Cem dias depois de Jair Bolsonaro ter tomado posse como Presidente do Brasil, são cada vez mais os brasileiros, de todas as classes e perfis, que procuram "melhor qualidade de vida" em Portugal. Legalização ou acesso a casa entre as maiores queixas dos que chegam.
Muitos destes estão "bem informados e já com uma imigração planeada", outros atraídos por 'contos' nas redes sociais sobre um "el dourado", que não existe, conta a presidente da Casa do Brasil, Cíntia de Paulo, explicando, em entrevista à Lusa, porque é que também os pedidos de retorno ao país de origem estão a crescer, como confirmam dados da Organização Mundial das Migrações (OIM).
A presidente da Casa do Brasil disse que, sobretudo no último ano, iniciou-se uma nova vaga de imigrantes brasileiros para Portugal, que se acentuou no final de 2018 e início deste ano.
"Eu arrisco a dizer que no último ano, acentuando-se no final de 2018 e início deste ano, houve uma chegada muito representativa" de imigrantes brasileiros a Portugal, indicou a presidente da associação, sem fins lucrativos, que apoia estas pessoas.
A responsável referiu que "é uma nova vaga muito diferente das outras, com um aglomerado de perfis" e que veio para ficar, para “construir aqui”.
No ano passado, só a Casa do Brasil em Lisboa, atendeu 476 novas pessoas (estão apenas contabilizados os que procuram pela primeira vez a associação). Já este ano, desde janeiro até agora, tinha atendido 278 novas pessoas, disse a responsável, que faz parte da associação desde 2012 e é presidente desde 2017.
Na história da imigração brasileira para Portugal já houve momentos de muita afluência como o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, recorda, reafirmando que neste momento "há uma chegada bastante expressiva”.
Esta nova vaga é composta por diversos grupos, desde as pessoas com menos qualificação profissional, a um maior número de pessoas com mais qualificação, muitos estudantes universitários, que já estavam a chegar desde 2009, mas que continuam a crescer, explicou.
Mas há também a introdução de uma nova comunidade, a dos aposentados, os que têm rendimentos próprios no Brasil e a possibilidade de ter agora em Portugal o visto para aposentado, e ainda uma classe mais alta, que dentro do bolo da nova chegada não é "tão representativa", adiantou Cíntia de Paulo.
Os mais representativos "são os profissionais mais qualificados, da faixa entre os 30 e os 40 anos", acrescentou.
Dos que vão à Casa do Brasil, o motivo comum que os leva a deixar o país de origem é "a procura de uma melhor qualidade de vida", assegurou.
"Desde a destituição da Presidente Dilma [Rousseff - que sucedeu a Lula da Silva na presidência do Brasil] que sentimos que há na população brasileira uma descrença muito ligada às questões económicas, como o desemprego, que cresceu nesse tempo e já vinha a crescer antes", referiu também.
"E sentimos que há um descontentamento e uma incerteza do que vai ser o Brasil, no próximo mês, por exemplo. No próximo ano, então, a incerteza é muito maior", acrescentou.
Por isso, chegam "com uma preocupação com melhor qualidade de vida, melhor oportunidade de trabalho, mas sobretudo de segurança".
"Sentimos que é uma comunidade que vem, não só para trabalhar e mandar remessas para o Brasil, como acontecia nas várias passadas. Mas uma população que quer contribuir para Portugal, que quer aqui trabalhar, trazer os seus conhecimentos, aplicar aqui a sua profissão, investir, pequenos investidores, pequenos empresários - que não só a classe alta faz investimento -, são investidores com pequenas ideias e negócios", sublinhou Cíntia de Paulo.
Ou seja, trata-se de uma comunidade que "veio para contribuir", que pretende construir e trazer para Portugal as suas famílias.
"Sentimos já a chegada de famílias, o que revela um maior planejamento do processo migratório. Alguns até já vieram num passeio a Portugal antes, ou estudaram melhor o processo", conta.
