo: May is blind to the threat of extremism, escreveu Rachel Sylvester, para quem, se é verdade que “The Labour leader is part of a left-wing clique which has always celebrated a version of multiculturalism that encourages difference rather than integration”, também é verdade que “The prime minister is equally short-sighted about the social conditions that breed extremism. (...) she remains determined to increase the number of faith schools and to overturn the admissions cap that prevents schools from selecting more than 50 per cent of their pupils on the basis of faith.” Esta coluna de opinião recorda que no tempo de Cameron este estava a ficar cada vez mais irritado “at the Home Office’s [então dirigido por Theresa May] snail-like implementation of the counterextremism strategy”.
Também a jornalista e historiadores Anne Applebaum, numa coluna publicada no Washington Post – Theresa May won’t get a landslide. Beyond that, the British election is hard to predict – não esconde a sua distância relativamente à estratégia dos conservadores: “The economic impact of Brexit hasn’t yet registered — Britain hasn’t left the E.U. and won’t do so for nearly two years — but there is plenty of nervous activity, as companies and people argue about whether to stay or leave. Sooner or later the British were bound to ask who created all of this uncertainty, and sooner or later the blame was bound to fall on the Conservative Party, whose leaders launched the referendum and who have run the country since it happened. Perhaps that moment has simply arrived earlier than anticipated.”
Bem interessante também, se bem que claramente dirigido aos eleitores britânicos, é a coluna do historiador Timothy Garton Ash no Guardian: When you go to the ballot box, think first of Brexit. Trata-se de um texto onde se explica como deve actuar cada eleitor na sua circunscrição, não sugerindo uma preferência de voto a nível nacional, antes um voto de forma a eleger um Parlamento capaz de forçar um “soft” Brexit. Primeiro explica-se o que está em causa: “Since Brexit is the pivotal issue for Britain over the next five years, we should prioritise electing the parliament that will give us the least-worst Brexit deal, and keep us in the EU for as long as it takes until that deal is made. People call this tactical voting – but if ever an issue in British politics was strategic, it was this. So let’s vote strategically.” Depois como votar de forma a que Theresa May, que se prevê ganhe as eleições, não fique nas mãos dos “hard brexiters”, ou seja, como prevenir que “the tin lady be a hostage to her hardline Eurosceptic “bastards”. Eis a lógica: “Even if the talks don’t break down, our best chance of influencing them is through parliamentary scrutiny and pressure. Certainly, we can’t rely on this prime minister to get the best deal. Theresa May says it’s the Brexit election, the most important in her lifetime (so much for you, Margaret Thatcher) but completely fails to tell us what Brexit will look like. (...) Since we can’t rely on the tin lady, we need a parliament that will stand up for the national interest. Yes, there are major policy differences between the parties, and in a normal election those could be decisive. But this is not a normal election.”
Deixem-me entretanto recordar que, apesar da média das últimas sondagens apontar para uma vitória relativamente folgada dos conservadores (43-36), continua a discutir-se a fiabilidade dos estudos eleitorais. Já aqui vos deixei várias referências sobre este tema na passada segunda-feira, hoje acrescento apenas duas análises retiradas da revista política Prospect:
- Why is Labour surging—and how worried should the Tories be?, do especialista em sondagens Peter Kellner. Para “Labour’s problem is that, even after gaining an unprecedented ten points—or around three million votes—in party support since late April, it still lags behind the Tories on the fundamentals. It remains the case that a party that is behind on leadership and economic competence is heading for defeat.”
- What do past elections tell us about the accuracy of the polls?, uma análise de Nicholas Earl em que se defende que as sondagens não se enganaram assim tanto como se julga no passado, pelo que as hipóteses do Labour são reduzidas: “Jeremy Corbyn can take heart from his improving poll ratings, which have defied the low expectations of the media. Nonetheless, given the track record of the polls, the prospect of a shock result should be taken with a pinch of salt.”
Na próxima noite cá estaremos para ver, sendo que o Observador vai acompanhar tudo ao minuto, com mais detalhe a partir do fecho das urnas às 22h00, podendo a noite ser longa, como tantas vezes sucede no Reino Unido. Por isso, e porque é sempre bom ter uma boa leitura para encher horas mortas, termino o Macroscópio de hoje com uma referência a um ensaio do mais importante e influente filósofo conservador britânico, Roger Scruton, que escreveu no Wall Street Journal um texto que só podemos considerar oportuno e, como sempre, tão inteligente como polémico. Trata-se de The Case for Nations, uma defesa do Estado-nação como indispensável à existência de identidades inclusivas: “We are therefore in need of an inclusive identity that will hold us together as a people. The identities of earlier times—dynasty, faith, family, tribe—were already weakening when the Enlightenment consigned them to oblivion. And the substitutes of modern times—the ideologies and “isms” of the totalitarian states—have transparently failed to provide an alternative. We need an identity that leads to citizenship, which is the relation between the state and the individual in which each is accountable to the other. That, for ordinary people, is what the nation provides.”
Agora as urnas falarão. Quanto aos meus leitores, despeço-me com um até já e os habituais desejos de bom descanso e melhores leituras.
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