A estrutura operacional da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) está a implodir, depois de ter sido revelado o relatório da comissão técnica independente sobre que aconteceu em Pedrógão Grande. As decisões do comando nacional são questionadas pelos envolvidos e os próprios técnicos falam em várias situações de desrespeito pelo Sistema de Gestão de Operações (SGO), o conjunto de regras e procedimentos de actuação da Protecção Civil. Contudo, as mudanças na ANPC não deverão acontecer até 21 de Outubro, quando o Governo se reúne em Conselho de Ministros extraordinário.
A ANPC pediu mais uns dias para entregar o inquérito interno, que apura as falhas do comando, um dos documentos-chave para que sejam tomadas decisões pela tutela sobre a estrutura. Mas neste momento é a própria estrutura que está em convulsão. O PÚBLICO falou com vários dos responsáveis envolvidos naquele fogo que questionam decisões do comando nacional da ANPC, desde o desvio de meios aéreos, numa fase crucial, ao facto de este fogo ter ficado ao nível de comando da estrutura local de bombeiros durante mais tempo do que devia (cinco horas).
Os pedidos de assunção de responsabilidade ao comando nacional cruzam-se com algumas conclusões dos técnicos independentes. “Houve um falhanço brutal” na decisão de não ter meios aéreos durante pelo menos duas horas cruciais do incêndio (entre as 16h e as 18h), diz um dos responsáveis. Os técnicos não só falam da ausência dos meios aéreos, tal como o PÚBLICO noticiou, como lembram que, a partir dos primeiros 90 minutos (quando o incêndio passa para a fase de ataque ampliado), “não se verificou incremento algum de meios, como seria expectável”.
Esta foi uma das regras do SGO a não ser seguida. Ali, a partir dessa hora (16h), aconteceu exactamente o contrário, com o desaparecimento dos meios aéreos. Isto, apesar de terem sido registados vários pedidos do comando de operações – à hora o comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut – para que lhe enviassem mais meios.
São salientadas aqui duas incongruências: a mobilização do helicóptero Kamov, que afinal nunca chegou a acontecer; e o facto de, à hora do início do ataque ampliado, estarem no teatro de operações menos meios (68 operacionais e 22 veículos) do que aqueles que a ANPC registou no relatório que entregou em Julho à ministra da Administração Interna (167 e 48). Podiam, no entanto, estar em trânsito, uma vez que para o registo da ANPC contam todos os meios mal sejam mobilizados.
O desrespeito pelas regras aconteceu ainda nas mudanças no comando de operações. Durante as primeiras cinco horas do incêndio, foi o comandante dos bombeiros de Pedrógão a chefiar, sem nunca ser substituído, apesar das informações que os comandos distrital e nacional tinham. Essa morosidade na passagem para níveis superiores contribuiu para a “sensação de abandono, em que os comandantes dos bombeiros ficaram entregues a si próprios”, lê-se no relatório.
Na comando, há aliás dois mistérios por resolver. Estando o comandante distrital (CODIS) de Leiria hospitalizado, quem assumiu a tarefa foi o segundo 2.º codis, Mário Cerol, que, apesar de ter saído de Leiria às 17h08, só tomou o comando três horas depois, às 19h55. Os técnicos referem, aliás, que este homem não “terá sido a melhor escolha” para o comando, uma vez que nunca tinha enfrentado uma fase tão avançada de um incêndio e que a opção deveria ter recaído por um “comandante sénior”.
E havia vários no terreno. Aqui entra o segundo mistério. “Três minutos, e apenas três minutos”, depois de Cerol assumir o comando, o comandante de agrupamento (CADIS) informa que está no teatro de operações. Pedro Nunes era assim o mais graduado, e com mais experiência, que poderia ter assumido as rédeas da operação. Contudo, não estabeleceu “qualquer articulação” com o comando de operações nem apareceu no posto de comando. “Esta circunstância, que poderá ser entendida como um pormenor, é relevante, na medida em que o que está determinado no SGO não foi aparentemente cumprido”, dizem os técnicos.
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