Mas, também "continuam a chegar alguns com menos conhecimento da situação, nomeadamente do problema da habitação nos grandes centros urbanos, que é uma das dificuldades novas que antes não se colocava tanto".
Legalização ou acesso a casa entre as maiores queixas dos brasileiros em Portugal
A demora na legalização, que gera negócio paralelo e permite abusos de entidades empregadoras, e a dificuldade de acesso a casa são as principais queixas dos imigrantes brasileiros em Portugal, disse à Lusa a jurista da Casa do Brasil.
O principal problema é a falta de capacidade do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para dar resposta ao número elevado de pedidos: "A agenda do SEF está muito sobrecarregada e os recursos de pessoal que tem não possibilitam que o atendimento seja feito num prazo razoável", afirmou Patrícia Peret, em declarações à Lusa.
Para explicar a situação, a jurista cita o exemplo de um trabalhador, imigrante, há mais de um ano inserido no mercado de trabalho e que pede hoje ao SEF uma marcação para a regularização da sua situação, mas que só terá possibilidade de ser realizada, em Lisboa, dentro de oito ou nove meses.
Já um trabalhador que tem de apresentar previamente a manifestação de interesse, para que esta seja aceite pelo SEF, o tempo de espera pode chegar a 11 meses ou um ano, afirma igualmente a jurista.
Nesse período de espera pela legalização, o imigrante tem, porém, a sua liberdade restringida, não pode sair do país, sob pena de poder prejudicar o seu processo de regularização, apesar de já reunir os requisitos para avançar. Devido a este processo demorado de marcações no SEF, referiu Patrícia Peret, "têm surgido também situações de burla e de abusos ilegais face a imigrantes".
"Tanto da parte de advogados, como de pessoas que se passam por advogados, e muitas vezes não o são", apontou.
"Temos tido conhecimento de muitas situações de procuradoria ilícita na inserção desses casos de regularização (...), de situações em que é vendida uma assessoria para ter uma marcação no SEF mais rápida do que é possível conforme a agenda. (...) E há situações em que as pessoas pagam e não têm resposta", ou seja em que não é feita sequer a marcação, garantiu ainda Patrícia Peret.
A Casa do Brasil tem participado estas situações às autoridades, nomeadamente ao SEF e à Provedoria de Justiça, além do próprio Ministério da Administração Interna, adiantou a advogada.
Mas, com a demora no processo de regularização, as pessoas ficam também numa situação "muito fragilizada", lembrou.
A especialista, que tem acompanhado vários casos, admite que os imigrantes ficam vulneráveis face a estes atrasos, não só às falsas promessas de resolução de problemas no SEF, como perante as entidades empregadoras, outro alvo de queixas da comunidade imigrante, que procura ajuda na Casa do Brasil.
Há empresas que "contratam essas pessoas, mas não as tratam da mesma forma que outros trabalhadores, nem lhes conferem os mesmos direitos que a outra pessoa regularizada, porque sabem que precisam de manter o seu trabalho, de ter uma situação estável, e jogam com esse benefício", aponta.
Para tentar sensibilizar a comunidade para esta realidade, a associação Casa do Brasil já reforçou o número de sessões de esclarecimento para um total de dez, em 2019, quando no ano passado realizou menos de metade.
Outra das queixas mais importantes vai para as dificuldades de acesso a uma casa nos grandes centros urbanos.
"Tal como acontece aos portugueses, também as comunidades imigrantes sofrem com a especulação imobiliária", disse, por seu lado, a presidente da Casa do Brasil, Cíntia de Paulo.
"Tivemos aqui depoimentos de pessoas a quem foram solicitados 18 meses de caução, com dois fiadores e com a justificativa clara de que era por serem imigrantes", afirmou a dirigente, garantindo que situações deste género chegam "todos os dias" à associação.
Apesar das dificuldades, afirma que Portugal "ainda é visto como o país com melhor acolhimento".
Ainda assim, considerou este alerta como fundamental porque hoje há muitas expectativas no Brasil face a Portugal e as redes sociais passam "informações completamente erradas".
Lusa
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