Joaquim Carlos* |
Todos
os seres humanos desejam, mais ou menos, a riqueza, o poder e a
saúde; aspiram vivamente a ser amados, ter vida longa, gozar de
repouso bem ganho. Contudo, cederiam de bom grado um ou todos estes
privilégios se, por esse sacrifício, pudessem obter a liberdade.
Precisa-se ter descido muito baixo, por vontade própria ou à força,
na escala dos valores humanos, para aceitar a submissão total a um
homem ou grupo de homens. Esta necessidade de liberdade é tão
profunda, tão imperiosa, que não só o ser humano consente enormes
sacrifícios para a satisfazer mas até nunca alcança, quaisquer
que sejam os seus esforços e êxitos, considerar-se satisfeito com o
grau de liberdade de que goza.
Por toda a parte e sempre é obcecado
pela ideia que não pode fazer absolutamente tudo o que quer. Está
sob o peso de constrangimentos; uns aceitados porque são
irresistíveis, outros suportados a praguejar porque não parecem
impostos a todos indiscriminadamente.
Por
exemplo, aceitemos as leis da Física porque são universais e a sua
violação arrasta contrariedades, sofrimentos e até a morte. Além
disto, a observância destas leis é tão imperiosa para o rei como
para o mais baixo dos seus escravos ou o mais infeliz dos seus
prisioneiros. Em contrapartida, não aceitamos trabalhar quando os
outros descansam, aborrecer-nos quando os outros se divertem, ficar
em casa quando os outros viajam ou pagar a preço elevado o que os
outros obtém de graça.
Mesmo sem sermos completamente livres,
pretendemos gozar de um grau de liberdade igual ao dos nossos
vizinhos o que, à falta de melhor, satisfaz pelo menos a nossa
necessidade de justiça. Ora, esta necessidade extraordinária de
liberdade formula vários problemas. Examinemos os dois primeiros.
O
primeiro é saber se esta necessidade incomprimível de fazer o que
se queira poderá conciliar-se com a não menos imperiosa necessidade
da obediência e da disciplina. O problema não é muito debatido
quando formulado a respeito das crianças. Para os adultos, o
problemas é muito mais delicado. Ao chegar à idade adulta, pensa-se
que cada um pode conduzir-se sem mais entraves, segundo a vontade
pessoal. Até chegam a gostar de ter bastante liberdade para exercer
o direito e o poder de fazer o que queiram, quando queiram e como
queiram. Toda a disciplina torna-se então um atentado contra a
liberdade individual.
Contudo
ninguém ousaria admitir e defender uma tal definição de liberdade.
Não só esta concepção é praticamente inaplicável mas nem
poderia obter o nosso assentimento íntimo. Sentimos bem que o nosso
ser corpóreo deve agir segundo certas leis inscritas em nós e cuja
transgressão provocaria consequências dolorosas. Esta lei íntima é
a consciência moral que nos adverte da existência de certas coisas
que precisamos não praticar e de outras que precisamos em absoluto
fazer para conservarmos a nossa dignidade humana, o respeito
individual, a estima dos outros e a aprovação divina, -
principalmente os que nela acreditam.
Parece-nos
que é sob este ângulo que convém encarar a consciência moral.
Fomos criados por Deus. Somos uma máquina maravilhosa e delicada.
Pascal comparou o ser humano a uma cana, o ser mais fraco da natureza
que basta um vapor, uma gota de água, para a matar. É bem natural
que quem nos fez nos instrua sobre o que convém ou prejudique a
nossa pessoa.
Por outros termos, ensina-nos Ele sobre nossa natureza
e diz-nos como viver para nos conformarmos a ela. Estas instruções,
inscritas na nossa consciência, na Bíblia e na natureza,
estendem-se à nossa conduta, bem como à nossa alimentação,
bebidas, repouso, trabalho e sentimentos, porque é verdade que no
ser humano tudo está ligado: físico, moral, espiritual, social.
Ora,
seja qual for o ser livre quando nada o impede de viver conforme a
sua natureza. Causa-nos pena ver, em jardim zoológico, uma águia na
jaula, quando foi feita para voar no azul em direcção ao sol; ou
camelos, tigres, elefantes, encerrados em espaços ridiculamente
pequenos, em relação ao deserto e ao mato que gostam de percorrer.
Do
mesmo modo, o ser humano é livre, não na medida em que possa fazer
o que quiser, mas em que pode fazer o que é conforme à sua natureza
íntima, isto é, ao que deve fazer. Chegamos
portanto a uma definição da liberdade, que talvez não
agrade a todos mas nem por isso deixa de ser a única a que se chega
racionalmente: a liberdade é o direito de
fazer o que se deve e não ser obrigado a fazer o que não se deve.
Estamos
a ouvir uma objecção do nosso leitor. «Ao que acaba de dizer,
pretende que o ser humano deve obedecer a leis e que a sua liberdade
consiste precisamente em poder submeter-se a elas. Estará isso, na
verdade, na natureza humana? Será natural obedecer, trabalhar,
sofrer, esquecer-se de si mesmo em favor dos outros, morrer? Bem
vemos que precisamos consentir em tudo isso mas fazemos tudo para não
sermos obrigados a tal. Sentimos no mais profundo de nós uma espécie
de revolta contra todas estas obrigações; sofremo-las contra
vontade, no sentimento doloroso da nossa impotência.
Como explicar
que nos ergamos com todas as nossas forças contra necessidades que
devem, no final das contas, estar bem inscritas na nossa natureza,
porque são tão universais e não sofrem excepção alguma»?
No
fundo está aqui um problema da liberdade. Seremos na verdade livres
ou o sentimento que temos da nossa liberdade provirá da ignorância
das causas que a determinam? A noção da liberdade perde-se e com
ela o hábito de ser livre. Vem disto a desordem actual que
analisaremos no próximo artigo.
Vivam
a liberdade que vos foi oferecida com estima, sejam felizes com os
pés bem assentes no chão, porque mesmo sendo livres não vale tudo.
*Director
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