Radiologia do IPO de Lisboa assume em documento interno que não consegue assegurar algumas mamografias de vigilância
O Instituto Português de Oncologia de Lisboa não consegue dar resposta a todas as mulheres que precisam de fazer exames de seguimento do cancro da mama e está a encaminhá-las para os centros de saúde. As dificuldades são assumidas num documento interno do serviço de radiologia elaborado no último mês, ao qual o DN teve acesso, em que o IPO admite que não pode assegurar mamografias de vigilância a 12 meses a utentes que ainda não tiveram alta ao fim de cinco anos da cirurgia, já que o número de pedidos é superior ao de vagas. A solução proposta pelo hospital, "não sabendo quando poderá ser agendado o exame", passa por sugerir às doentes que contactem os médicos de família para marcar as mamografias noutro local, de preferência nas suas áreas de residência.
Ana Sofia Rosa foi uma das utentes que recebeu essa informação. Depois do diagnóstico de cancro da mama em 2010, submeteu-se aos tratamentos e cirurgia no ano seguinte. Sete anos depois, ainda não teve alta do IPO e continua a fazer exames de seguimento de seis em seis meses. "Devia fazer a mamografia agora, porque tenha consulta em julho, mas nunca mais marcavam o exame, quando costumavam ser muito rápidos. Foi quando resolvi perceber o que se passava e uma amiga me explicou que também a mandaram ir ao centro de saúde pedir análises". Voluntária na Liga Portuguesa Contra o Cancro, Ana Sofia, agora com 50 anos, ironiza ao dizer que está convencida que a sua situação só se resolveu graças a um martelo pneumático. "O administrativo do serviço de radiologia falou-me várias vezes desse tal papel em que falam do encaminhamento das doentes para os centros de saúde, mas como não se fazia perceber, por causa do barulho de obras, e perante a minha insistência, lá me marcou os exames para julho".
No final de abril, 38 mulheres acompanhadas no Instituto de Oncologia ainda não tinham realizado a mamografia/ecografia prevista para novembro e dezembro de 2017, o que equivale a uma espera de 16 meses. Na mesma data, 450 mulheres já tinham ultrapassado os 12 meses de espera. Números adiantados ao DN pelo próprio IPO de Lisboa, que admite que é impossível responder a todos os pedidos de mamografias sem atrasos. Isto porque aos mais de mil novos casos anuais de cancro da mama se soma um elevado número de mulheres que já foram operadas e que fazem questão de ali continuar a fazer a vigilância da doença.
"Por essa razão, a marcação de mamografias e ecografias de seguimento está a ser feita de acordo com critérios de prioridade, salvaguardando a capacidade de o IPO garantir a realização dos exames necessários a todas as mulheres operadas há menos de cinco anos (período em que o risco de recidiva é mais elevado e a interpretação dos exames radiológicos mais complexa) e todas as outras técnicas radiológicas de diagnóstico, aferição, pré e pós operatórias que se fazem no Instituto". Quanto às doentes operadas há mais de cinco anos e que continuam sem evidência de doença, são agendadas nas vagas que ficam disponíveis e que são insuficientes para os pedidos. Informação que o serviço lhes está a dar por telefone - "e a ser bem acolhida", garante fonte do IPO. O hospital defende ainda que o acompanhamento a longo prazo destes casos deve ser partilhado com os cuidados de saúde primários. Ideia, aliás, partilhada pela associação que representa os médicos de família.
Seguir perto de casa
No final do ano passado, houve uma reunião entre a Sociedade Portuguesa de Senologia (especialidade que se dedica ao estudo das doenças da mama) e a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar em que se chegou a um texto de consenso para seguimento destes casos mais antigos e que não apresentem complicações nos centros de saúde, para retirar pressão aos maiores hospitais (ver texto secundário). Hipótese, no entanto, que não é bem recebida por todos os profissionais. Um médico de família de uma das zonas mais carenciadas da Grande Lisboa lembra que existe um despacho de 2011 que proíbe os hospitais de pedir aos centros de saúde para prescreverem exames. "Se houver uma auditoria do Ministério da Saúde somos nós que incorremos em penalizações, porque estamos proibidos de o fazer. Tem de ser o hospital de origem a resolver a situação ou então de passar uma credencial para a doente fazer o exame numa unidade convencionada. Caso contrário, se forem enviadas para os centros de saúde, só vão piorar os tempos de espera noutros hospitais, que também já são grandes". Já o presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Vítor Veloso, mais do que acompanhamento destes casos em centros de saúde, pede uma aposta nos hospitais distritais, para libertar meios nas grandes unidades do litoral, onde se concentram 80% dos doentes oncológicos (ver entrevista).
Por regra, os exames de seguimento devem ser feitos usando a capacidade instalada dos hospitais. Refira-se que se as utentes forem enviadas para uma unidade com convenção com o Serviço Nacional de Saúde, não têm de pagar, nem sequer taxa moderadora, porque os doentes oncológicos estão isentos. Quanto a mulheres que nunca tiveram sintomas da doença, segundo despacho do governo do ano passado, as mamografias de rastreio do cancro da mama são feitas a partir dos 50 anos e até aos 69, a cada dois anos.
DN
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