Vanessa Pedro
Professora de Jornalismo da Unisul e pesquisadora associada do objETHOS
Bolsonaro não existe. Não como a pessoa que entra na política corpo a corpo, disputa a política pelas palavras produzidas no debate. Ele é também e sobretudo uma ideia. Se essa máxima foi lançada por Lula ao se entregar à Polícia Federal, afirmando que poderiam prendê-lo, mas que suas ideias e o que ele representava estariam vivos país afora e seriam defendidos por muitos, isso tem valido de certa forma e por outros meios para Bolsonaro. Um permanecendo a partir da experiência da vida política e de militância de muitos depois de trancafiado e sem ser visto desde abril. O outro pela virtualidade que representa. Bolsonaro faz sua liderança nas pesquisas de opinião com base na disputa virtual, reverberando o que representa a uma parcela da população e colocando pouco a sua presença física e espontânea à disposição do debate e da disputa. Menos ainda à construção de projeto nacional. Sobretudo se a exposição tratar-se do diálogo com o outro candidato.
A prova disso é a negativa de participar de qualquer debate com Fernando Haddad. Bolsonaro existe no Facebook, na reverberação daquilo que seus apoiadores defendem ou temem. Baseado fortemente na produção e distribuição de ‘fake news’, inclusive, evidência atestada até pelo aplicativo Whatsapp, que suspendeu a conta de um de seus filhos por propagação de notícias falsas. O candidato está na propaganda oficial de TV no horário eleitoral gratuito. Lá de modo mais palatável do que tem estado até agora. Quando fala de improviso ou foi provocado por jornalistas a respeito de temas que vão de direitos humanos à política econômica, produziu suas declarações mais criticadas como o destino que dava ao apartamento funcional que tinha em Brasília, quando falou sobre licença maternidade e salário das mulheres e diversas outras declarações que viraram acusação dos opositores, meme e também defesa dos seus correligionários.
Por isso, Bolsonaro também corre do jornalismo e dos jornalistas. A não ser em entrevistas combinadas como a que concedeu à TV Record no mesmo horário em que os candidatos do primeiro turno participavam de debate na TV Globo. Ou ainda esta semana quando foi entrevistado pela rádio Guaíba e na combinação com a emissora estava o impedimento de qualquer jornalista, além do apresentador, fazer perguntas a ele. Acordo que provocou o pedido de demissão de Juremir Machado, que não aceitou a censura a ele e aos demais jornalistas que participam do programa da rádio.
Hoje, os jornalistas, especialmente da imprensa tradicional, vivem o dilema, junto com suas emissoras, de se verem desprezados pelo candidato que lidera as pesquisas e, ao mesmo tempo, não realizarem pressão nenhuma para que ele compareça aos debates marcados. Na expectativa de terem que lidar com ele como presidente numa eventual vitória, um candidato que atacou o adversário por seus planos de regulamentação da mídia e também já declarou que perseguirá a imprensa num governo seu, os jornalistas e os veículos normalizam mais essa ação antidemocrática de não se dispor a debater ao vivo e em transmissão nacional. O candidato que pode ganhar a disputa presidencial sem estar frente a frente com seu adversário. Um candidato virtual, que angaria defensores que vão dos desesperançados aos preconceituosos até os que seguem o fluxo.
O ambiente das notícias completa a atmosfera. Na disseminação das fake news, a linguagem jornalística dá o tom, embora prescinda da característica principal, que não é estética mas ética: a apuração. Nas redes sociais, criações contra o adversário, que vão de comparações com a Venezuela até fictícios kits de educação sexual, dizem informar sobre as qualidades do candidato. E na imprensa tradicional, a história começou bem antes, quando o trabalho não foi rigoroso em outras coberturas, que vão das ações do MST aos protestos contra e pró impeachment, aquele carnaval que ajudou a derrubar Dilma Roussef. Antes o jornalismo não cumpriu seu papel, de agente crítico e principal interprete da realidade. Hoje é dispensado pelo candidato e apoiadores dele, que acusam a mídia de perseguir o candidato ‘outsider’, o mesmo que está na vida política por quase três décadas, de ser tendenciosa e não ser mais o lugar onde o debate precisa acontecer para que as pessoas possam escolher com mais clareza em quem votar. Os veículos de comunicação não são vistos pela extrema direita como o espaço necessário de estar e onde a população alcançará as propostas e os projetos dos candidatos. Por desprezo à democracia, por crescer na disputa concentrando esforço no falso diálogo das redes sociais e não reconhecer o jornalismo como um lugar central para o processo democrático. Enquanto isso, a esquerda, que teve seus processos e manifestações vistos pelas lentes da imprensa de forma bastante vesga, faz mais uma vez a frente em defesa do debate e do lugar do jornalismo no processo. Mesmo que também mire votos do eleitorado, garante o princípio e o lugar do jornalismo, que precisa ser retomado, pela população, pelos agentes políticos e pelos próprios veículos como um espaço importante e central para a continuação da democracia. Que ainda exista debate.
Fonte: objethos
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