sábado, 14 de outubro de 2017

Eu, Psicóloga | A criança que você era, teria orgulho da pessoa que você é hoje?!

Imagina a cena : você é um adulto bem sucedido. Pelo menos do ponto de vista profissional., mas com uma vida emocional e familiar fracassadas: você é solteiro e sem namorada, não tem filhos, não se dá bem com o pai e nem mesmo tem um cãozinho de estimação, como sonhava quando era pequeno. 

Um dia, você é surpreendido pela presença de um menino desconhecido em sua casa, aparentemente é ele próprio aos oito anos de idade. Ocorre que o garoto não fica nada satisfeito com o que constata sobre o seu futuro, pois é o oposto do que idealizava quando crescesse. Por outro lado, Russ quase não consegue se reconhecer nesse menino rechonchudo e emotivo que ele, há muitos anos, havia deixado para trás. Superadas as dificuldades iniciais, Russ acaba "adotando" o menino, fazendo uma verdadeira viagem no tempo e dentro de si próprio para redescobrir os valores que estavam perdidos.

O filme é lindo e hoje mais do que nunca nos faz pensar na criança que fomos um dia e no adulto que nos tornamos. Retornar aos tempos idos pode ser uma bela forma de passar a vida a limpo. Alguns fatos da infância deixam marcas dolorosas, nem sempre lembradas, outros nos alegram só de lembrar. Fato é que somos produtos desses acontecimentos, bons e ruins, que nos ajudaram a ser quem somos agora. Também é verdadeiro dizer que a melhor forma de viver o presente é aceitá-lo como novo, atualizando nossas perspectivas diante das novidades que a vida traz a cada instante. Ao rever os fatos do passado, o protagonista sensibiliza-se diante de sua fragilidade de criança, que ao mesmo tempo trazia consigo valores genuínos e sonhos abandonados.

 O filme sugere que alguns elementos da sua infância o fizeram adquirir uma conduta rígida quando adulto, a partir das qualidades presentes na criança que foram sufocadas. Seria diferente com cada um de nós? O que sou hoje, como escolho ou não a minha vida? Quem é que não tem um rascunho que precisa ser passado a limpo, uma criança interior que precisa de acolhimento ou uma dor infantil que precisa ser enfrentada? 

Isso me lembra os monstros gigantescos da infância, que não passavam de sombras de algum objeto ou gesto mínimo. A sensação infantil daquela grandiosidade permanece em nós até quando? Não seria bom ter a oportunidade de dar a mão a nossa criança interior (esquecida ou desamparada) e juntos enfrentarmos o momento presente? 

"Duas vidas” apresenta um diálogo franco sobre escolhas entre o adulto e a criança, que um dia ele foi, com suas características pessoais. O embate é entre a autenticidade infantil e os mecanismos de defesa que nos tornam sociáveis, entre as aspirações infantis e os desejos fabricados, entre as fantasias e  realidade.

Em DUAS VIDAS, o pequeno Rusty afirma: “Eu cresci e virei um fracassado”. Como sua visão de mundo se tornou tão diferente? De que vale tanto conhecimento se perdermos a sensibilidade infantil? De que vale as fantasias infantis, se não conseguimos transformar projetos em realidade? De que vale o passado no presente? Como tornar possível o diálogo entre coisas que parecem antagônicas? 

O passado que está bloqueando AQUI, no presente, compromete o AGORA. Precisa ser atualizado, para que o presente possa acontecer, sendo aceito como parte do ser, capaz de fluir naturalmente AQUI E AGORA. Muito do que ocorreu na infância pode ganhar novo sentido quando mudamos a perspectiva, a ótica infantil pode adquirir outros sentidos quando oportunamente revistos. As diferenças entre o que foi e e o que está sendo, agora, podem disponibilizar novas experiências, por conseguinte, crescimento. 

O filme é uma metáfora do processo terapêutico, que nos oportuniza a possibilidade de resgatar nossa criança e integrar nossa existência. O passado vai pra seu lugar, sem deixar nunca de fazer parte do que somos hoje, através da aceitação de cada pedaço da nossa totalidade de ser. Esse parece ser o maior e mais bonito recado de DUAS VIDAS.

Debora Oliveira
Psicóloga Clínica 

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